segunda-feira, 2 de março de 2020

Precificação: Onde Nintendo e Sony estão errando


Um dia desse estava vendo uma discussão sobre jogos da família PlayStation vs jogos da Nintendo e sobre como os preços caem rapidamente no PlayStation mas não na Nintendo, logo isso deveria ser um sinal de valor e qualidade. Um detalhe que não estava na conversa mas incluo também aqui é a questão do Steam e suas promoções com descontos vertiginosos. Uma coisa curiosa é que ambos naquela conversa estavam errados, mas por motivos diferentes.

A questão aqui começa sobre duas coisas: Valor e Preço. Parecem a mesma coisa mas são diferentes. Valor é uma mistura entre o que o seu produto oferece de concreto, e a percepção abstrata que o público tem de quanto ele vale. Já preço é o valor monetário, ou seja, puramente concreto, que você está pedindo pelo seu produto. Se o valor supera o preço, é um bom negócio, se o preço supera o valor, achamos que algo está caro e não vale a pena gastar aquele dinheiro.

Preços na Sony

A Sony, Microsoft e a maioria das Third Parties utiliza um sistema de preço chamado Price Skimming, o qual é basicamente um sistema de camadas de cebola. Inicialmente um jogo é lançado por US$ 60 que é aproximadamente o máximo que o público está disposto a pagar em um lançamento, e desde o seu lançamento seu preço vai baixando, seja natural ou artificialmente, com o intuito de pegar novos consumidores que não pagariam os US$ 60 iniciais, tanto por não verem qualidade quanto por limitações financeiras.

De cara não é difícil perceber o quanto Price Skimming é anti-ético. Se cobra mais de quem dá mais valor ao produto, seus fãs mais fiéis. Os consumidores que veem mais valor no seu jogo são punidos com preços mais altos, enquanto os que acham que seu jogo não vale tudo isso recebem descontos posteriormente. Não é um modelo justo e nem desejável porque nesse molde seus fãs são explorados e muitas vezes se sentem enganados quando veem o quanto o produto caiu de preço depois.


O processo de queda de preço como um todo afeta a percepção de valor do jogo. Se já é esperado que o preço caia logo em seguida nos próximos meses, cada vez mais pessoas esperam para comprá-lo com o desconto. O próprio presidente da Nintendo, Satoru Iwata, falou sobre isso uma vez ao discutir precificação do Wii e DS, sobre a qual falaremos depois.

Mesmo quando é um bom jogo, mas o preço cai, diminui-se a percepção de valor dele e presume-se que ele não é tão bom quanto um jogo cujo preço não caiu. Até mesmo vemos casos em que isso é completamente verdadeiro como no caso de bombas como Anthem e Jump Force. Como não estavam vendendo bem, rapidamente seu preço caiu para tentar não encalhar o estoque. Normalmente quanto mais próximo do lançamento vem o corte de preço, pior é o jogo.

Preços na Nintendo

Então, Price Skimming é ruim porque o preço cai e os consumidores se sentem enganados, certo? Aí temos a Nintendo com jogos que lançam a US$ 60 e... ficam nesse preço quase que permanentemente... e também está errado. Até o GameCube a Nintendo fazia Price Skimming também. Praticamente bastava um jogo vender mais de 1 milhão para ela lançar uma versão de baixo custo em sua linha "Player's Choice" que custava apenas US$ 20. Era muito mais fácil comprar jogos da Nintendo naquela época e o GameCube era uma boa opção como segundo console.

Então veio o Nintendo Wii e o Nintendo DS liderados por Satoru Iwata e "A Estratégia do Oceano Azul", sobre a qual já falamos extensivamente aqui no blog em diversas ocasiões. Existem alguns pontos simples nessa estratégia que falam sobre "Valor excepcional", encontrar algo que gere uma percepção de valor incrivelmente alta, e não abaixar seus preços nunca pois queda de preço equivale a perda de valor.

Preço de banana, sacou?

Os jogos do Nintendo Wii e Nintendo DS não caíam de preço, eles ficavam no mesmo preço durante praticamente toda a sua vida. Havia uma percepção de valor alta sobre eles, então as pessoas não se incomodavam tanto de pagar muito. Este modelo é desejável e rentável, porém apenas se você estiver seguindo à risca "A Estratégia do Oceano Azul", algo que a Nintendo parou de seguir um pouco depois da metade da vida do Wii.

Por exemplo, como em um produto de "Valor Excepcional" a relação entre valor e preço pende mais pelo abstrato e o preço não será reduzido após o lançamento, você precisa pensar melhor no preço de lançamento. Um jogo como Arms que não tem o mesmo nível de produção de um The Legend of Zelda não deveria ser vendido pelos mesmos US$ 60.

Na época do Wii e DS a Nintendo entendia isso, mesmo que aplicasse pouco. Alguns jogos saíam mais baratos como Endless Ocean e Brain Age, mas a maioria ainda mantinha o preço de lançamento. Vale lembrar que na época esse preço de lançamento no Wii ainda era US$ 50 enquanto todas as outras empresas já haviam subido seu preço para US$ 60.

Este modelo de preços que não caem é muito lucrativo para a empresa, porém ele exige necessariamente que você meça os seus preços de lançamento ou então começará a rumar para um caminho elitista onde as pessoas se esforçam para pagar em troca da suposta alta qualidade, pela marca atrelada ao produto, não tão diferente da Apple.


Dá pra ver exatamente quando a Nintendo abandonou a Estratégia do Oceano Azul no Wii pois foi quando eles lançaram a linha "Nintendo Selects", jogos de Wii mais baratos. Porém não foi uma boa ideia manter a política de não baixar preços em produtos de oceano vermelho como o Wii U, 3DS e Switch, pois isso está deixando os jogos da Nintendo muito caros. Muitos fãs da Nintendo atualmente reproduzem o mesmo discurso que fãs da Apple e têm uma lealdade quase elitista à marca.

