sábado, 28 de abril de 2018

O primeiro ano do Nintendo Switch


A Nintendo lançou nesta última semana seu relatório financeiro do ano fiscal de 2017, o qual inclui suas operações entre Março de 2017 e Março de 2018. O Nintendo Switch vendeu 17,79 milhões de unidades, emplacou 12 títulos com vendas acima de 1 milhão, tornou The Legend of Zelda: Breath of the Wild o game mais vendido da série com quase 10 milhões de unidades... e vamos ver por que isso tudo é uma coisa ruim =D

Por favor entoem este mantra comigo: "O primeiro ano não prova nada". O Nintendo Switch pode ser um sucesso estrondoso? Sim, mas não vão ser as vendas do primeiro ano que vão apontar isso. Infelizmente os fãs da Nintendo são muito precipitados em comemorar e eu nem mesmo estou falando isso por ir contra a ideia do console ser um sucesso, mas simplesmente contra a ideia de achar que o primeiro ano de vendas define algo.

A todo novo console ou portátil as pessoas esquecem a história do Nintendo DS que vendeu mal em seu primeiro ano e até perdeu para o PSP, soletrando "Nintendo doomed", antes de se tornar o portátil mais vendido de todos os tempos e a mais vendida plataforma Nintendo com mais de 150 milhões de unidades. Se más vendas no primeiro ano podem ser sinais de quebra de recorde, por que boas vendas no primeiro ano seriam sinal de algo positivo? É algo que venho falando desde o Nintendo 3DS.

Os números do Nintendo Switch podem estar inflados graças a The Legend of Zelda: Breath of the Wild, um jogo com tamanha qualidade como nunca vimos no lançamento de um console. Imaginem se o Nintendo 64 fosse lançado com Ocarina of Time. Não mudaria o destino do videogame e o resto da coleção que ele receberia nos próximos anos, mas sem dúvida faria ele parecer um sucesso estrondoso no início.


Em seu primeiro ano o Nintendo Switch teve Mario, Zelda e Mario Kart, e a grande questão é que essas são as maiores franquias da empresa. Super Smash Bros. e Pokémon ainda tem um bom peso, mas é um fato que a Nintendo descarregou seus mais potentes canhões logo no início da vida do console, o que faz com que nos questionemos o que virá a seguir para mantê-lo vendendo nesse ritmo como eles esperam.

Eu esperava que o Switch vendesse entre 10 a 15 milhões no primeiro ano, mais ou menos a mesma previsão da Nintendo, a qual foi revisada. No próximo ano eles esperam vender 20 milhões e aí discordamos bastante, porque eu não acho que o Switch irá vender cada vez mais, eu acredito que ele possa ainda vender bem em seu segundo ano, mas desacelere.

Isso porque eu estou vendo uma limitação muito grande das pessoas que o console atinge. Vamos falar sobre cada Tier desse público. O Tier 1, jogadores hardcore, estão comprando muitos consoles. Assim como aconteceu com a queda de preço do Nintendo 3DS que adiantou a adesão deles ao portátil mas depois desacelerou suas vendas porque as pessoas que comprariam o videogame em anos seguintes quando houvesse mais jogos de qualidade, já o haviam comprado.

Não sou apenas eu que estou preocupado que o primeiro ano possa ter sido apenas de fãs e que deva haver uma expansão do público, mas o próprio presidente da Nintendo, Tatsumi Kimishima: "No primeiro ano teremos fãs de jogos e da Nintendo comprando. Para o segundo ano e em diante é importante criar uma estrutura para que os jogos lançados possam ser jogados ainda além [desse público já conquistado]".


Super Mario Odyssey está com 10 milhões de unidades, Mario Kart 8 e The Legend of Zelda Breath of the Wild estão também perto dos 10 milhões e aqui entra uma questão interessante sobre quanto eles se sobrepõem. O Attach Rate, a proporção de jogos por console, está alto como na época do GameCube, maior que 3 jogos por console e há um boa chance de que ao lado de Splatoon 2 que vendeu 6 milhões, esses sejam os jogos que a grande maioria das pessoas têm.

Isso pinta uma figura muito hardcore do console e muito voltada para os fãs da Nintendo. O Switch já tem 12 títulos que ultrapassaram a marca de 1 milhão, entre eles: Super Mario Odyssey, The Legend of Zelda: Breath of the Wild, Mario Kart 8 Deluxe, Splatoon 2, 1-2 Switch, Arms, Xenoblade Chronicles 2, Kirby Star Allies e Pokkén Tournament. São 9 títulos da própria Nintendo, o que não é um bom sinal para as thirds.

