quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Os estúdios secretos que criam os melhores jogos


Aqui no blog eu já mencionei que às vezes alguns jogos surpreendem com uma qualidade que a produtora original não poderia ter, como é o caso de Sonic Colors que eu não acredito que tenha sido feito pela Sonic Team, e muitos dos leitores acharam que eu estava maluco. "Como assim outro estúdio fez o jogo no lugar da Sega? Não faz sentido", então eu resolvi falar um pouco mais sobre esses estúdios secretos que fazem alguns dos melhores jogos da indústria.

Há muitos nomes para esse trabalho como "mercenário", "desenvolvedor fantasma", "equipe secreta", entre outros. A ideia é que por uma quantia em grana, esses caras pegarão o seu jogo ou franquia e irão torná-lo melhor, às vezes até excepcional, sem que ninguém jamais saiba que eles trabalharam no seu jogo. É um pouco anti-ético por parte das empresas, porém alguns estúdios até preferem trabalhar assim.

Vale lembrar que não estamos falando de outsourcing, que é quando uma empresa paga outra pra fazer uma parte do jogo mas esse outro estúdio ainda é creditado por isso. Muitas empresas têm usado recentemente mão-de-obra asiática barata e qualificada, como da China e Coreia, para baratear custos. Por exemplo, em Horizon: Zero Dawn havia uma empresa inteira dedicada apenas a criar e animar alguns dos robôs, outra empresa inteira para rostos e expressões faciais, e assim por diante.

Normalmente os estúdios utilizam outsourcing para trabalho braçal e até um pouco do artístico, mas as empresas secretas não, elas são especializadas em deixarem seu jogo bom. Elas mexem principalmente na jogabilidade e nas fases, às vezes até mesmo na parte conceitual do jogo ou fazendo o projeto inteiro sem que ninguém saiba. Quando apenas fazem pequenas trechos e melhorias em jogos, algumas dessas empresas chegam a trabalhar em até dez projetos durante um ano.


Quando você tem um jogo que não está divertido, quando não tem ideia de como levar uma franquia adiante ou quando até tem todo o seu conceito de jogo em ordem mas não tem tempo ou pessoal qualificado para dispor, é aí que você chama um desses estúdios. Eles farão seus problemas sumirem sem que ninguém fique sabendo que eles sequer existiram em primeiro lugar.

Os motivos tanto para quem os contrata quanto para quem escolhe trabalhar nesse molde são variados. Algumas empresas podem não querer passar uma imagem de incompetência para o público e investidores ao pedirem a ajuda de outros estúdios. Outras podem não querer que vaze a informação que um jogo aguardadíssimo na verdade está virando uma bomba. Algumas podem não querer que as pessoas pensem que o jogo terá menos do charme da empresa porque outra produziu uma parte, etc.

Já para quem aceita ser contratado sem créditos, há algumas vantagens. Alguns estúdios mercenários cobram um extra para realizar o trabalho em sigilo, o que é vantajoso em curto prazo, outros conseguem mais trabalho devido a sua discrição e quanto mais discretos forem, mais serão recomendados entre os círculos internos das grandes empresas como resolvedores de problemas. A maior desvantagem é que às vezes as pessoas não os reconhecem e não sabem da sua qualificação.

Especificamente no caso dos estúdios japoneses há ainda toda uma cultura de ninjas que trabalham através das sombras. Há estúdios inteiros que não só não querem ser creditados que ainda entram em desespero se você disser que irá creditá-los, pois seria o equivalente a um ninja ter o rosto mostrado na televisão, é quase o fim de carreira para eles.


De todos os estúdios secretos, a mais conhecida é a Tose e temos que parar um instante para apreciar a ironia de um estúdio secreto que é bastante conhecido. A Tose foi fundada em 1979 em Kyoto, no Japão e já trabalhou com algumas das maiores empresas de jogos como Nintendo, Capcom, Square Enix, Sega, Konami, Bandai Namco e até mesmo estúdios americanos como a Electronic Arts.