Preços na Microsoft e Game Pass

Assim como a Sony, a Microsoft e as Third Parties no seu console praticam Price Skimming e já falei tudo sobre isso acima. No entanto, há um outro modelo de preços no Xbox em alta e que precisamos muito falar sobre, o Xbox Game Pass. Por uma assinatura mensal jogadores podem jogar mais de 200 jogos em uma espécie de Netflix de games.

A assinatura custa US$ 9,99, por mais de 200 jogos que nas lojas são vendidos por US$ 60 quando são lançamentos e US$ 30 e US$ 20 quando são remakes ou jogos independentes. Essa conta simplesmente não fecha. Não se sabe exatamente quanto a Microsoft está pagando aos desenvolvedores, está tudo bem escondido.

Alguns desenvolvedores já comentaram que é feito um pagamento adiantado baseado no que a Microsoft acha que o jogo vale, semelhante aos acordos de exclusividade da Epic Games Store. Não sabemos se é de fato o caso, mas parece ser o mais provável. A questão é, como a Microsoft está fazendo dinheiro vendendo uma coleção que valeria mais de US$ 200 a US$ 2 mil a US$ 10 por mês? A resposta é que talvez não esteja.


Como sabemos, a Microsoft tem dinheiro para queimar e o Xbox One foi um grande fracasso pra ela. Faria sentido antes de lançar uma próxima geração de produtos tentar limpar sua barra com um serviço excepcional, algo que pode não continuar na próxima geração. A Sony fez o mesmo com a PlayStation Plus que quando foi lançada no final da vida do PlayStation 3 só trazia jogos bons e depois passou a trazer jogos fracos no PlayStation 4.

Para desenvolvedores isso pode parecer bom, afinal eles têm mais estabilidade e não recrimino quem nunca fechou uma parceria de grande porte ficar satisfeito com milhares de dólares. Porém o Game Pass rouba os indies de seu momento "sink or swim", quando lançam seu jogo e descobrem se ele vai sobreviver ou afundar.

A longo prazo o Game Pass também significa curadoria, o que por um lado é bom pois o usuário leigo pode experimentar mais e ter algo mais voltado para seu gosto, porém por outro lado temos grandes companhias ditando o que está na moda, o que você vai ver com mais frequência, quais jogos têm mais chance de se tornarem seus jogos favoritos.

Preços no Steam

O Steam foi a loja que começou com promoções de descontos vertiginosos e isso agradou muito aos usuários do PC. Criou-se hype nas Steam Sales e desde esse princípio eu já vi um risco muito grande de desvalorização dos jogos. O que de fato aconteceu, já que hoje Flash Sales e descontos enormes são comuns também entre a Sony, Microsoft e Third Parties.


No entanto, muito se pode perdoar do Steam já que o mercado de PC era um faroeste antes dele. Se a opção for entre vender jogos muito barato e pirateá-los, ainda é mais vantajoso para a produtora que o jogador pague um pouco. Pirataria não existe atualmente nos consoles, no entanto, então emular essas super promoções prejudicou mais ainda a noção de valor em troca de mais compras compulsivas, pessoas que compram jogos porque estão baratos e muitas vezes nem mesmo os jogam.

Hoje o Steam sofre um problema de "discoverability", a capacidade de descobrir novos jogos em meio ao seu mar de novos softwares. Um bom jogo pode ser lançado no Steam e as pessoas simplesmente não saberem sobre ele porque está enterrado no meio de vários outros de baixa qualidade, não jogos subjetivamente ruins, mas jogos ruins de verdade, feitos sem qualquer esforço, que tentam enganar usuários a comprá-los.

O que isso tem a ver com preços? Para serem sequer vistos, muitos jogos se lançam em promoções sem precisarem realmente baixar o seu preço. E então tem jogos ruins que baixam seu preço para aparecerem nas mesmas promoções. É um jogo de gato e rato.

Preços nas Third Parties

Uma das formas que as Thirds Parties, empresas terceirizadas que publicam em várias plataformas, como Elecronic Arts, Activision, Bethesda, Ubisoft e etc, têm tentado se manter lucrando infinitamente é através de novos modelos de monetização. Tudo começou com a venda de DLCs e quando não reclamamos o suficiente disso, o buraco só começou a ficar mais fundo.


Talvez muitos não lembrem dos "Online Pass", um passe normalmente de US$ 10 que permitia jogar um certo game de uma empresa online. Eles vinham com os jogos novos, mas se você os comprasse usados era preciso comprar o Online Pass separadamente. Na época o medo das empresas eram jogos usados, mas logo elas viram que havia formas melhores e mais indiretas.

Ao invés de vender passes para jogar online, passaram a vender passes de conteúdo, os "Season Pass", além de DLCs separados. Hoje ao comprarmos um jogo de luta há temporadas separadas de conteúdo sendo vendido, com personagens diferentes de acordo com a temporada comprada. Vale no entanto lembrar que após um certo tempo costuma ser lançada uma versão com vários dos extras anteriores, normalmente antes de lançar novamente outra temporada, fazendo os consumidores realmente de otários.

Isso para não falar de "Lootboxes", as caixas com conteúdo surpresa, e outras mecânicas que estão puramente imitando jogos de azar. Não precisamos falar sobre, pois aparentemente quem vai acabar tomando essa decisão no lugar das produtoras e jogadores será o governo de cada país. Muitos já proibiram Lootboxes e as equipararam a jogos de azar.

