sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Red Dead 2, Westworld e o futuro dos NPCs



Red Dead Redemption 2 é a mais nova demonstração técnica de mundo realista da Rockstar, desenvolvedora conhecida pelo seu incrível trabalho na série GTA, e como de costume vem mostrando promessas extremamente ambiciosas sobre o jogo. A principal delas é a respeito de seus NPCs, os quais aparentemente são mais realistas e possuem um básico de inteligência artificial mais profundo do que estamos acostumados. Isso me lembrou de uma série muito boa da HBO chamada Westworld e como o futuro dos jogos sandbox pode estar em seus NPCs.

Uma das grandes promessas de Red Dead Redemption 2 é que agora você pode conversar com os NPCs, mas não aquelas famosas árvores de diálogo que ramificam em várias opções, uma conversa mais casual. Eles inicialmente realizam um julgamento sobre o seu personagem, se ele está bem ou mal vestido, se está sujo, com a barba por fazer, se há manchas de sangue e reagem de acordo com essa impressão inicial.

O jogador tem basicamente opções de escalada para os diálogos, os quais podem levar uma situação um nível acima ou desarmá-la. Uma vez tendo assustado alguém com sua aparência ou ações você pode aumentar esse medo ameaçando a pessoa ou acalmá-la dizendo que está tudo bem. Dependendo do seu sucesso essa pessoa pode ou não correr, pode ou não denunciá-lo para a polícia e talvez o mais interessante, ser legal não vai necessariamente te dar o melhor resultado, o que gera dilemas morais.

Obviamente isso são promessas e promessas são coisas frágeis como já vimos com Peter Molyneux e seus devaneios em Fable que nunca se concretizaram, mas o importante aqui é o conceito. Não estamos assim tão distantes de NPCs com inteligência artificial convincente, que deem um salto em relação ao que conhecemos atualmente. Em GTA por exemplo, você atira, as pessoas correm por um tempo, depois param e pronto, seguem rumando para lugar nenhum, sem casa, sem história.


Em simuladores de cidades como Cities Skylines (e acho que em SimCity também, mas não posso confirmar), cada pessoinha tem sua própria rotina, com sua própria casa, seu emprego e seu método de transporte para chegar até ele. Quando nos aproximamos da vida de cada um deles, como quais seus sonhos e aspirações, como Will Wright tentou, basicamente temos The Sims, criaturas com barras de necessidades e personalidade.

Não é algo tão complexo gerenciar todas essas vidas pois para um computador elas são apenas variáveis, ter ou não um trabalho é apenas 0 e 1, um local de trabalho é apenas um número com coordenadas predeterminadas de uma lista. Eles não estão de fato pensando, estão apenas nos dando a ilusão de pensamento, por isso o processamento não é algo de outro mundo ou inviável, como seria se cada NPC tivesse uma inteligência artificial real (aí sim cada um deles exigiria a potência de um videogame inteiro).

Então temos a série Westworld, a qual eu realmente recomendo que qualquer um aqui veja a primeira temporada. Trata-se de um futuro distópico no qual a humanidade visita parques de diversão com robôs extremamente realistas e com inteligência artificial limitada mas convincente. Westworld é o nome de um parque de diversões que leva os visitantes em uma aventura no velho-oeste.

Apesar de ser um parque de diversões, qualquer um que jogue videogame irá sentir algo familiar. Há NPCs, quests e outros jogadores como em um videogame qualquer. A diferença é que as missões não são dadas por uma pessoa com uma grande exclamação na cabeça. Uma dama deixa cair uma lata de leite, você a pega por gentileza, uma gentileza proveniente da sua persona no mundo real, e então você se envolve na quest dela, se quiser pode se envolver mais ainda na história e ela terá uma vida, uma família, sonhos, pelos quais você pode ou não se interessar. Tudo parece espontâneo e real, até que em uma segunda visita você a vê derrubar a lata de leite para outra pessoa e a magia se quebra.


Normalmente em um videogame não paramos para ajudar um NPC aleatório. Por que pararíamos? Ele não parece real. Em Westworld os NPCs parecem humanos e isso invoca certa empatia. Segundo a Rockstar, algumas missões de Red Dead Redemption 2 serão assim, não dadas por NPCs com exclamações na cabeça, mas comentadas por alto em conversas casuais até que o jogador decida investigá-las por conta própria.

Em jogos há dois tipos de história, a que é criada pelos desenvolvedores e a que é criada pelo jogador, a segunda muito mais potente que a primeira. Minecraft, por exemplo, praticamente não tem história criada por seu desenvolvedor, com exceção da caça ao Ender Dragon. A maior parte de sua história é gerada pelo próprio jogador e por sistemas ao seu redor que interagem e podem ser interagidos das mais diversas maneiras.