Ele ainda está ganhando alguns ports atrasados. Wolfenstein 2 vai sair no Switch bastante tempo depois dos outros, Dark Souls Remastered foi adiado mas ainda virá, Crash Bandicoot N.Sane Trilogy. Porém quando o assunto são novos jogos, ele continua sendo deixado de fora e isso não é legal como um sinal do suporte futuro. Não temos Fortnite no console, não temos PlayerUnknown's Battlegrounds, títulos que foram lançados para smartphones, e com certeza não teremos blockbusters de consoles como Call of Duty e Battlefield. Se o Swich for mais um videogame só de jogos da Nintendo, as vendas irão refletir isso.

Voltando a Super Mario Odyssey, 58% da base do Nintendo Switch possui o jogo, e obviamente este número não é apenas de hardcores. Aí entra o Tier 2 do mercado, pessoas que jogam casualmente e até estão cientes do Switch, mesmo que não sejam bitoladas por ele. aqui entra um questionamento. O que acontece se essas forem todas as pessoas dispostas a comprar um videogame Nintendo por um Mario 3D? O que as fariam comprar um console depois disso?


Não temos Tier 3, os não jogadores, completos casuais ou desistentes, pessoas que não costuma jogar videogame ou pararam de jogar videogame em algum ponto de sua vida. Não temos um Wii Sports para chamar sua atenção. Jogos como Breath of the Wild e Super Mario Odyssey apesar de sua aclamação crítica, não são capazes de atingi-los. Mesmo o curioso Nintendo Labo não chegará até eles. Isso dificulta muito que o console chegue a números tão altos.

Vivemos em uma era de pós-verdade na internet, onde a aparência é tudo. Por exemplo, as manchetes são "Lucro da Nintendo cresce 505%". Porcentagens são usadas para disfarçar fatos como o de que o lucro da Nintendo no ano anterior foi baixo, em torno de US$ 265 milhões e foi bom nesse ano, por volta de US$ 1,6 bilhão. Um número como 505% dá a ideia de proporções Wiiescas e não estamos lá.

Não é algo que uma pessoa comum poderia notar pelas notícias que vemos. A maioria das pessoas está pensando que o Nintendo Switch é um fenômeno na escala do Wii, quando na verdade suas vendas estão abaixo do PlayStation 4 no mesmo período. Há um pico no lançamento, outro no Natal e vários meses em que o Switch vendeu pouco mais de meio milhão e o PS4 vendeu quase o dobro disso.

Mas não precisam pensar que essa é uma questão de enaltecer a Sony, pois o próprio PlayStation 4 está abaixo de uma plataforma Nintendo, o Wii. Em outras palavras, temos em primeiro lugar as vendas do Wii, depois as do PS4 e então as do Switch. E por algum motivo a percepção pública é que o Switch está vendendo mais do que o Wii, que é um fenômeno ainda maior que ele.


Talvez eu esteja errado, talvez quase 18 milhões de unidades seja um resultado fantástico, mas então entraríamos em uma outra questão: são boas vendas para um console ou são vendas normais para um portátil? Toda essa história de plataforma híbrida cria alguns problemas para medição. Se o Nintendo Switch for um console, como eu sempre afirmei, seu potencial máximo ao agradar os Tier 1 e um pouco ao Tier 2 seria de 40 milhões de unidades.

No entanto se ele fosse um portátil ele poderia chegar a 80 milhões, como o Nintendo 3DS, e ainda assim ao lado do mesmo ser um dos portáteis menos vendidos da empresa. Porque 80 milhões é ótimo para um console, mas não é tão bom assim para um portátil, pois portáteis naturalmente vendem mais. Eu não acredito que o Switch seja um portátil, por motivos que falarei a seguir, mas a Nintendo pode me provar errado, redefinir o que significa ser portátil, o que inutilizaria todo meu conhecimento sobre esse segmento.

Quando as pessoas me dizem que o Switch é um portátil, eu o comparo com duas plataformas. A primeira é o Nintendo 3DS. Como o Switch poderia atender os mesmos requisitos do público do Nintendo 3DS sendo tão diferente? Como ele poderia ser fácil de levar no bolso daquele tamanho? Como ele pode ser bom para jogar na rua se sua bateria dura pouco? Como ele poderia ser bom para uma diversão rápida se seus jogos são em maioria jogos de console em uma tela pequena? Como ele pode atender o mesmo público do 3DS custando mais de 100 dólares a mais do que as pessoas estavam dispostas a pagar pelo portátil?

Por esses motivos eu não vejo o Switch como portátil, acredito que suas vendas são fortes para um console. A segunda plataforma que ele me lembra é o PSP e a questão que levou a sua derrota. O Nintendo DS tinha jogos de portátil e o PSP tinha jogos de console em uma tela pequena. Total de vendas do PSP? 80 milhões. Não há muito como escapar disso. No entanto, isso não é um problema quando se é um console.