De volta aos blocos primordiais

Todas essas técnicas de precificação estão erradas, simples assim. Elas são excessivamente confusas, mirabolantes, às vezes anti-éticas, tudo porque o mercado de jogos não tem crescido, então só sobrou a alternativa de extrair mais dinheiro das mesmas pessoas. Ninguém quer expandir o mercado mas todo mundo quer mais dinheiro.


Não há maior sinal de que todas essas formas de vender estão erradas do que um simples fato: Minecraft. Um jogo como Minecraft simplesmente nunca surgiria ou não pagaria o suficiente ao seu criador em todas essas formas de vendas. Qual a fórmula tão fantástica de venda de Minecraft? Você compra, o jogo é seu. Não irão cobrar por expansões, nem por conteúdo extra (ao menos na fase pré-Microsoft), afinal você já pagou por ele. E assim Minecraft se tornou um dos jogos mais vendidos de todos os tempos e deixou seu criador rico.

Se o criador de Minecraft não tivesse muita fé no jogo e lançasse ele no Game Pass ainda meio incompleto, talvez ele fosse deixado de lado e nunca recebesse todas as atualizações até a versão 1.8 que o tornaram tão relevante. Como um criador de primeira viagem, ele poderia ter pego alguns milhares de dólares e ido fazer outro jogo para ganhar mais um pouco, sem jamais saber que seu jogo valia 2,5 bilhões.

A pura definição de comércio é muito simples, um substituto para o escambo. Antes duas pessoas trocavam A por B, enquanto hoje duas pessoas trocam A por uma unidade monetária que depois é usado com uma terceira para comprar B. Comércio é simplesmente dar às pessoas o que elas querem em troca de dinheiro com base no que de fato valem. A ideia de lucrar em cima de alguém não é particularmente inerente ao conceito de comércio e São Tomás de Aquino já avisava que lucro excessivo era imoral e um pecado.


Hoje parece que comércio é o que menos acontece, já que todos tentam nos vender o mínimo possível, apenas nos permitindo uso, sem capacidade de revenda. Você não possui praticamente nenhum dos seus jogos digitais no PlayStation, Xbox, Nintendo Switch e PC. Nunca poderá revendê-los por um valor maior do que pagou se ficarem raros, não poderá deixá-los de herança para seus filhos depois que morrer.

Por que pagamos tanto para empresas que nos dão tão poucos direitos? Simplesmente porque não temos alternativa quando queremos jogar. Minecraft foi um modelo extremamente honesto de venda e isso se refletiu em seu incrível sucesso. Porém, cada vez é mais raro que nos ofereçam uma venda honesta. Isso nos leva a essas terríveis conversas sobre precificação onde simplesmente ninguém está certo.


Entrevista na Rádio Gazeta


Esses dias dei uma entrevista curtinha ao vivo pra Rádio Gazeta falando sobre jogos antigos e alguns aspectos do mercado de jogos, a qual está disponível para ouvir online agora no site deles.

Quem tiver interesse em ouvir e só clicar aqui.


domingo, 26 de janeiro de 2020

Deeeer Simulator é o mais novo simulador bizarro de animais


Deeeer Simulator é o mais novo simulador animalesco baseado em física nos moldes de Goat Simulator para PC, no qual o jogador assume o papel de um veado e tenta causar o máximo de caos possível. Há algumas diferenças interessantes de design aqui e alguns desafios que precisarão ser superados. Sim, falando no futuro, pois o jogo ainda está em desenvolvimento e disponível em acesso antecipado. Atualmente ele está custando R$ 24,20 no Steam através deste link e acho que vale a pena pelo que já é oferecido.

O humor do jogo me agrada bastante, é bem parecido com Goat Simulator mas com um pouco mais de loucura ainda. O jogo diverte sempre que mostra algo novo e bizarro, mas há um limite de quantas coisas novas dá pra mostrar antes de elas acabarem. Na versão em acesso antecipado senti que ainda falta bastante conteúdo.

A jogabilidade tem alguns elementos interessantes. Por exemplo, é possível equipar armas no veado, as quais tomam o lugar do chifre, como pistolas, rifles a laser e granadas. Há também um sistema de repressão policial no estilo de GTA, então todo o caos que você causa tem uma reação, o que eu achei mais interessante do que em Goat Simulator.


Algo que eu vejo tanto como algo interessante quanto um desafio de design é que você pode matar qualquer criatura que encontra e destruir quase todos os prédios, algo que vai bem além do que Goat Simulator oferece, mas também impediria o jogador de realizar certas interações e possíveis missões se forem adicionadas no futuro.

Deeeer Simulator tem um potencial realmente grande e espero que ele continue crescendo para realizá-lo. Ele me lembra bastante como Goat Simulator começou antes de ficar famoso e cresceu até se tornar o sucesso que foi.

sábado, 25 de janeiro de 2020

Um jogo sobre encontros ruins: Table Manners


Uma vez eu tive um encontro tão ruim que eu só reparei que não tinha pedido a comida no restaurante depois de 1 hora. "Table Manners:The Physics-Based Dating Game" parece estar querendo captar toda essa atmosfera de encontros ruins em um único jogo de física cheio de situações constrangedoras para PC, com lançamento marcado para 14 de fevereiro, data na qual o Dia dos Namorados é comemorado em vários países.

O jogo é desenvolvido pela Echo Chamber Games e publicado pela Curve Digital. Aparentemente sua jogabilidade trata-se de uma mistura de Surgeon Simulator e Job Simulator, em primeira pessoa mas sem exclusividade para visores de realidade virtual. Controlando apenas uma mão com o mouse você tem que tentar não fazer feio demais no seu encontro, o que de cara já parece bem difícil.

