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terça-feira, 30 de junho de 2020

Min Min se arma como nova lutadora de Super Smash Bros. Ultimate


Na semana passada tivemos a revelação de uma nova lutadora para Super Smash Bros. Ultimate, a personagem Min Min da série Arms, sétima integrante por DLC e a primeira da segunda temporada de DLCs do jogo. No calor do momento vi muita gente celebrando a inclusão de Min Min mas não me parece uma personagem que todos estejam ansiosos para ter. Do ponto de vista da jogabilidade ela parece interessante, mas ainda é uma personagem menor de um jogo que poucos jogaram.

Estava pensando se devia fazer um artigo ou não sobre a revelação de Min Min, porque no fundo não tenho nada tão interessante para falar a respeito dela e até fiquei um pouco decepcionado com a revelação. Então pensei que seria uma boa explicar por que muitas vezes Super Smash Bros. não bate com as minhas expectativas, não apenas no Ultimate mas na série como um todo.


Devido a quarentena a apresentação foi na casa do criador da série, Masahiro Sakurai, e foi bem legal ver como é a casa dele, com vários videogames e duas televisões gigantes lado a lado. Ele falou como gosta de ter a TV ligada enquanto joga e sobre como a Nintendo mandou equipamento especial para ele gravar a live em casa. O vídeo teve 35 minutos, a maior parte dedicado à jogabilidade da personagem, a qual não vou comentar muito.

A revelação de Min Min veio em uma divertida animação na qual Kirby e Captain Falcon estão comendo lâmen quando um convite para Smash Bros chega em uma arena um pouco distante de Arms. Vários personagens lutam pelo convite e no início chega a parecer que Spring Man ou Ribbon Girl vão ser os escolhidos, até que no final da luta "Min Min arms herself!".

A jogabilidade de Min Min parece muito boa com um alto alcance pelos seus braços que se esticam, diferentes armas e algumas fraquezas óbvias no combate de proximidade. Seu Final Smash me pareceu um pouco fraco, basicamente uma sequência de vários socos com todos os outros personagens de Arms, nada muito interessante.

Todos sabiam desde o início que o novo lutador seria um personagem de Arms, pois isso já havia sido sabiamente revelado por Sakurai em uma transmissão anterior. Ao revelar a série de onde seria o próximo personagem, evitou-se a chance de decepção por não ser uma série maior. Porém entre o tempo de anunciar que seria da série Arms e de fato anunciar a personagem, criaram-se expectativas também problemáticas.


Quase sempre eu prefiro que os protagonistas representem suas séries, então eu acho que Spring Man teria sido uma opção melhor inicialmente. No entanto, há uma grande falta de representantes femininas em Super Smash Bros., então também entenderia Ribbon Girl, até mesmo Twintelle que fez muito sucesso como personagem de DLC do próprio Arms.

Eu não liguei para Arms e acredito que muitos jogadores de Super Smash Bros. podem não ter ligado também, então Min Min não é uma personagem que boa parte do público sequer conheça. Spring Man e Ribbon Girl eu ao menos sei quem são, estão na capa do jogo, nos materiais promocionais com destaque e Twintelle teve uma grande parcela de atenção na internet quando foi anunciada.

Porém o que me desanima não é apenas a escolha da personagem, mas porque muitos usuários já haviam achado uma solução mais interessante: um lutador "oficial" e skins que o transformassem em outros personagens. Trabalhoso? Sim, um pouco, mas não tremendamente, não fora do escopo de um projeto do tamanho de Smash. Por isso eu gostaria que essa tivesse sido a opção escolhida.

Por que esperar tanto de Super Smash Bros.? Por que achar que um novo personagem por DLC poderia acabar sendo vários? Eu não esperaria isso de Street Fighter, Mortal Kombat ou qualquer outro jogo de luta. Porque eu simplesmente acho que Super Smash Bros. se tornou algo maior do que só um jogo de luta. Então quando o assunto é Super Smash Bros. eu espero aquele Plus Ultra que entrega o que você espera e um pouco mais.


Sakurai transformou Super Smash Bros. em uma espécie de celebração da indústria de jogos a partir do ponto de vista da Nintendo. Além de uma celebração da própria Nintendo pelo ponto de vista de Sakurai, o qual parece ter uma visão até mesmo melhor do que a Nintendo tem, ou demonstra, de si mesma.