Às vezes tudo que a Tose faz são ports, convertendo jogos antigos para novos videogames. No entanto as empresas confiam tanto na Tose que muitas vezes emprestam franquias para que ela crie seus próprios jogos. Dois títulos excepcionais que eu adoro do Nintendo DS por exemplo são da Tose: Super Princess Peach e Dragon Quest Heroes: Rocket Slime, ambos publicados como jogos da Nintendo e da Square Enix, respectivamente.

A Tose produziu praticamente todos os jogos de Dragon Ball antigos do Super Nintendo, como o RPG Legend of the Super Sayan, a série de luta Super Butouden e provavelmente o Hyper Dimension, mas é difícil saber. Trata-se de uma empresa que já tocou em milhares de jogos, e digo este número literalmente, e mesmo assim quase nunca é creditada e para o público em geral ela mal existe.

O que garante então que a Tose não seja apenas uma lenda urbana? Bom, a maioria dos insiders da indústria sabem sobre ela e ficam sabendo quando é ela que acaba desenvolvendo um jogo, só não é conhecimento público. Às vezes o nome da Tose chega a ser creditado em jogos na área "Special Thanks" dos créditos, sem detalhamento de seu envolvimento e com pseudônimos nos nomes dos envolvidos.


Porém a maior evidência da existência da Tose é justamente em jogos da Nintendo. Eles são coautores ao lado da Nintendo da série The Legendary Starfy, uma franquia de plataforma submarina parecida com Kirby que só teve um dos jogos lançados no ocidente para o DS. A Tose também portou a série de minigames Game & Watch clássicos da Nintendo para o Game Boy.

Como eu disse, a Tose é a mais conhecida, e talvez alguns dos leitores até já tenham ouvido falar dela, talvez alguns pensassem que se tratava apenas de uma lenda urbana. É bem difícil comprovar o envolvimento do maior estúdio secreto que já trabalhou em milhares de jogos que passaram pelas nossas mãos, agora imagine como é difícil encontrar os menos conhecidos.

Entre alguns dos que realmente sabemos: Resident Evil: Code Veronica não foi feito pela Capcom, foi feito por um estúdio chamado NexTech, vários jogos de séries de RPG como Final Fantasy, Persona e Yakuza passaram por uma empresa chamada Hyde, Overwatch teve partes feitas por uma desenvolvedora chamada Supergenius, Street Fighter 5, Final Fantasy 15 e BioShock Infinite tiveram a mão do Streamline Studios.

Há ainda outros desenvolvedores secretos como a Snowed In Studios e Fuel Industries que sabemos que fazem jogos para grandes empresas, mas sequer sabemos algum projeto em que tenham se envolvido. A maioria desses estúdios é antiga, dos anos 2000 e até antes. A Snowed In Studios é a única mais recente, fundada em 2010 e trabalhou primariamente em plataformas atuais como o PlayStation 4 e Xbox One.


Para quem acompanha o mundo dos jogos, talvez essa não seja a primeira vez que ouve falar da Hyde, pois ela esteve envolvida em algo nos últimos anos. Após Keiji Inafune, um dos criadores de Mega Man, deixar a Capcom ele realizou uma campanha de financiamento coletivo para um jogo chamado Mighty No. 9 que seria um sucessor espiritual do robô azul. O projeto atrasou muito e as pessoas ficaram revoltadas, principalmente porque antes do jogo estar sequer pronto, Keiji abriu outra campanha para outro jogo.

Esse segundo jogo chamado Red Ash seria um sucessor espiritual da franquia Mega Man Legends, assim como Mighty No. 9 seria de Mega Man. A principal causa da revolta foi por Inafune já estar pensando em outro jogo quando o primeiro ainda estava atrasado, mas havia uma outra reclamação que surgiu nessa época. A produtora que ele havia escolhido para produzir Red Ash, uma tal de Hyde que ninguém nunca tinha ouvido falar.

Muitos das pessoas que diziam não querer colaborar com a campanha de Red Ash mencionaram a loucura de Inafune de contratar um estúdio que não tinha qualquer histórico de desenvolvimento relevante, no entanto ele provavelmente já os conhecia, o que pode ou não indicar que a Hyde já trabalhou com a Capcom. A Hyde parece ter mexido em muitos RPGs, então talvez ela tenha produzido Mega Man X: Command Mission?