Esse tipo de jogo tende a ser divertido, mas depende bastante de quanto a produtora coloca de conteúdo para o jogador descobrir. Ele não exige uma placa de vídeo muito potente, uma GTX 760 ou equivalente já está bom, mas pede um processador razoável, i5-2500K, e 6 GB de memória RAM. Dá para encontrá-lo no Steam neste link, apesar de ainda não termos um preço.




terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Remixes de Sonic the Hedgehog


Já há algum tempo a Sega tem postado uma série de remixes de músicas de Sonic the Hedgehog, reimaginações de algumas canções e batidas de diversos jogos diferentes, desde Sonic Adventure e Sonic R até Sonic 2 do Game Gear, o qual saiu por aqui no Master System.

Estes remixes foram feitos pelo português Tiago "Tee" Lopes que trabalhou na trilha sonora de Sonic Mania com participação ocasional de sua irmã Mariana Lopes e de Jun Senoue do Crush 40, banda que é responsável por várias músicas recentes da história de Sonic.

Confira algumas das músicas que foram postadas.






Bônus

Alguns dias após o post o James "Little V" Mills postou um remix Heavy Metal de Can You Feel the Sunshine de Sonic R, cheio de memes. Confiram abaixo como uma fase bônus.




terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Review sem spoilers de Star Wars: A Ascensão Skywalker


Star Wars: A Ascensão Skywalker é o capítulo final da nova trilogia de Star Wars e também da saga como um todo desde o Episódio 1 ou os originais dos anos 70 dependendo de como você conta. Apesar de alguns tropeços pelo caminho a conclusão é incrivelmente sólida e prazerosa e garante que Star Wars não tenha ficado estragado daqui para frente, apesar de também não fazer nada de novo.

Houve um claro problema de planejamento na nova trilogia de Star Wars composta pelos episódios 7, 8 e 9. Deixaram os diretores soltos demais para inventarem o que quisessem e no final não há uma narrativa coesa através dos três filmes. Apesar disso as coisas funcionam surpreendentemente bem e eu tenho que bater palmas pro diretor dos episódios 7 e 9, J.J. Abrams, que conseguiu soluções criativas para manter um final satisfatório.

A história se passa algum tempo após o Episódio 8, quando praticamente toda a Resistência foi destruída no filme anterior, Luke Skywalker está morto e uma das grandes novidades é que o imperador Palpatine, vilão de todos os outros filmes até agora, está vivo. Acredito que alguém poderia considerar isso um spoiler, mas está nos trailers e é a primeira frase do filme.

Isso muda a dinâmica do filme da Resistência contra a Primeira Ordem e Rey contra Kylo Ren para simplesmente Rey contra Palpatine. Assim como o episódio 7 era extremamente baseado no episódio 4 agora o 9 é muito próximo do 6. A Resistência ainda existe e parece que vai ter um papel grande mas no fundo tudo se resume ao duelo entre o mocinho e o vilão.


Um grande problema da nova trilogia é que praticamente nenhum personagem tem um arco satisfatório. Rey não consegue carregar o manto do herói, Poe é empurrado vergonhosamente como um novo Han Solo apesar de não ser e Finn não chega a lugar nenhum enquanto seu romance com Rose no filme anterior e a própria Rose são totalmente ignorados. Apenas Kylo Ren é um personagem realmente interessante através dos filmes e surpreende após parecer apenas uma versão genérica de Darth Vader.

O que segura o filme são os fortes alicerces da trilogia original. Sempre que um dos personagens clássicos está em cena o filme fica melhor. A princesa Leia aparece bastante no filme apesar da morte da atriz Carrie Fisher e não só convence como nos faz acreditar que ela estava presente gravando na maioria das cenas.

Quando o Episódio 9 começou eu tinha um limite bem claro, não podia morrer mais ninguém da trilogia original, porque essa nova trilogia não tinha ganhado o direito de matar esses personagens. Após algum tempo de filme eu estava satisfeito o bastante com os esforços para deixar que um ou outro personagem se fosse caso necessário.

Como muitos críticos já falaram, o filme perde um bom tempo desfazendo o que foi feito no Episódio 8, que ficou como um Homem de Ferro 3 na trilogia, quando Tony Stark destrói todas as suas armaduras e ainda assim volta logo depois como se nada tivesse acontecido. Isso aumenta a duração do filme não de uma forma prazerosa, mas é compensado com um pouco de ação. Há momentos em que há muita ação e eu senti que ela estava cobrindo uma falta de história.


Diferente de muitos, eu gostei do Episódio 8 e acho que ele quebrou expectativas da única forma que se poderia fazer atualmente. Seria impossível puxar um arco como o dos Episódios 5 e 6 com a revelação de que Darth Vader era o pai de Luke e depois ainda ter uma conclusão satisfatória nesses tempos de hiper informação.

Quando no Episódio 5 Han Solo é preso em carbonita, Luke é derrotado por Darth Vader e Leia é revelada sua irmã, não sabemos por qual caminho o Episódio 6 irá. No entanto assim que Vingadores: Guerra Infinita acabou já sabíamos que aqueles personagens teriam que voltar de alguma forma e viagem no tempo parecia a opção mais óbvia. O fato de que o Episódio 8 foi tão diferente nos fez não saber o que esperar do 9.

Dá pra sentir essa segurança extremamente formulaica da Disney no filme que também atinge os filmes da Marvel, uma cerca ao redor do perigo pra ninguém cair e que faz com que poucos riscos sejam tomados com a história e seus personagens. Porém, assim como nos filmes da Marvel, é algo que funciona e entrega um produto sólido de entretenimento. O único problema é que saímos do cinema com a impressão que não vimos nada novo.

Enquanto para a Marvel eu espero que os filmes tragam mais riscos no futuro por estarem no topo, Star Wars não estava tão saudável assim. Eu me lembro de como a trilogia das prequels com os Episódios 1, 2 e 3 foi decepcionante e essa nova trilogia ao menos não foi isso. Mais do que tudo, ela garantiu que Star Wars não estivesse estragado e nem com um gosto amargo intragável. Daqui pra frente poderemos curtir séries baseadas nesse universo sem estar chateados com os filmes.


