sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Quem é e para onde vai a Retro Studios


Na Nintendo havia uma ideia, reunir um grupo de indivíduos talentosos, para ver se eles poderiam se tornar algo mais, para que quando precisássemos eles pudessem desenvolver os jogos... que ela nunca pode. Foi assim que nasceu a Retro Studios como uma second party, uma empresa da própria Nintendo focada em criar jogos que não faziam o estilo da Nintendo.

Nunca foi uma novidade para a Nintendo que ela tinha dificuldade em fazer certos jogos, como FPS e games mais adultos, e ao reconhecer essa falha ela decidiu adquirir outros estúdios que pudessem fazê-los por ela, como a Silicon Knights, produtora de Eternal Darkness e a Retro, que foi meio que uma aposta no escuro. Vamos ver melhor quem é a Retro Studios e por que ela pode acabar.

Tudo começa com o antigo fundador da Iguana Entertainment, Jeff Spangenberg, um cara meio excêntrico mas que havia ajudado a empresa a atingir um bom patamar, com alguns sucessos como Aero the Acrobat, ports de NBA Jam, o port de Side Pocket para Super Nintendo, entre outros. Em geral a Iguana pegava projetos pequenos mas fazia um trabalho razoável e Aero era sua única franquia original de peso.


No meio da jornada do estúdio surgiu a oportunidade de ser comprada pela Acclaim Entertainment e a Iguana topou em 1995 por uns US$ 5 milhões. Eventualmente a empresa emplacou também Turok: Dinosaur Hunter no Nintendo 64 e a Nintendo até promoveu a série já que era um jogo de tiro adulto em seu console, um gênero que ela não cobria bem.

Durante seus anos finais a Acclaim começou a tomar muitas decisões erradas e era um grande caos administrativo lá dentro. Jeff Spangenberg foi demitido e processou a empresa por quebra de contrato, provavelmente porque seu contrato não permitia que fosse demitido da própria empresa que criou, mas a Acclaim já não devia estar muito preocupada com isso já que iria falir em pouco tempo.

Provavelmente a ponte criada entre a Iguana/Jeff e a Nintendo durante o Nintendo 64 acabou se pagando já que a Nintendo resolveu entrar numa nova empreitada com Jeff para criar a Retro Studios em 1998, uma equipe focada no desenvolvimento de jogos para um público mais velho que a Nintendo não tinha interesse em atender por conta própria. Aqui as coisas começaram a dar bem errado pra Jeff.


Empolgado com sua empreitada, ele começou a recrutar todos os talentos que podia, alguns dos melhores da indústria e principalmente gente com experiência que ele conhecia da própria Iguana Entertainment. Jeff parecia ficar especialmente feliz de tirar gente das mãos da Acclaim, provavelmente ainda por rancor de ter sido demitido.

A questão aqui é que ele se empolgou demais e começou a contratar muita gente antes mesmo de ter projetos para tal. É um dos grandes erros cometidos por desenvolvedores como Cliff Bleszinski, David Jaffe e Keiji Inafune, sair de um grande estúdio e levar a mesma filosofia de desenvolvimento para um pequeno estúdio, sem perceber que ela não se encaixa. Principalmente no âmbito financeiro.

Logo de cara a Retro, um estúdio recém-criado, começou a trabalhar em vários projetos ao mesmo tempo, como um RPG chamado Raven Blade, um jogo de combate entre carros, jogos de esporte, entre outros. A empresa estava bem sem direção e basicamente muitos artistas e programadores estavam à toa ou voando solo, sem tarefas específicas. Na época também era comum que os estúdios precisassem fazer suas próprias engines para cada console, não havia ainda a Unreal Engine.

Por um tempo o estúdio ficou uma bagunça e tudo que exibia era claramente muito sem planejamento, muito inicial, extremamente distante de virar um produto final. Depois de algum tempo nessa bagunça e queimando um bocado de dinheiro de sua parceira, a Nintendo decidiu intervir e mandou seu maior especialista em jogos: Shigeru Miyamoto.