Um dos motivos que eu acho que levará ao desaceleramento do Nintendo Switch é o eventual lançamento de um novo portátil da Nintendo, assim que ela se der conta de que pelo Switch não ser um portátil, ele não faz o trabalho de um portátil, tanto para o público quanto para a empresa. Um novo Nintendo 3DS, DS ou até mesmo GameBoy, tiraria muito o foco do Switch.

Infelizmente com a mudança de presidente agora temos uma pitada de imprevisibilidade na Nintendo. O segundo ano do Nintendo Switch ainda deverá ser estável como legado de Kimishima, mas a partir do terceiro ano as coisas podem ficar turbulentas... assim como pode não acontecer nada, é o problema de não sabermos qual o jeito desse novo presidente.

Se o Nintendo Switch provar que eu não sei nada sobre o mercado de jogos ou de portáteis, tudo bem, mas não serão essas vendas do primeiro ano que vão dizer isso.

Até mais Kimishima, e obrigado pelos peixes


Em seu último relatório financeiro em 26 de abril a Nintendo não revelou apenas as suas finanças, mas também mudanças que ocorreriam na empresa e a maior delas é a troca de presidente. O atual presidente, Tatsumi Kimishima que entrou após a triste morte de Satoru Iwata em 2015 irá deixar o cargo e em seu lugar entrará Shuntaro Furukawa, um funcionário que está na companhia há poucos anos, mas já esteve em posições importantes.

Sempre soubemos que o papel de Kimishima seria temporário e a estabilidade em vendas da Nintendo atualmente serviu como o palco perfeito para sua saída. Inicialmente eu não gostava de Kimishima, pois ele não tinha muita personalidade, algo difícil de engolir depois do carisma de Iwata. No entanto com o passar do tempo eu comecei a gostar de uma parte dele, uns 50%, e já estava começando a entendê-lo.

O primeiro presidente da Nintendo no ramo dos videogames, Hiroshi Yamauchi, era um homem de negócios com punho de ferro. Satoru Iwata era um desenvolvedor que chegou ao topo e tentava domar o mundo dos negócios como um novo desafio. Kimishima no entanto tinha um estranho background de quase três décadas trabalhando em um banco, quando então foi para a Pokémon Company, apesar de não saber muito sobre pokémons.

Apesar de Yamauchi ser um homem de negócios, videogames eram o seu negócio, e no caso de Iwata eram sua alma, mas Kimishima sempre pareceu vê-los um pouco de fora, o que não permitia que ele os entendesse completamente. Isso não era necessariamente uma coisa ruim para a fase que a Nintendo estava passando, mas felizmente ele nunca precisou criar o conceito de um videogame, provavelmente isso não daria muito certo.


Com o passar do tempo percebi que esse distanciamento de Kimishima o fazia ver os videogames mais como produtos isolados e até mesmo como brinquedos. Isso pode ter sido o ponto decisivo para ele ser o único a ver o problema do Wii U dentro da Nintendo, ele não sabia como as pessoas comprariam algo tão parecido com um produto já lançado.

Eu realmente gosto desse ponto de vista o produto isolado, em que você tem uma caixa, algo dentro e aquilo é o que você recebe, sem que se transforme em outra coisa. Vivemos em uma época em que tudo é atualizado o tempo todo, tudo está em constante evolução e plugado na internet, e apesar de antiquada, a sensação do produto na caixa é agradável, segura e nos permite desacelerar um pouco nossas vidas.

É o caso do NES Classic, um videogame com alguns jogos que você pode plugar e jogar, sem internet, sem comprar mais jogos online, sem atualizações de sistema, o que você vê é o que você recebe. Claro que o NES Classic já vinha desde a época do Iwata, mas com certeza Kimishima deu foco a ele, algo que outro presidente poderia decidir esperar para se focar no Switch.

Um lado ruim é que ao ver os videogames mais como produtos isolados ou brinquedos, Kimishima parece ter limitado um pouco seu alcance, como ao lançar o NES Classic e o SNES Classic com uma ideia maluca de vendê-los apenas por um ano. Isso seria normal para um brinquedo, que apenas pode ser o mais quente daquela temporada no ano em que é lançado, mas um videogame tem pernas longas, a Nintendo pode vender versões Classic de seus videogames para sempre.


Outro problema é que assim como é com o mercado de brinquedos, Kimishima provavelmente quer algo novo todo ano. Nos anos 80 todos os anos Transformers, Tartarugas Ninjas e G.I. Joes teriam uma nova linha de brinquedos para vender, tradição que continua até hoje com Ben 10, Power Rangers e outros.