O único problema realmente grande é a falta de uma narrativa maior, algo que indicasse um caminho evolutivo para a franquia. Star Wars continua com a mesma dinâmica como um todo. O mal surge, então surge também o bem para enfrentá-lo, de uma forma que o universo sempre esteja em equilíbrio. Essa natureza cíclica da Força e dos filmes não é explorada.

Seria muito mais fácil encarar que a nova trilogia é parecida com a clássica por um motivo maior, porque a história é cíclica e então esse ciclo seria quebrado para ir a um lugar novo da próxima vez. Ao invés disso, sem riscos eles apenas nos contam a mesma história que estamos acostumados. Uma boa história, porém sem surpresas.

Review de Shenmue 3


Shenmue 3 é um jogo que eu apoiei no Kickstarter apenas porque eu queria que fosse feito, apesar de nunca ter gostado tanto assim do primeiro Shenmue. Eu cheguei a jogá-lo na época do Dreamcast e suas mecânicas eram inovadoras para a época, porém sua jogabilidade sempre foi muito limitada e linear, um simulador monótono de conversação que era reflexo de uma época em que não sabíamos o futuro dos jogos. Eu esperava que o terceiro capítulo pudesse ser melhor, mas ao invés disso temos um novo jogo de Dreamcast nos dias atuais.

Não que não haja um certo charme retrô em jogar algo com uma sensação tão antiga e não tenha momentos em que eu me diverti com Shenmue 3 apenas por nostalgia, porém o jogo realmente faz você passar por todos os sentimentos que os jogos de antigamente causavam e torra sua paciência até todos os limites do aceitável.

Normalmente eu gosto de terminar os jogos dos quais vou fazer review, a não ser que algo me impeça de progredir como um bug ou problemas nas mecânicas. Shenmue 3 é um dos raríssimos exemplos em que simplesmente eu não tenho mais paciência para seguir com o jogo pois ele não parece estar indo a lugar nenhum. Também não gosto de usar informações externas ao invés de ver com meus próprios olhos, mas segundo pesquisei a história nem mesmo é concluída nesse terceiro jogo.


Continuamos a seguir os passos de Ryo Hazuki, um rapaz japonês que teve o pai assassinado por um vilão chamado Lan Di devido a um misterioso espelho com anos de história. Felizmente há um pequeno filme que recapitula os dois primeiros jogos para quem não se lembra mais deles. Os passos de Ryo o levaram para a China, mais precisamente na pequena Vila Bailu, um local que parece esquecido pelo tempo. O jogo também se passa muitos anos atrás, então não há celulares por perto.

O maior problema da história de Shenmue 3 é que tentam nos convencer que ao mesmo tempo Ryo está cego pelo fogo do desejo de vingança pela morte de seu pai e ainda assim pede licença para perguntar sobre as coisas mais mundanas a senhorinhas idosas e ajudar crianças a encontrar brinquedos perdidos. Não tem como espalhar uma emoção tão intensa por um pedaço de pão tão longo.

A jogabilidade básica de Shenmue envolve dois pontos. Primeiro, andar por aí conversando com todos sobre a mais recente pista que você tenha e segundo investigar locais específicos com o que restou do gênero "FREE" que o jogo lançou na época do Dreamcast. Há também combate, mas ele é péssimo e funciona mais como um obstáculo do que como parte do jogo.

Ryo continua perguntando sobre tudo e com a personalidade de uma porta, mas é aqui que há um certo charme Dreamcastesco sobre o jogo. A dublagem faz seu trabalho e cada pessoa tem várias respostas para cada pergunta que o jogador tiver que fazer, apesar de serem meio robóticos. Hoje em dia no entanto há jogos que fazem mais e com árvores de diálogo mais interessantes e Shenmue ignora isso. Há também corte bruscos de câmera durante as conversas pois certas respostas parecem fazer partes de outras.


Em sua época, a ideia do "FREE" era um gênero chamado "Full Reacting Eyes Experience", uma experiência que reunia a interação com seu poder de observação. Tudo que você pudesse ver poderia interagir como abrir gavetas, examinar objetos minuciosamente e assim por diante. O problema é que praticamente só sobrou mesmo do FREE o lance de abrir gavetas.

Talvez em um jogo de detetive o potencial desse gênero pudesse ser explorado porque é interessante encontrar pistas ao explorar o cenário, mas não é nada interessante abrir todas as gavetas de um lugar e depois descobrir que a pista era um quadro. Há informação inútil demais espalhada pelo jogo que acaba por desperdiçar o tempo do jogador a um nível extremo.

Quando os eventos estão andando, Shenmue 3 nem é tão ruim assim. Talvez fosse um jogo menos estressante de assistir no YouTube ou jogar com um passo a passo do lado para não desperdiçar tempo, muito como The Legend of Zelda: Majora's Mask. Para cada pisada no acelerador há uma pisada no freio, você não consegue chegar a lugar nenhum não porque não está tentando, mas por causa do veículo.


Durante quase todo o período que eu joguei Shenmue 3 eu preferia estar fazendo outra coisa para aproveitar meu tempo de forma mais útil. O jogo tinha várias chances de mostrar o que tinha de melhor e concluir dignamente seu legado ao deixar exatamente a imagem que queria passar e não um reflexo afetado pelo tempo, mas ao invés disso ele é extremamente datado, arrastado, não chega a lugar nenhum e não deixa nenhuma dúvida de por qual razão a série foi esquecida.