Algum tempo depois que a campanha falhou, o presidente da Hyde deu uma entrevista descontraída na qual revelou que a empresa é um desses estúdios secretos da indústria. E quando as pessoas diziam que eles não tinham experiência para produzir jogos, ele apenas riu e disse que era uma das desvantagens de ser um estúdio secreto.


No caso específico de Sonic Colors, talvez tenha havido mesmo a mão da Dimps, uma empresa que desenvolveu vários jogos de Sonic para portáteis em conjunto com a Sega, como Sonic Advance, Sonic Rush e as versões de Sonic Colors (NDS) e Sonic Generations (3DS). No início eu não achava que a Dimps tinha esse cacife todo para melhorar tanto o jogo, pois os Sonics portáteis eram legais mas não excepcionais, mas depois de Sonic Generations do 3DS e Dragon Ball Xenoverse, realmente dá pra ver que alguém lá sabe o que faz.

Quando a Sega chamou a Dimps para fazer as versões portáteis de Sonic foi justamente por não ter pessoal suficiente para fazê-las ela mesma, o que parece ser o caso de Colors, conteúdo demais para pessoal de menos. Eles também tinham conhecimento prévio do console por terem feito a versão Wii de Sonic Unleashed. É completamente possível, mas foi o que aconteceu? Talvez nunca saibamos.

A verdade é que a indústria de jogos é excelente em guardar seus segredos, especialmente o setor japonês que é de onde provém boa parte desses estúdios secretos. Se eles não quiserem revelar que eles trabalharam em um jogo, provavelmente jamais ficaremos sabendo, ou então saberemos 10, 20 anos após eles terem sido lançados.

Para um olho treinado no entanto, não é tão difícil captar as oscilações de game design, quando um estúdio simplesmente faz um jogo que não poderia ter feito, cuja filosofia não bate. Um ponto fora da curva. Um sussurro de fantasma na multidão.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Nintendo, derivação e Bowsette


Uma das modas recentes dos últimos anos e que só tende a crescer ultimamente é a de vendas com base no carisma e não necessariamente em conteúdo. Já vemos isso há algum tempo no Japão com jogos de waifus, porém a onda tem chegado forte no ocidente com jogos como Undertale, Overwatch e Splatoon. Recentemente tivemos a explosão de "Bowsette" para mostrar o poder de marketing que a derivação tem, mas onde andava a Nintendo durante todo esse tempo? Caçando fangames na internet.

Um jogo como Overwatch tem a mesma quantidade de jogadores que Rocket League, no entanto a projeção que os fãs dão ao jogo, faz com que pareça que ele é muito maior. Pergunte a uma pessoa aleatória o que é Undertale e ela não saberá, mas fãs conseguiram que praticamente ninguém na internet tenha passado os últimos anos sem ver alguma fanart, vídeo ou referência do jogo, além de fazerem com que ele fosse eleito o melhor jogo de todos os tempos no GameFaqs. Splatoon 2 por sua vez se tornou uma febre no Japão e até mesmo Arms ganhou alguma projeção com seus personagens, apesar de agora estar esquecido.

Todos esses são jogos que não oferecem tamanho conteúdo para justificar essa adoração, mas isso não importa tanto quanto oferecer carisma, estilo sobre substância. Estamos em uma época muito "social" na qual o carisma vende seu produto muito mais do que aquilo que de fato ele traz. Essa onda social, é alcançada através da derivação, quando os fãs pegam seu produto para si e o transformam na internet, aumentando seu alcance com sua paixão (ou positividade forçada como alguns youtubers).

Ao olhar Overwatch e Rocket League não é difícil ver que não temos fanarts de Rocket League, porque seus personagens são genéricos, são carros, seria como ter fanarts de Fifa. Assim mesmo ambos tendo o mesmo tamanho e Rocket League por incrível que pareça tenha mais projeção no cenário competitivo, Overwatch parece um jogo maior, porque você vê mais pessoas criando conteúdo sobre ele, dizendo o quanto adoram seus personagens, comprando bonecos e outros tipos de produtos.