Provavelmente isso significa mais empreitadas como foi o Nintendo Labo, periféricos, coisas novas que gravitem ao redor do Nintendo Switch, já que grandes cartadas como Mario, Zelda e Mario Kart já foram dadas. Se virmos o surgimento de periféricos no segundo ano do Switch provavelmente será o legado de Kimishima mesmo após sua saída.

Por mais que eu goste dessa visão distanciada e de produto isolado, ela é um pouco antiga e não é exatamente o que a Nintendo precisa para seguir adiante. Estamos fazendo uma transição da época de posse para uso, cada vez mais produtos físicos estão se tornando serviços nos quais não temos, nem desejamos, posse, apenas usufruímos enquanto pagamos como Netflix, Spotify e para alguns até mesmo o Xbox Game Pass.

Nesse sentido o Switch está bem atrás, com cartuchos físicos e pouco espaço de armazenamento, ainda sem muitas informações sobre seu sistema online, o qual já começa muito atrás da PSN e Xbox Live. Nos últimos anos a Sony teve um gigantesco crescimento em sua rede e mais uma vez quando o assunto é online, a Nintendo pega o bonde atrasada.


A saída de Kimishima para botar um "jovem" Shuntaro Furukawa de 46 anos (Iwata tinha uns 42 quando entrou na presidência) pode significar um foco maior em ideias mais modernas. Só devemos começar a ver suas decisões lá pelo terceiro ano do Nintendo Switch, mas diferente de Kimishima que fez uma gestão sobre estabilidade, Furukawa pode realizar algumas loucuras e até quebrar velhos moldes da Nintendo.

Me incomoda um pouco que Furukawa seja tão novo na companhia e já esteja no papel do Presidente, há uma real chance aqui de vermos uma pitada da tradição da Nintendo ser perdida por falta de uma liderança que tenha brotado do coração da empresa. Porém isso é uma preocupação para o futuro.

Ninguém irá sentir falta realmente da gestão morna de Kimishima como sentimos falta de Yamauchi ou Iwata, mas ainda assim ele foi responsável por algumas coisas interessantes na Nintendo pelas quais aparentemente nunca será creditado, até por uma certa humildade. Então vamos apenas agradecê-lo no geral pelo tempo em que foi nosso gentil anfitrião.

Com quantos triângulos se faz uma Triforce


Recentemente The Legend of Zelda voltou a se tornar uma das franquias de maior respeito do mundo dos games em um fenômeno apenas similar ao grandioso lançamento de Ocarina of Time na época do Nintendo 64. O mais novo título, The Legend of Zelda: Breath of the Wild para Nintendo Switch e Wii U, recolocou a franquia no mapa com um primor raramente visto na indústria.

No entanto, se você acompanha o blog, talvez se lembre de dois pontos específicos: Primeiro, da nossa review de The Legend of Zelda: Skyward Sword, na qual demos um 5/10 para o jogo e criticamos muito a direção da série. Segundo, de como The Legend of Zelda: A Link Between Worlds foi bom e como achamos que isso aconteceu, pela ausência de um certo alguém. Vamos entender um pouco quem é Eiji Aonuma e por que achamos que Zelda fica melhor quando ele não está por perto.

Toda a questão gira em torno dele, Eiji Aonuma, diretor e produtor da série The Legend of Zelda atualmente. A franquia foi originalmente criada por Shigeru Miyamoto, responsável por alguns de seus melhores capítulos como A Link to the Past e Ocarina of Time, pai também de Mario e Donkey Kong. Porém, Miyamoto passou o controle da série para Eiji Aonuma a partir de The Legend of Zelda: Majora's Mask. Desde esse fatídico dia a franquia começou a decair.

Com a exceção do capítulo isolado Twilight Princess que praticamente seguiu os passos de Ocarina of Time e foi bem, Aonuma não coincidentemente foi responsável pelos maiores fracassos em vendas da série: Majora's Mask, Wind Waker, Spirit Tracks e Skyward Sword. Apenas recentemente a série começou a se reerguer com A Link Between Worlds que acabou por nos dar esperanças para Breath of The Wild, ambos títulos que eu digo, foram beneficiados por uma grande ausência de Aonuma.


Assim que o jogo foi anunciado eu fiquei com um pé atrás, porque Aonuma sempre pode estragar um jogo que parece promissor. Quando Breath of the Wild deu certo eu afirmei então que Aonuma não teve muita influência direta no jogo, mesma coisa que afirmei para A Link Between Worlds. Então houve reclamações no artigo que questionavam a nossa capacidade de análise.

Reclamações dizendo que não é possível saber se alguém está mais ou menos envolvido no desenvolvimento de um jogo, que não é possível olhar para algo em um jogo e dizer quem fez ou não fez algo, que um produtor não poderia apenas deixar sua equipe livre para fazer algo e depois ser surpreendido com coisas que ele não pediu para serem feitas. São todas reclamações das quais eu discordo.