Nota 5/10


segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Review de We Happy Few: We All Fall Down


We All Fall Down é o terceiro e último DLC de We Happy Few, o qual segue os passos de Victoria Byng, uma personagem que conhecemos apenas por alto durante a campanha de Ollie e filha do General Byng. Este é o mais longo dos DLCs e o que mais parece com uma quarta campanha, enquanto os outros soam mais como histórias paralelas, porém isso acaba sendo uma coisa negativa pois traz mais linearidade e menos diversão.

Na campanha de Ollie ele faz com que Victoria pare de tomar a droga Alegria, o que a liberta e faz com que ela comece a notar a realidade de que as pessoas estão famintas pelas ruas. Isso a lança em uma jornada para destruir os suprimentos de Alegria para que o povo desperte também enquanto vê alucinações de sua mãe que foi deportada como espiã. O problema aqui é: já destruímos a distopia de We Happy Few com os outros três personagens, precisávamos mesmo fazer isso de novo?

As missões desse DLC são extremamente lineares e se resumem a ir de um lugar a outro da cidade de Wellington Wells e vendo um pouco mais do que aconteceu enquanto a cidade era destruída. Diferente dos outros dois que tinham uma história própria que funcionava muito bem, We All Fall Down é um puxadinho de uma história que já estava completa.


Assim como nos outros DLCs há mais ênfase em combate e Victoria conta com uma arma própria, um chicote bastante eficiente. Eventualmente ela encontra também uma pistola capaz de atordoar os inimigos, mas não é tão útil quanto eu gostaria. Há também um sistema de upgrade ao coletar Engenhocas espalhadas pelo cenário porém há só uns dois upgrades mais essenciais e o resto é superficial. Se houvesse upgrades mais interessantes a jornada e exploração seriam mais divertidas.

Um dos problemas que eu tive com o combate é que se você estragar uma parte de stealth há muitos inimigos de uma só vez para lutar com você. O combate em si não é difícil mas a personagem toma muito dano por golpe e é fácil morrer. Há uma grande quantidade de Bálsamos de Cura espalhados pelo mundo, mas durante os combate não dá pra se curar, então não resolvem esse problema.

Além do combate a segunda parte que compõe esse DLC são desafios de plataforma, os quais não combinam nada com a jogabilidade e o cenário de We Happy Few. O chicote de Vicky pode ser usado para acessar áreas superiores próximas ao segundo andar e telhado das casas, mas é difícil entender quais caminhos você pode percorrer e enxergá-los. Nas alturas os caminhos às vezes são feitos de tábuas de madeira, canos e jardineiras suspensas, mas é difícil ter certeza se um lugar é acessível para pisar ou apenas um enfeite de cenário.


Para quem já jogou We Happy Few, não há motivo para retornar por We All Fall Down, mas talvez para quem ainda vá conhecer o jogo possa gostar de ter "quatro" campanhas ao invés de três. No entanto como DLC os outros dois anteriores "They Came From Below" e "Lightbearer" foram mais divertidos e ofereceram um ponto de vista mais diferenciado.

O fato de que os personagens dos DLCs não podem ser usados no modo sandbox do jogo é um grande desperdício, já que isso realmente combinaria com as partes mais "rogue" da aventura e adicionaria ainda mais valor ao passe de temporada.

5/10

Posts relacionados:
Review de We Happy Few: Lightbearer


Re:Impressões de They Are Billions

Atualização: Alguns novos parágrafos foram adicionados ao final desse artigo para refletir o estado do jogo após a atualização de 3 de Dezembro para PlayStation 4 e Xbox One.


They Are Billions é um jogo que me chamou a atenção assim que eu vi o conceito, pois eu mesmo já havia pensado em fazer um jogo de zumbis com uma quantidade absurda de mortos-vivos, então parecia legal ver em ação.Fui tentar jogá-lo no PlayStation 4 e qual a minha surpresa ao ver que o jogo não foi nem um pouco otimizado para consoles. Claramente é um jogo com muito potencial mas várias coisas o seguram, especialmente a plataforma.

A interface é extremamente não amigável para consoles, é um port direto do PC. Isso significa letras pequenas para ler, descrições longas em janelas minúsculas, pois presume-se que o usuário esteja com a cara colada na tela. Tudo é excessivamente complicado e complexo pois foi feito pensado em um mouse e atalhos de teclado.

Há apenas dois modos de jogo: Sobrevivência, que é o modo principal e Desafio da Semana, que traz desafios semanais para jogadores mais avançados. Não há muito espaço para manobrar caso você não se dê bem de cara com o modo principal e a maior ausência é de um tutorial, o qual é completamente necessário em um jogo como esse. Acabei tendo que aprender a jogá-lo no YouTube.

O conceito é simples, o jogador têm um período de tempo para preparar sua comunidade e após esse prazo zumbis começarão a atacá-la. No entanto, mesmo no nível fácil não é tempo suficiente para se preparar adequadamente e basta que um zumbi chegue em uma habitação para contaminar todos e começar um efeito dominó.


Perder é comum demais e se isso apenas significasse que o jogo é desafiador, sem dúvida ele teria lá seu público. Porém o real problema é que a porta de entrada é estreita, é difícil começar a jogá-lo. Uma vez que aprenda a jogar então perceberá que há uma forma única de sobreviver, seguir um certo caminho fixo, sem muito espaço para sair dele. Isso torna o jogo um pouco desinteressante porque não tem muito espaço para criatividade.

Há vários recursos que você precisa ficar atento como dinheiro (ouro), energia, madeira, pedra, mão de obra e comida. É coisa demais para ficar atento o tempo todo e apesar de isso ser bem comum em jogos de estratégia para PC, é excessivamente complexo para um console. É como um nó de marinheiro, há pontos demais de interesse para ser intuitivo.