Os desenvolvedores da Retro sentiram a pressão e quando Miyamoto falava eles só concordavam. Eles mostraram o jogo de combate entre carros, Miyamoto disse: "Por que os carros precisam de armas? Eles não podem só bater uns nos outros?" e os desenvolvedores responderam: "Tem razão. Não sabemos por que estamos desenvolvendo esse jogo". Vale lembrar que franquias como Twisted Metal e Vigilante 8 tinha tido sucesso na época e não seria mal o GameCube ter seu próprio jogo do gênero.

Miyamoto basicamente cancelou todos os projetos da Retro de tão iniciais e sem direção que estavam. Porém ele gostou da engine gráfica que eles haviam feito para o jogo de RPG e assim encaminhou a mão de obra da empresa para um projeto próprio dele, sem dúvida a aposta mais arriscada da Nintendo naquela geração: Metroid Prime para o GameCube.

A ideia de reimaginar a série Metroid como um FPS era extremamente ousada, com uma chance enorme de dar errado. Miyamoto viu o potencial daquele grupo de desenvolvedores perdidos de fazer o que eles faziam de melhor na Iguana, jogos em primeira pessoa. Mesmo que em todas as outras etapas de planejamento eles não fossem muito bons, ele poderia liderá-los e suprir essa demanda.


O resto é história. Metroid Prime foi um sucesso muito maior do que qualquer um poderia imaginar. Nem tanto de vendas pois enquanto vendeu muito bem para um Metroid, não vendeu tanto quando comparado a outros FPS da época. No entanto sua qualidade era inquestionável. Por um tempo a Retro fez as sequências de Metroid Prime, até que partiu para seu próximo projeto.

Donkey Kong Country Returns do Nintendo Wii é outro jogo que teve uma grande aclamação do público. A série Country estava sumida e apesar de Jungle Beat ser um jogo bem legal, não era um bom Donkey Kong pois não era o que o público queria. A ideia de dar a franquia para a Retro, conhecida pela qualidade de Metroid Prime, era garantia de hype entre os fãs e os comparativos com a Rare, que criou a série Country original, se fortaleceram.

Apesar de inicialmente DKC Returns ter um bom impacto, ao jogar um pouco mais ele revela alguns problemas que incomodam, como ser scriptado demais, e o tornam bem menos genial que Metroid Prime, o qual também é um patamar alto para se alcançar. Isso levanta uma questão. Quanto custa a produção de um jogo de alta qualidade?


Empresas como a Rockstar, por exemplo, se arriscaram por muito tempo com estratégias de tudo ou nada. Ela investia tudo no desenvolvimento de seu próximo jogo com alta qualidade. Investia milhões e então recebia milhões de volta em lucro. Quando um jogo falhava no entanto, o prejuízo era imenso e arriscava falir a empresa (Você sabia que uma vez a Nintendo quase faliu a Rockstar? Mas isso é história pra outro dia).

Já empresas como a Nintendo não, elas se arriscam muito menos. Ela gasta uma quantidade razoável no desenvolvimento e extrai muito de lucro de vendas graças a uma série de fatores, seja o carisma de suas franquias de incrível sucesso ou seu público extremamente fiel. Um Mario é garantia de milhões de vendas, independente de quanto é gasto em sua produção.

Esta é a filosofia da Nintendo para desenvolvimento: investe-se pouco, colhe-se muito. Extrai-se o muito do pouco. Cria-se uma bola rosa e vende-se os jogos dela aos milhões. Não esperamos que a Nintendo faça jogos com custo exorbitante e nível de detalhamento exagerado como GTA 5 ou Red Dead Redemption 2, pois não é assim que ela pensa. (Não citem Super Smash Bros. como exceção porque quem manda nesse é o Sakurai. Se ele diz que quer uma orquestra, a Nintendo contrata uma orquestra ou ele ameaçar tirar dinheiro do próprio bolso pra contratar).