Me lembro que eu era muito bom em matemática no colégio e minha professora ocasionalmente lançava desafios valendo nota, os quais eram resolvidos em grupo. Dentro desse grupo eu fazia a lógica, resolvia o problema e sem que ninguém dissesse quem resolveu, a professora olhava e dizia "Esse raciocínio é do Monteiro". Eram apenas números, mas ainda assim era possível notar que eu que os tinha pensado, havia um traço involuntário que me identificava fora do meu controle.

A linguística forense flertou com o conceito de uma impressão digital linguística, a hipótese de que cada pessoa usa a linguagem de uma forma tão diferente que seria o suficiente para ser identificável, uma ciência que ainda engatinha. O FBI já foi mais longe e chegou ao termo "assinatura" para definir modus operandis característicos de serial killers de forma que é possível identificar um assassino apenas pelo seu jeito de realizar um crime.

É tão difícil assim imaginar que exista algo semelhante no mundo dos jogos? Uma assinatura que vem de dentro e nos denuncia? Vídeos como "Aonuma Style" captam perfeitamente a essência do que significa um Zelda de Aonuma. Esses elementos de Aonuma são facilmente identificáveis como sua assinatura. Então vem a questão: por que eles não estão em Breath of the Wild?


Por muito tempo ajudei pessoas com criação de jogos e com o passar dos anos via certos arquétipos se repetindo. Há pessoas que se focam na parte técnica, pessoas que só tem várias ideias uma seguida da outra sem nunca desenvolvê-las ao máximo, pessoas que nunca terminam projetos, pessoas que sempre fazem toda a programação da jogabilidade mas desistem na hora de fazer conteúdo, pessoas que sempre terminam projetos apesar de todas as dificuldades, entre outros. Era possível reconhecer cada um pelo estilo do projeto.

As questões mais recorrentes eram sobre ego, pessoas querendo muito passar algo que consideravam brilhante para serem idolatrados como os grandes gênios do videogame, os Miyamotos e Kojimas da nossa geração. Tinham histórias de dezenas de páginas e nenhuma descrição sobre como seria o jogo ou sua jogabilidade, afinal isso era apenas um empecilho, um detalhe, para sua obra-prima.

Quando vejo Aonuma, é uma dessas pessoas que eu vejo, alguém que quer muito passar algo que acha brilhante para o mundo, quer eles queiram ou não. Esse é o foco dele, ter certeza que sua história será contada corretamente, da maneira mais épica possível. Mas então quem faz o jogo, se não Aonuma? O resto da equipe.


Um produtor tem papel de supervisão e direcionamento, ele não fica em cima do jogo o tempo todo. Hideo Kojima pedia para seus desenvolvedores adicionarem coisas aos jogos e voltava uma a duas semanas depois para verificar como havia ficado. Mas não acreditem em mim, leiam de uma entrevista do próprio Aonuma como o desenvolvimento era livre:

"Nós temos essas metas durante o desenvolvimento. Eu jogo o jogo e faço comentários para a minha equipe, dou conselhos em que direção eles devem ir. Em uma das etapas, o jogo estava fantástico, havia tantos elementos ótimos. Mas na próxima etapa eles haviam sumido". 
"Eu fiz muitos comentários sobre o que eles precisavam adicionar, mas eu nunca falei para eles o que estava bom naquela etapa. Então eles adicionaram coisas que eu havia recomendado, mas eles também adicionaram outros elementos que eles acharam que funcionavam bem - e isso acabou quebrando todas as partes boas da etapa anterior. Eu aprendi que, quando está bom, eu tenho que dizer. Se eu administrasse isso bem, talvez o desenvolvimento não teria se estendido tanto."

Cada parte da equipe trabalhava em diferentes áreas do mapa e em diferentes sistemas, com metas a serem alcançadas. Muitas vezes uma parte nem sabia no que a outra estava trabalhando. Como Aonuma disse, várias coisas eram adicionadas e retiradas sem ordem direta dele, apenas porque a equipe achava que estava bom, pensava que estava ruim ou trocou por outra alternativa.


Ao mesmo tempo que não vemos Aonuma no jogo, é possível ver várias outras influências. Por exemplo, a do diretor Hidemaro Fujibayashi que disse que se inspirou em jogos como Minecraft e Terraria, coisas que podem ser vistas extensamente no sistema de crafting, cozinhar, desgaste das armas. Ele disse: "Eu pude aprender pelo gameplay e as possibilidades que eu encontrei. Eu pude aprender sobre o senso de aventura, exploração e como inspirava curiosidade". Isso é algo que podemos ver de fato no jogo.