Ao tentar criar uma nova construção, talvez você não tenha mão de obra, então você tenta criar casas, mas não há comida suficiente, então você cria uma cabana de caçador para ter comida, porém não consegue posicioná-la tão longe pois é preciso colocar torres de tesla para aumentar seu alcance, mas não consegue construi-las porque não tem energia, não pode construir um moinho para gerar energia porque falta dinheiro e tudo que você queria era um misto-quente.

Uma coisa engraçada é que os gráficos do jogo são bem feitos, você pode dar zoom e ver tudo em detalhes, mas para a interface não há zoom. Então você pode ver muito bem cada detalhe em um soldado, mas não consegue ler direito o que os menus dizem. Se houvesse uma opção de aumentar o tamanho do hud ajudaria bastante.


Com toda essa dificuldade e alto custo de entrada eu nem cheguei perto de ver o que o jogo tinha de melhor para oferecer, as grandes hordas de zumbis atacando e sua comunidade sendo capaz de se defender. É aqui que um modo mais fácil realmente faria diferença, permitir que mais jogadores chegassem na parte realmente interessante do jogo.

Cada partida que eu tentava jogar envolvia uma longa preparação e acabava rapidamente ao receber um ataque. É como ser atacado por um Zerg Rush em Starcraft e perceber que havia um timer invisível contando sua derrota porque você não estava administrando seus recursos rápido o suficiente. Alie a isso o fato de que não temos um mouse nos consoles e é uma receita para não se divertir.

They Are Billions é um jogo que eu queria ter gostado mais porque a premissa é bem legal, mas a execução deixou a desejar. Pode valer a pena jogá-lo no PC se você curte jogos de estratégia com riscos e punições altos. Porém definitivamente não vale a pena pegar uma das versões para console.

Atualização de 3 de dezembro

Normalmente eu não faço impressões contínuas de jogos, mas como They Are Billions parecia um bom jogo que apenas teve problemas em sua conversão para consoles eu resolvi dar uma chance quando uma nova versão foi lançada que atacou pesadamente alguns dos principais problemas que eu tive com ele. Ainda assim faltou um pouquinho para realmente resolver todos os defeitos e realizar seu potencial.


Duas das minhas principais reclamações com o jogo eram sobre falta de conteúdo e controles mal adaptados e ambas as questões foram melhoradas. Foi adicionado um modo campanha no qual o jogador precisa expandir os domínios do imperador Quintus Crane para levar a humanidade para fora das muralhas através de várias missões diferentes. Enquanto os controles não estão fantásticos ainda assim melhoraram bastante. A fonte do jogo no entanto ainda é pequena e mais adequada a um PC.

O mais importante no entanto é que agora o jogo tem um tutorial para ensinar como jogá-lo e isso era algo que estava fazendo muita falta. Nesse momento eu pensei que They Are Billions iria se catapultar para ser o jogo que deveria ser. Então fui pego de surpresa quando durante o tutorial um zumbi veio do nada e contaminou toda a minha colônia como sempre.

É estranho porque o jogo não te prepara para combater zumbis nesse trecho do tutorial. Você está apenas aprendendo a construir e manter sua colônia quando de repente, ela acabou. Isso continua a limitar o jogo apenas para quem já sabe como jogá-lo e impede que ele chegue ao público dos consoles.

sábado, 7 de dezembro de 2019

Review sem spoilers de Coringa


Coringa foi um filme que eu não tive a chance de ver no cinema porque quis evitar o risco de algum atirador achar que era uma boa noite para estrear junto com o filme e após assisti-lo acho que foi bom que isso tenha acontecido pois acho que pude absorver melhor vendo em casa. Toda a histeria sobre o lançamento do filme que acabou felizmente não dando em nenhum tiroteio é algo que não acho completamente injustificado. Abaixo minha modesta review sem spoilers.

Sobre as preocupações, há mensagens em Coringa que eu diria que são perigosas, sementes de ideias que conversam diretamente com mentes perturbadas como gatilhos para tomarem ação. Ele puxa muitas ideias de Taxi Driver do Scorsese, o qual eu também acredito que tenha certas mensagens perigosas. Não quer dizer que filmes polêmicos não devam ser feitos, mas acho que devemos ser responsáveis com algumas coisas.

Tirando isso do caminho, veio então minha surpresa... eu não gostei muito de Coringa. Não achei genial, não achei profundo, não achei uma boa história... talvez porque também não gostei muito de Taxi Driver. Apesar de tudo é um filme que me dá vontade de conversar a respeito e acredito que algumas interpretações possam fazê-lo alcançar mais profundidade, porém eu não tenho certeza de que seja completamente intencional.

Teoricamente o filme se passa em 1981 mas eu sinto como se ele fosse mais antigo, pouco após o fim da Guerra do Vietnã. Gotham está em frangalhos com lixo pelas ruas, lojas falindo, sem emprego e simboliza uma certa época dos Estados Unidos que não significa a mesma coisa para nós. Eles eram um país extremamente rico que de repente sentiu um freio em seu estilo de vida, não é algo que fale diretamente para nós da eterna república de bananas.


Acompanhamos a história do ponto de vista de Arthur Fleck, o homem que até o final do filme se transformará no Coringa. Ele é uma pessoa pobre, mora com a mãe, tem um emprego ruim de palhaço e tem alguns problemas psicológicos como depressão. Além de tudo ele sofre de um distúrbio que o faz rir incontrolavelmente em certos momentos, um pouco como uma síndrome de Tourette, que o torna meio excluído socialmente.

Dá pra ver que Arthur é uma pessoa que sofre bastante com seus problemas e em vários momentos sentimos empatia por ele e gostaríamos que ele não sofresse tanto, pois vemos também que ele é esforçado mas coisas ruins estão acontecendo em sequência em sua vida. No entanto talvez nada disso tenha acontecido de verdade e ele apenas quisesse que tivéssemos essa empatia por ele. Arthur é um "narrador não confiável".