Quando a Nintendo investiu em empresas como a Rare ou a Retro não é apenas porque viu profissionais incríveis, mas porque viu profissionais incríveis e lucrativos, que extraíam muito do pouco. Quando você já tem muito desde o início, ou seja, você contrata os melhores profissionais, dá a eles bastante tempo e gasta muito dinheiro com esse processo, você já espera que o produto final seja de alta qualidade. Porém nesse caso o lucro pode ser menor porque o dinheiro investido é muito e um jogo de alta qualidade não garante um retorno proporcional em vendas.


A Rare era extremamente útil como um estúdio pequeno, como quando trabalhava para a LJN fazendo jogos licenciados. Ela pegava pouco e extraía muito, o que deve ter chamado a atenção da Nintendo. Anos mais tarde a empresa estava produzindo GoldenEye 007 para o Nintendo 64. Porém já no desenvolvimento desse jogo a Nintendo estava tendo dificuldades de controlar a Rare e tinha que lidar com os seus atrasos e custos.

Os projetos da Rare ficavam cada vez mais longos e mais caros, sem retorno garantido. Conker's Bad Fur Day era um jogo infantil que demorou tanto em seu desenvolvimento que virou um game de paródia. Perfect Dark também teve um desenvolvimento longo, Dinosaur Planet nem ficou pronto a tempo de sair no Nintendo 64 e assim por diante. Essa era a mesma empresa que pouco tempo atrás fazia jogos simples como Blast Corps. A cada novo jogo eles ficavam mais ambiciosos.

Quando a Nintendo viu que não era mais lucrativo manter a Rare, ela vendeu o estúdio e se livrou desse abacaxi. Esse pode muito bem se tornar o destino da Retro Studios se cada vez eles tiverem projetos maiores, com maiores custos e sem retorno garantido. Na mesma época do Nintendo 64 a Iguana lançou Turok e criou uma franquia de tamanho razoável onde antes não havia praticamente nada. Esse tipo de talento é interessante para uma empresa grande.


Uma empresa com o tamanho e o custo da Retro botando um jogo no mercado a cada 2 a 3 anos com vendas que variam bastante simplesmente não se alinha com a filosofia da Nintendo. Um dos grandes problemas de estúdios como a Rare e a Retro é que eles parecem ignorar o peso financeiro nas decisões da Nintendo. Se fosse a Rockstar, seria esperado que os estúdios investissem em projetos cada vez maiores, mas a Nintendo se interessa mais em eficiência.

A Retro Studios praticamente não aparece mais nas conversas da Nintendo, estava desenvolvendo seu próximo projeto há bastante tempo em segredo e só agora voltou a ser mencionada. Metroid Prime 4, que inicialmente não seria desenvolvido pela Retro e sim por um estúdio interno da Nintendo, teve seu desenvolvimento rebootado e agora contará com presença da Retro.

Segundo a Nintendo, o resultado não estava atendendo a qualidade esperada da série, mas faz você se perguntar, por que a Retro não estava envolvida desde o início. É possível que a Nintendo queira se livrar da empresa mas percebeu que ainda não consegue fazer um FPS por conta própria sem rodinhas na sua bicicleta.


Também pode significar novamente a sombra da perda de Iwata já que quem provavelmente tomou a decisão de levar o desenvolvimento de Prime 4 para um estúdio interno deve ter sido Kimishima. Porém o que acontece com o projeto que a Retro estava desenvolvendo até agora? Será cancelado? A Nintendo já fez isso antes com a empresa. Serão contratadas mais pessoas para trabalhar na empresa, aumentando assim seus custos?

É bastante possível que a Nintendo já esteja considerando fechar ou vender a Retro Studios, seguindo o mesmo caminho da Rare.