Mas como alguém da equipe iria colocar algo sem autorização do produtor? Soa absurdo. No entanto é exatamente o que Aonuma faz, ele engana Shigeru Miyamoto com frequência e faz coisas pelas suas costas. The Legend of Zelda: Majora's Mask deveria ser um mero pacote de expansão para Ocarina of Time, mas Aonuma o transformou em um jogo próprio. The Legend of Zelda: A Link Between Worlds seria um remake de A Link to the Past, mas ele também transformou em um jogo novo. Sempre pelas costas de Miyamoto, sem sua autorização.

Em outras palavras, sempre que Miyamoto pede para Aonuma fazer algo, ele até diz que vai fazer... mas então faz algo diferente de acordo com seus próprios planos. Tudo dá certo pra ele, ele sempre sai do desenvolvimento com o que ele quer. Seria tão estranho assim que seu comportamento passasse adiante para seus empregados? Que eles também fizessem coisas pelas suas costas e ele acabasse deixando por não saber que foi feito ou mesmo aceitando porque o resultado final foi bom?

Uma das maiores reclamações é sobre a existência de um "agente infiltrado" que sugeri que poderia existir na equipe de Aonuma, alguém que realmente sabe sobre o que The Legend of Zelda deveria ser e carrega a série nessa direção quando possível. Isso é algo que muitos consideram ridículo, assim como a possibilidade de um estúdio mercenário ter ajudado o Sonic Team em Sonic Colors. Eu mencionei esse agente no artigo: "Qual o segredo de The Legend of Zelda: A Link Between Worlds?", no qual eu fiz uma crítica ao jeito de Aonuma de fazer Zeldas e como A Link Between Worlds apenas ficou bom porque ele estava ausente ou distraído, com essas citações:

"Quem vem estragando a franquia The Legend of Zelda ultimamente é o diretor Eiji Aonuma (...) e qual o principal problema de Aonuma? Ele caiu na armadilha de ego, é obcecado por controle, pela sua visão, e nós que reclamamos que os jogos estão ruins estamos atrapalhando sua genialidade"
"Se Eiji Aonuma tivesse participado ativamente da produção de A Link Between Worlds, seria possível prever que o jogo seria ruim, como de costume."
"(...) outra pessoa estava tocando o projeto de A Link Between Worlds. Essa pessoa, bem mais competente, é praticamente um herói e transformou o jogo no que ele virou hoje"
"The Legend of Zelda: A Link Between Worlds foi um acidente incrivelmente feliz nessa era de trevas sob o comando de Eiji Aonuma (...)"

Reclamaram que é absurdo imaginar que Aonuma não participou ativamente de The Legend of Zelda: A Link Between Worlds e que era mais absurdo ainda achar que tem alguém infiltrado lá que tem uma boa noção do que é Zelda. Então eu investiguei mais a fundo e descobri exatamente isso.

Em uma das entrevistas "Iwata Asks" do site da Nintendo, um dos desenvolvedores de The Legend of Zelda: A Link Between Worlds, o diretor Hiromasa Shikata, esclarece que após o término do desenvolvimento de The Legend of Zelda: Spirit Tracks, a vasta maioria da equipe foi deslocada para The Legend of Zelda: Skyward Sword.


Como podem se lembrar, The Legend of Zelda: Skyward Sword foi bem criticado aqui no blog e completamente reconhecido como um jogo de Aonuma. Então Aonuma definitivamente teve sua presença sentida em Skyward Sword. Enquanto isso quem estava fazendo A Link Between Worlds? Apenas três pessoas: Shiro Mouri, Hiromasa Shikata e... você adivinhou? Um desenvolvedor desconhecido.

Lembram-se dessa trupe? Talvez se lembre porque eu já os mencionei em outro artigo. Foram eles que criaram também o demo do The Legend of Zelda original com física que viria a se tornar a base para a criação de The Legend of Zelda: Breath of the Wild. Novamente identificados apenas como: Shiro Mouri, Hiromasa Shikata e um desenvolver desconhecido.

Por duas vezes esse grupo foi citado e esse desenvolvedor desconhecido teve sua identidade ocultada sem um motivo revelado. Na própria entrevista do Iwata Asks temos a presença de Shiro Mouri e Hiromasa Shikata porém essa terceira pessoa é mencionada apenas como "um outro programador". Por que ele não está na entrevista? Por que ele não é creditado como os outros dois? Eles não sabiam o nome dele? Porque em um grupo de três pessoas desenvolvendo um jogo não tem como a parte dele ter sido ignorável.