A forma roteirizada de contar história, na qual você tira o controle do jogador e o força em uma missão na qual os desenvolvedores esculpiram cada detalhe que será visto e interagido, exige muito dinheiro para ser produzida. Se Minecraft fosse um jogo sobre entrar em cinco templos, resolver armadilhas, pegar a espada mágica e matar o dragão, as pessoas já teriam largado dele há muito tempo. Ele se mantinha relevante porque a aventura nunca acabava, pois era uma aventura gerada pelo próprio jogador.

Atualmente jogos de mundo aberto não tem dinheiro pra preencher todos os seus cantos com história roteirizada e não têm designs interessantes o suficiente como Minecraft para preenchê-los com história para o jogador. Até mesmo o mais recente jogo do Homem-Aranha sofre disso. Desenvolver um sandbox divertido é difícil de um ponto de vista de design e por isso muitas empresas sequer tentam, fazem alguns sistemas básicos como árvores de habilidades, gangues, crimes aleatórios e pronto.


No entanto, ao termos NPCs mais realistas, eles poderiam reagir a vários detalhes do mundo, assim como reagiriam a uma camisa ensanguentada em Red Dead Redemption 2. Normalmente em um jogo de super-herói, o crime ocorre porque você está andando pela cidade de bobeira e o jogo cria um crime. Em outras palavras, ele cria um ladrão e cria uma vítima, NPCs que não existem de verdade fora dessa situação. Essa vítima não tem casa, ambições, necessidades, nem esse ladrão. São roteirizadas.

Ao criar sistemas ao invés de roteiros, você perde o controle de quando algo acontece, e perder o controle é uma coisa boa, as coisas começam a acontecer sozinhas. Um ladrão e uma vítima saem de casa no início do dia e em algum ponto ele vê a oportunidade de roubá-la, esteja você observando ou não. Você pode se perguntar: "De que adianta os NPCs fazerem algo quando eu não estou olhando?", e essa é a grande questão, trabalhar no espaço negativo.

Se todas as vezes que você estiver andando pela rua de bobeira em Spider-Man um crime é gerado para te entreter, todos jogadores verão esse crime, todos terão a mesma experiência e ao final do jogo estarão de saco cheio dele. Assim como no Level Design criamos caminhos que muitas pessoas não irão usar, é preciso existir a opção para que aqueles que a usem sintam que sua liberdade foi respeitada e que esse jogo lhes dá capacidade de expressão. Assim como uma fase na qual só andamos para frente é monótona, NPCs que sempre reagem da mesma maneira são monótonos.

Em Westworld os robôs, chamados de Anfitriões (Hosts), têm valores em sua programação que alteram a forma como se comportam de uma maneira bastante semelhante a The Sims. Os técnicos da série podem alterar os níveis dos anfitriões em carisma, agressividade, inteligência apenas deslizando uma barra, gerando experiências e reações diferentes dentro de uma mesma narrativa. Em um mesmo crime você poderia ter várias ramificações de acordo com quem é seu ladrão, vítima ou uma inesperada combinação incomum de ambos.


No início da série Westworld vemos que as pessoas começam seguindo as quests dadas pelos NPCs mais óbvios, mas logo estão seguindo suas próprias jornadas, encontrando sua própria diversão em um mundo interativo. Em Westworld se o jogador quiser salvar alguém de uma ameaça, ele não precisa entrar em uma missão, pois o mundo em si já é perigoso, pessoas inocentes morrem diariamente sem ninguém intervir e isso significa que em uma dessas ocasiões o visitante pode chegar no exato momento e salvar essa pessoa, tendo uma experiência única.

Isso não é tão diferente em conceito das vilas de Minecraft, as quais são completamente desprotegidas contra monstros. Se uma horda de zumbis for em direção a uma vila, você poderia impedi-los. Os habitantes no entanto não ficarão gratos, eles não são programados para isso. Você pode ficar o dia inteiro ajudando a vila, plantando, construindo, protegendo-a e eles não reagirão de forma alguma.

Se ao invés disso os NPCs tivessem variáveis, hoje haveria comunidades inteiras dedicadas a construir vilas em Minecraft nas quais os jogadores poderiam ser vistos como reis. Ao invés disso se você tiver habitantes demais em um mesmo local, todos tentam entrar na mesma casa até se sufocarem por falta de espaço (sim, é sério).

É possível que eventualmente cada jogador tenha seu próprio mundo para moldar da forma que quiser graças a sistemas que nos permitirão interagir com os NPCs a ponto de torná-los parte desse mundo, validadores de que este mundo existe fora da sua observação. Não que esteja defendendo hiper realismo no qual você comete um crime em GTA e uma AI detetive te investiga em uma delegacia (apesar de que isso poderia ser um novo gênero de jogo).

O futuro do sandbox pode ter mais a ver com gerar sensações do que acompanhar histórias, ou seja, mais perto de um parque de diversões que de um filme.

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