O que aconteceria se a Blizzard dissesse que as pessoas não podem criar conteúdo para Overwatch? Por um tempo isso aconteceu, quando a empresa tentou impedir que criassem conteúdo adulto com seus personagens e isso deixou o público bem zangado. Mas imaginemos um cenário hipotético que vá além, no qual nem mesmo vídeos sobre Overwatch possam ser criados, gameplays, transmissões no Twitch. Parece absurdo, não é?

No entanto é exatamente assim que a Nintendo tem lidado com a derivação na internet, proibindo-a. Claro, ninguém é proibido de fazer fanarts da Bowsette, mas faça um gameplay de um jogo da Nintendo e ela o tirará do ar, ou pegará a monetização para ela. Nenhum youtuber ou streamer atualmente quer trabalhar com jogos da Nintendo. Faça um fangame e por mais idiota que ele seja, ela o tirará do ar, mesmo sem jamais tirar jogos mal intencionados de verdade do Google Play.

Essa atitude não apenas machuca os fãs da Nintendo, mas impede que eles contagiem outras pessoas com sua empolgação, como fãs de Overwatch e Undertale fizeram. Até mesmo Minecraft deve muito de seu sucesso ao fato de que youtubers mostraram o jogo para outras pessoas que poderiam gostar dele. Enquanto isso a Nintendo continua tratando a internet como inimiga.

Masahiro Sakurai, criador de Super Smash Bros. ficou sem vontade de botar um modo história nos novos jogos porque todas as cutscenes de Super Smash Bros. Brawl caíram no YouTube rapidamente após o lançamento do jogo, como se isso anulasse todas as vantagens de ter um modo história ou de sequer ter cutscenes, as quais diga-se de passagem eram fantásticas.


A forma como a Nintendo enxerga a derivação de seus produtos como um inimigo é mais um sinal da filosofia de controle total que parece estar em vigor na empresa. Muitos devem se lembrar como esse método de fazer as coisas atingiu seu pico com as Nintendo Directs, as quais controlam até mesmo o fluxo de informação das novidades da Nintendo. É uma filosofia que nos tirou praticamente qualquer liberdade de interagir com a empresa.

Quando um fenômeno extremamente popular como Bowsette surge, a Nintendo se torna incapaz de faturar em cima, adicionando skins em jogos já existentes ou sequer reconhecendo a existência da personagem, pois ela não tem toda essa intimidade com os fãs. Enquanto é muito pouco recompensador fazer qualquer tipo de derivação da Nintendo, a Sega por sua vez chegou a contratar um dos melhores criadores de fangames de Sonic para fazer Sonic Mania.

Enquanto vários jogos utilizam a derivação a seu favor como Minecraft, Overwatch, Undertale e em menor escala títulos como Five Nights at Freddy's e Bendy and the Ink Machine, a Nintendo segue com uma filosofia velha que envia uma clara mensagem arrogante para os fãs: "Não toque em nada, você vai acabar estragando".

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Red Dead 2, Westworld e o futuro dos NPCs



Red Dead Redemption 2 é a mais nova demonstração técnica de mundo realista da Rockstar, desenvolvedora conhecida pelo seu incrível trabalho na série GTA, e como de costume vem mostrando promessas extremamente ambiciosas sobre o jogo. A principal delas é a respeito de seus NPCs, os quais aparentemente são mais realistas e possuem um básico de inteligência artificial mais profundo do que estamos acostumados. Isso me lembrou de uma série muito boa da HBO chamada Westworld e como o futuro dos jogos sandbox pode estar em seus NPCs.

Uma das grandes promessas de Red Dead Redemption 2 é que agora você pode conversar com os NPCs, mas não aquelas famosas árvores de diálogo que ramificam em várias opções, uma conversa mais casual. Eles inicialmente realizam um julgamento sobre o seu personagem, se ele está bem ou mal vestido, se está sujo, com a barba por fazer, se há manchas de sangue e reagem de acordo com essa impressão inicial.

O jogador tem basicamente opções de escalada para os diálogos, os quais podem levar uma situação um nível acima ou desarmá-la. Uma vez tendo assustado alguém com sua aparência ou ações você pode aumentar esse medo ameaçando a pessoa ou acalmá-la dizendo que está tudo bem. Dependendo do seu sucesso essa pessoa pode ou não correr, pode ou não denunciá-lo para a polícia e talvez o mais interessante, ser legal não vai necessariamente te dar o melhor resultado, o que gera dilemas morais.