Vejam bem, Aonuma não gosta do The Legend of Zelda original, ele nunca o conseguiu jogar, é o grande motivo pelo qual ele sempre tentou transformar a franquia em outra coisa. Aonuma nunca faria uma demo que se baseasse no primeiro The Legend of Zelda. Eu não consigo acreditar que os dois melhores Zeldas dos últimos anos tenham tido sua origem em uma equipe de três pessoas das quais uma delas é um programador misterioso apenas por coincidência.

Miyamoto constantemente discute com Aonuma sobre o fato de que ele não entende o que significa o cerne da franquia Zelda. Miyamoto conseguiu convencê-lo recentemente, em março de 2017 após o lançamento de Breath o the Wild a chegar na seguinte definição: "A essência de The Legend of Zelda é um ambiente onde Link evolui e ganha poder, no qual o jogador diretamente irá senti-lo através das ações que ele pode realizar conforme a história progride". Quer dizer que Aonuma nem mesmo tinha essa noção enquanto estava fazendo Breath of the Wild.

Aonuma disse uma vez que Miyamoto costuma fazer uma analogia sobre o teatro japonês Kabuki com ele. "Um mestre Kabuki diria: "para quebrar o molde, você precisa conhecer o molde"", segundo ele. Constantemente quando Aonuma fala com Miyamoto sobre algo em The Legend of Zelda, o criador da série responde: "Você não entende o molde".

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Como a Microsoft destruiu Minecraft


Minecraft foi um dos maiores fenômenos no mundo dos jogos nos últimos anos, um joguinho independente que sozinho se tornou um dos mais vendidos de todos os tempos e moldou dezenas de outros ao seu redor. No entanto após seu criador, Markus "Notch" Persson ficar de saco cheio do jogo e vendê-lo para a Microsoft, a empresa conseguiu fazer o que sempre faz: destruir completamente algo bom.

Por mais que eu gostasse de colocar a culpa toda na Microsoft, isso não é possível. Inicialmente Minecraft havia sido feito por uma única pessoa, Notch, e eventualmente a equipe da sua empresa, Mojang, cresceu para um total de quatro integrantes. A morte de Minecraft começa antes da Microsoft comprá-lo, ainda quando ele era de propriedade da Mojang, no exato momento em que Notch parou de ligar para o jogo.

Após Notch criar um jogo tão livre e adaptável como plataforma, o público fez exatamente isso, começou a adaptar Minecraft para seus gostos, com mods, servidores, etc. Minha impressão é que Notch não parecia curtir que tantas pessoas jogassem Minecraft de uma maneira diferente da que ele concebeu. Elas se apropriaram do jogo e talvez seu criador tenha perdido a vontade de trabalhar em algo que não parecia mais seu.

Soon...

Nesse ponto entra o programador Jens "Jeb" Bergensten. Acredito que ele foi o primeiro contratado da Mojang, para ajudar Notch justamente com a parte chata de manter um jogo tão amplo, o código. Até hoje Minecraft não é muito otimizado, afinal foi criado por uma pessoa só e Notch nem parece gostar muito de programar. Jeb começou como uma espécie de ajuda, mas logo estava também adicionando seu próprio estilo e conteúdo ao jogo.

Aqui vemos a diferença de dois tipos de pessoa no mundo da criação de jogos: os que criam e os que adicionam à criação. Para os que criam pode ser difícil imaginar novas coisas para adicionar a um jogo sem necessariamente criar algo novo e para os que adicionam pode ser difícil criar algo novo, porém fácil de adicionar coisas relevantes a algo já existente.

Quando Notch queria algo novo em Minecraft, ganhávamos coisas como o Nether, o The End, O Ender Dragon, o Adventure Mode, o Super Plano. Quando Jeb queria algo novo em Minecraft, ganhávamos mais animais, mais biomas, mais inimigos, mais itens. Dá pra ver como ambos faziam o jogo crescer de maneiras diferentes e o tornavam mais interessante, no entanto um não funcionaria sem o outro.

Depois que Notch perdeu a vontade de trabalhar em Minecraft ficamos apenas com Jeb. Nada mais era criado, tudo era ampliado e melhorado, afinal esse era o estilo de Jeb, sua filosofia. Tornar Minecraft "maior e melhor" era muito distante do sentimento de simplicidade que levou Notch a criar Minecraft em primeiro lugar e isso começou a transformar o jogo.


Essa transformação ainda estava no início quando a Microsoft comprou Minecraft e então ela deu seguimento a essa filosofia como um rolo compressor. Minecraft como uma plataforma, não como um jogo, cada vez com mais coisas, cada vez mais complexo, cada vez menos próximo do que era sua visão inicial e cada vez menos relevante para os fãs que o tornaram um sucesso.