Logo no início do filme é possível notar que algumas coisas que são mostradas na tela na verdade não estão acontecendo. O termo "narrador não confiável" da literatura é quando você não pode acreditar completamente em quem está contando os fatos. O problema é que quando você tem um narrador não confiável revelado tão cedo fica difícil de investir emocionalmente na história pois você nunca tem certeza de que ela está acontecendo.

Nesse ponto acho que filmes com uma reviravolta perto do final que alteram nosso nível de confiança pelo narrador, como Clube da Luta, fazem um trabalho melhor. Mesmo que às vezes vistos como aquela expressão americana "pônei de um truque só", como se apoiassem completamente no truque, mas ao menos eles apresentam uma história coerente e que vale a pena ser revisitada, seja em lembranças ou assistindo de novo. Eu não sinto vontade de assistir Coringa novamente.


A história em sua superfície me parece ser sobre como o surgimento do Coringa a partir do lixo de Gotham acaba por incendiar toda a população da cidade para que eles despertem sobre o conflito de classes, para que os pobres comecem a exigir dignidade dos ricos. É um tema relevante atualmente mas que não se desenvolve realmente no filme. Como se mostrasse que a solução para um problema grave da sociedade fosse um vilão de quadrinhos erguer uma revolução.

Muitos falaram que esta é uma história de origem do Coringa, mas eu não consigo vê-la dessa forma, não consigo ver como essa pessoa se tornaria a figura que conhecemos como Coringa. Eu também não acredito que o Coringa precise ter motivos de ser ou um ponto de partida, como o Coringa de O Cavaleiro das Trevas que cada vez conta uma história de origem diferente.

Não deveria ser possível virar o Coringa porque algumas coisas ruins aconteceram com uma pessoa com problemas psicológicos, o Coringa simplesmente é. Quando se tenta explicar o Coringa acho que ele deixa de sê-lo. Eu vejo ali Arthur Fleck, não o Jóquer, o palhaço. Gostaria muito que todas as coisas que acontecem no filme para justificar essa transformação simplesmente nunca tenham acontecido, sejam todas coisas da cabeça de Arthur e na verdade ele só as tenha imaginado como justificativa para se tornar o Coringa e que no fundo ele simplesmente o seja.

Preciso confessar que achei o ritmo da narrativa bem lento, com uma hora e meia de preparação para vinte e cinco minutos de Coringa no final. Durante a maior parte do filme ele não faz você se sentir muito bem, as cores são depressivas, há ótimos ângulos de câmera, tudo colabora para você se sentir tão desconfortável como Arthur. No final as cores e a música se libertam um pouco como o próprio Arthur, ele passa a trazer cor e alegria para o mundo, talvez como imagine em sua mente.


Curiosamente eu acho que o filme podia ser mais quieto e silencioso em algumas cenas. Há momentos em que músicas tocam para invocar sentimentos de tristeza ou tensão mas que poderiam funcionar bem melhor se fossem simplesmente em silêncio com som ambiente. As cenas são bem filmadas, era possível que o próprio espectador chegasse ao sentimento sozinho pelo estímulo visual e de uma maneira muito mais prazerosa por não ter sido guiado.

Joaquin Phoenix está ótimo no papel e se não fosse por ele o filme desabaria. Ele te vende cada coisa que você precisa comprar. Ele te vende Arthur como um desajustado social com crises de riso incontroláveis. Ele te vende o Coringa como um psicopata assassino que cruzou a linha da sanidade. E mais importante, ele te vende a transformação, como se uma pessoa normal pudesse virar um personagem de histórias em quadrinhos de uma forma que a história não faz.

Ao encarar o filme como uma história com uma mensagem eu não vejo nem uma boa história e nem acho a mensagem no meio dele. O que o filme queria dizer? Os pobres devem comer os ricos? Isso é uma solução bem superficial. No entanto, ao interpretá-lo como um estudo do personagem, como uma forma de entender o Coringa, acho que ele funciona melhor. Se pensarmos em todas as cenas não como uma sequência linear que está contando uma história mas como piadas que passam pela cabeça de Arthur, subitamente o filme é bem interessante.

Em um dos trailers do filme Arthur fala que ele pensava que sua vida era uma tragédia, mas que é na verdade uma comédia. Se as tragédias que vemos acontecer com Arthur pudessem ser o próprio personagem pensando nessas cenas como piadas e dizendo para si mesmo: "não seria engraçado se isso acontecesse?", acredito que haja muita mais substância. "Não seria engraçado se os pobres se voltassem contra os ricos?" e o punchline é a realidade cruel que eles não o fazem e continuam oprimidos.


Imagine se cada coisa terrível e cruel que acontece com Arthur durante o filme fosse interpretado por sua mente como coisas engraçadas. Assim como ele vê graça na crueldade que acontece com ele, ele vê graça na crueldade que acontece com os outros. A mente de uma pessoa que pensa na crueldade como um punchline da realidade, que acha engraçado o fato da vida ser cruel com pessoas boas. Me parece que esta seria a mais perfeita explicação da mente do Coringa, completamente incapaz de nos explicar onde está a graça e em completa agonia tentando nos fazer enxergar uma piada que só ele entende.

No final eu senti uma pontinha de crítica a quadrinhos no filme, as mesmas críticas que Alan Moore e Scorsese já fizeram antes sobre a inviabilidade dos super-heróis no mundo real e sua superficialidade em conceito. É como se Arthur visse uma grande piada no fato de que idolatramos o Batman e esperamos que uma criança com um grande trauma vire um super-herói enquanto o punchline é a cruel realidade, as odiamos quando elas viram Coringas.