Obviamente isso são promessas e promessas são coisas frágeis como já vimos com Peter Molyneux e seus devaneios em Fable que nunca se concretizaram, mas o importante aqui é o conceito. Não estamos assim tão distantes de NPCs com inteligência artificial convincente, que deem um salto em relação ao que conhecemos atualmente. Em GTA por exemplo, você atira, as pessoas correm por um tempo, depois param e pronto, seguem rumando para lugar nenhum, sem casa, sem história.


Em simuladores de cidades como Cities Skylines (e acho que em SimCity também, mas não posso confirmar), cada pessoinha tem sua própria rotina, com sua própria casa, seu emprego e seu método de transporte para chegar até ele. Quando nos aproximamos da vida de cada um deles, como quais seus sonhos e aspirações, como Will Wright tentou, basicamente temos The Sims, criaturas com barras de necessidades e personalidade.

Não é algo tão complexo gerenciar todas essas vidas pois para um computador elas são apenas variáveis, ter ou não um trabalho é apenas 0 e 1, um local de trabalho é apenas um número com coordenadas predeterminadas de uma lista. Eles não estão de fato pensando, estão apenas nos dando a ilusão de pensamento, por isso o processamento não é algo de outro mundo ou inviável, como seria se cada NPC tivesse uma inteligência artificial real (aí sim cada um deles exigiria a potência de um videogame inteiro).

Então temos a série Westworld, a qual eu realmente recomendo que qualquer um aqui veja a primeira temporada. Trata-se de um futuro distópico no qual a humanidade visita parques de diversão com robôs extremamente realistas e com inteligência artificial limitada mas convincente. Westworld é o nome de um parque de diversões que leva os visitantes em uma aventura no velho-oeste.

Apesar de ser um parque de diversões, qualquer um que jogue videogame irá sentir algo familiar. Há NPCs, quests e outros jogadores como em um videogame qualquer. A diferença é que as missões não são dadas por uma pessoa com uma grande exclamação na cabeça. Uma dama deixa cair uma lata de leite, você a pega por gentileza, uma gentileza proveniente da sua persona no mundo real, e então você se envolve na quest dela, se quiser pode se envolver mais ainda na história e ela terá uma vida, uma família, sonhos, pelos quais você pode ou não se interessar. Tudo parece espontâneo e real, até que em uma segunda visita você a vê derrubar a lata de leite para outra pessoa e a magia se quebra.


Normalmente em um videogame não paramos para ajudar um NPC aleatório. Por que pararíamos? Ele não parece real. Em Westworld os NPCs parecem humanos e isso invoca certa empatia. Segundo a Rockstar, algumas missões de Red Dead Redemption 2 serão assim, não dadas por NPCs com exclamações na cabeça, mas comentadas por alto em conversas casuais até que o jogador decida investigá-las por conta própria.

Em jogos há dois tipos de história, a que é criada pelos desenvolvedores e a que é criada pelo jogador, a segunda muito mais potente que a primeira. Minecraft, por exemplo, praticamente não tem história criada por seu desenvolvedor, com exceção da caça ao Ender Dragon. A maior parte de sua história é gerada pelo próprio jogador e por sistemas ao seu redor que interagem e podem ser interagidos das mais diversas maneiras.

A forma roteirizada de contar história, na qual você tira o controle do jogador e o força em uma missão na qual os desenvolvedores esculpiram cada detalhe que será visto e interagido, exige muito dinheiro para ser produzida. Se Minecraft fosse um jogo sobre entrar em cinco templos, resolver armadilhas, pegar a espada mágica e matar o dragão, as pessoas já teriam largado dele há muito tempo. Ele se mantinha relevante porque a aventura nunca acabava, pois era uma aventura gerada pelo próprio jogador.

Atualmente jogos de mundo aberto não tem dinheiro pra preencher todos os seus cantos com história roteirizada e não têm designs interessantes o suficiente como Minecraft para preenchê-los com história para o jogador. Até mesmo o mais recente jogo do Homem-Aranha sofre disso. Desenvolver um sandbox divertido é difícil de um ponto de vista de design e por isso muitas empresas sequer tentam, fazem alguns sistemas básicos como árvores de habilidades, gangues, crimes aleatórios e pronto.