Até hoje o que vemos em Minecraft é a filosofia de Jeb: novo sistema de combate, adição de templos marinhos com um novo chefe, adição de mansões com habitantes assassinos com machados (isso não era um jogo para crianças?), cada vez mais biomas, cada vez mais itens, capas para voar e futuramente uma nova expansão aquática com golfinhos, tartarugas, tridentes, navios afundados e mais.

A Microsoft além de incentivar esse estilo de conteúdo também por sua vez deve ter suas próprias ideias baseadas no que está na moda no mundo dos jogos. Os minigames para jogar multiplayer, loja de conteúdo a venda, criação de conteúdo por usuários, muitas coisas que os jogadores que curtiam a base de Minecraft vão odiar, enquanto crianças podem achar o máximo... por um tempo.

Cada vez Minecraft tem mais coisas, porém ele não parece mais divertido, apenas mais inflado. Coisas pararam de ser criadas nele e agora são apenas adicionadas. Toda a mensagem inicial de Minecraft com simplicidade, coleta de recursos e sobrevivência parece ter se perdido devido a esses novos conteúdos terem vazado para a fórmula original e acabado por estragá-la.


Minecraft era um jogo sobre sobrevivência e aventura, com dias tranquilos e noites perigosas, no qual um jogador se sentia acuado pelo mundo, até começar a conquistá-lo e se sentir poderoso (até ser explodido por um Creeper e começar de novo). O jogador construía itens como ferramentas e armaduras para minerar e obter melhores materiais para se tornar mais poderoso.

Hoje há quase tantos montros de dia quanto há de noite graças a todas as adições que vêm mexendo na estrutura do jogo esse tempo todo. Zumbis e Esqueletos agora são capazes de se esconder em sombras e na água para não serem queimados pelo sol e eu só fico pensando "Me respeita que eu sou da época que zumbi de Minecraft só andava pra frente". Há Bruxas e Slimes em biomas de pântano e zumbis de pele seca em biomas quentes que também não são queimados pelo sol. Antigamente apenas Creepers restavam de dia, o que levou a tantos memes de "O Crepeer explodiu minha casa".

Com tantos monstros durante o dia o jogo perdeu um elemento importantíssimo de seu equilíbrio, o contraste. Antes apenas as noites eram terrivelmente perigosas, mas agora tanto noite quanto dia são problemáticos, então você não tem como ser surpreendido, está sempre preparado. Isso significa que não há uma montanha russa de emoções, a tensão desaparece após você se acostumar com esse mundo, que apesar de mais hostil, se torna inofensivo porque não oferece tranquilidade.

Essa filosofia se reflete também nos itens do jogo. Antigamente você poderia ir com um machado em uma árvore e uma picareta em uma montanha, retirar madeira e pedras para fazer ferramentas. Hoje você receberá frutas da árvore e encontrará pelo menos quatro tipos de pedra diferentes nas montanhas, isso de acordo com o bioma em que está.


Flores que eram apenas um detalhe no cenário hoje produzem corantes para tingir lã, tapetes, camas, criar fogos de artifício e... nada disso realmente adiciona à aventura, só sobrecarrega seu inventário com vários tipos de itens diferentes. Por que até hoje não adicionaram algo tão simples quanto poder criar uma mochila no jogo pra carregar mais itens? Quando Notch determinou aquele espaço de inventário acredito que havia no máximo uns 64 itens diferentes em todo o jogo.

Atualmente há uma quantidade tão grande de itens para ser criada, alguns tão irrelevantes e tão pouco intuitivos de se obter que um jogador novato, e até mesmo um veterano como eu, teriam dificuldade de entender tudo que poderiam criar e todas as possibilidades que o jogo espera que você explore para sobreviver como feitiços e poções.

Vivemos em uma época em que jogos evoluem o tempo todo e na verdade nem sempre isso é bom pois podem mudar coisas que simplesmente estavam boas do jeito que eram. Se Goombas e Tartarugas ficassem mais inteligentes, isso tornaria Super Mario Bros. melhor? Talvez alterasse exatamente o perfeito equilíbrio que torna o jogo tão prazeroso.

Recentemente a Microsoft lançou uma nova versão de Minecraft unificada para todas as plataformas com multiplayer integrado entre PC, Xbox e até Nintendo Switch. Porém, ela tem como base a Windows 10 Edition, o que foi um péssimo negócio para quem tinha a versão feita especificamente para consoles. Por sorte as versões do PlayStation ficaram de fora dessa por picuinha da Sony, senão eu nem estaria jogando agora.


O futuro de Minecraft agora é mais incerto do que nunca. Pode se tornar mais uma das franquias inutilizadas da Microsoft, como as da Rare, que ela mesma estraga mas pensa que apenas se desgastaram naturalmente com o tempo. Um Minecraft 2 teria mais a ver com Sea of Thieves e Fable do que com o jogo original.