No entanto, ao termos NPCs mais realistas, eles poderiam reagir a vários detalhes do mundo, assim como reagiriam a uma camisa ensanguentada em Red Dead Redemption 2. Normalmente em um jogo de super-herói, o crime ocorre porque você está andando pela cidade de bobeira e o jogo cria um crime. Em outras palavras, ele cria um ladrão e cria uma vítima, NPCs que não existem de verdade fora dessa situação. Essa vítima não tem casa, ambições, necessidades, nem esse ladrão. São roteirizadas.

Ao criar sistemas ao invés de roteiros, você perde o controle de quando algo acontece, e perder o controle é uma coisa boa, as coisas começam a acontecer sozinhas. Um ladrão e uma vítima saem de casa no início do dia e em algum ponto ele vê a oportunidade de roubá-la, esteja você observando ou não. Você pode se perguntar: "De que adianta os NPCs fazerem algo quando eu não estou olhando?", e essa é a grande questão, trabalhar no espaço negativo.

Se todas as vezes que você estiver andando pela rua de bobeira em Spider-Man um crime é gerado para te entreter, todos jogadores verão esse crime, todos terão a mesma experiência e ao final do jogo estarão de saco cheio dele. Assim como no Level Design criamos caminhos que muitas pessoas não irão usar, é preciso existir a opção para que aqueles que a usem sintam que sua liberdade foi respeitada e que esse jogo lhes dá capacidade de expressão. Assim como uma fase na qual só andamos para frente é monótona, NPCs que sempre reagem da mesma maneira são monótonos.

Em Westworld os robôs, chamados de Anfitriões (Hosts), têm valores em sua programação que alteram a forma como se comportam de uma maneira bastante semelhante a The Sims. Os técnicos da série podem alterar os níveis dos anfitriões em carisma, agressividade, inteligência apenas deslizando uma barra, gerando experiências e reações diferentes dentro de uma mesma narrativa. Em um mesmo crime você poderia ter várias ramificações de acordo com quem é seu ladrão, vítima ou uma inesperada combinação incomum de ambos.


No início da série Westworld vemos que as pessoas começam seguindo as quests dadas pelos NPCs mais óbvios, mas logo estão seguindo suas próprias jornadas, encontrando sua própria diversão em um mundo interativo. Em Westworld se o jogador quiser salvar alguém de uma ameaça, ele não precisa entrar em uma missão, pois o mundo em si já é perigoso, pessoas inocentes morrem diariamente sem ninguém intervir e isso significa que em uma dessas ocasiões o visitante pode chegar no exato momento e salvar essa pessoa, tendo uma experiência única.

Isso não é tão diferente em conceito das vilas de Minecraft, as quais são completamente desprotegidas contra monstros. Se uma horda de zumbis for em direção a uma vila, você poderia impedi-los. Os habitantes no entanto não ficarão gratos, eles não são programados para isso. Você pode ficar o dia inteiro ajudando a vila, plantando, construindo, protegendo-a e eles não reagirão de forma alguma.

Se ao invés disso os NPCs tivessem variáveis, hoje haveria comunidades inteiras dedicadas a construir vilas em Minecraft nas quais os jogadores poderiam ser vistos como reis. Ao invés disso se você tiver habitantes demais em um mesmo local, todos tentam entrar na mesma casa até se sufocarem por falta de espaço (sim, é sério).

É possível que eventualmente cada jogador tenha seu próprio mundo para moldar da forma que quiser graças a sistemas que nos permitirão interagir com os NPCs a ponto de torná-los parte desse mundo, validadores de que este mundo existe fora da sua observação. Não que esteja defendendo hiper realismo no qual você comete um crime em GTA e uma AI detetive te investiga em uma delegacia (apesar de que isso poderia ser um novo gênero de jogo).

O futuro do sandbox pode ter mais a ver com gerar sensações do que acompanhar histórias, ou seja, mais perto de um parque de diversões que de um filme.