Durante a transmissão foi mencionado que o dublador do Captain Falcon no Japão é o mesmo do personagem Vegeta, muito requisitado e apostaria que provavelmente caro. Também foi dito que a Nintendo utiliza os mesmos arquivos de áudio do Captain Falcon desde a época do Nintendo 64. Eu achei que falariam então que iriam chamá-lo para gravar novos áudios, mas isso não aconteceu. Já estamos acostumados a essa certa pão-durice da Nintendo.

A Nintendo não deve achar que é necessário gastar nisso. Pode continuar economizando em um detalhe desses e lucrando bastante. Já Sakurai simplesmente diz: "Esse jogo precisa de uma orquestra". A Nintendo acha que orquestra é muito cara e afirma que midis seriam suficentes. Então Sakurai bate o pé e diz "Se você não contratar uma orquestra eu vou pagar uma do meu bolso" porque ele sabe que o jogo merece isso.

Eu acho que nada passa melhor essa sensação do que os Echo Fighters de Super Smash Bros. e Super Smash Bros. Melee. Personagens adicionados quando o jogo já estava mais ou menos pronto e não dava tempo de fazer muito, mas que Sakurai simplesmente queria enfiar no jogo. Se temos Mario, não é tão difícil fazer Luigi, se alterarmos um pouco o Kirby podemos conseguir Jigglypuff, com um truque temos Pichu a partir de Pikachu e Ganondorf se ignorarmos esses golpes do Captain Falcon.


Se eu ligo tanto para as revelações de novos personagens de Super Smash Bros. Ultimate é em parte pela grande surpresa que era ver de repente um "Challenger Approaching" no Nintendo 64. Assim Smash Bros. conseguia entregar vários personagens extras puramente por esforço, porque Sakurai queria que eles estivessem no jogo. Por isso sinto falta desse espírito quando não é possível simplesmente colocar um modelo diferente em Min Min para ter mais personagens. Inclusive eu sempre achei que Super Smash Bros. Ultimate teria muito mais Echo Fighters.

Por exemplo, a transmissão também anunciou mais Mii Fighters, basicamente roupas para os personagens Mii. Entre eles Ninjara de Arms, Heihachi de Tekken, Marie e Callie de Splatoon e Vault Boy de Fallout. Apesar de visualmente bem legais, a jogabilidade deles é muito limitada. A essa altura os movesets de cada personagem do jogo já deveriam ser fragmentados para que fosse possível atribuir certos movimentos a lutadores Mii ou Echo sem copiar movesets inteiros e assim criar Frankensteins bem interessantes, talvez até mesmo criados pelos próprios jogadores.

Nesta mesma lógica de esperar muito eu sigo sentindo falta de um modo Single Player para o jogo que não seja apenas de lutas. O que é curioso já que até mesmo Street Fighter e Mortal Kombat tiveram novos conteúdos de história adicionados por DLC. Será que é pedir demais por um novo Adventure Mode?

sábado, 27 de junho de 2020

Analisando Crash Bandicoot 4 em 1 minuto e meio


Crash Bandicoot 4: It's About Time foi revelado recentemente em um trailer de 1 minuto e meio pela Activision e pela Toys for Bob, companhia que cuidou dos remakes dos três jogos originais e da série Spyro The Dragon. O novo jogo será lançado para PlayStation 4 e Xbox One em 2 de outubro e seguirá o estilo do Crash clássico com fases em corredores porém com uma nova temática de viagem no tempo. Vamos falar um pouco sobre por que o jogo deverá ser legalzinho, mas não excepcional como os originais.

A Toys For Bob é uma companhia competente, com alguns jogos que eu realmente gosto ou admiro, como Tony Hawk's Downhill Jam e Skylanders, porém eles não são uma Naughty Dog ou Traveller's Tales. Para não mencionar que após a aquisição pela Activision e ter sido forçada a trabalhar praticamente só em Skylanders e Remakes, as melhores mentes criativas da empresa já devem ter saído.


Como o subtítulo dá a entender a temática da vez será viagem no tempo, algo que muitas séries exploram atualmente. Viagem no tempo é um ótimo tema para criar conteúdo de maneira fácil e barata. Seu personagem está viajando no tempo e por isso ele terá contato com diversas localidades e eras riquíssimas de detalhes e mitologias, eras por si só que já são excitantes. Crash no Velho Oeste? Crash na era Mesozoica? Crash na Segunda Guerra Mundial? talvez não esse último.

Há no entanto um defeito em viagem no tempo, o mesmo defeito de quando um personagem simplesmente visita um mundo fantástico como um herói que irá salvá-lo. Você pega mitologias e conteúdos de terceiros, sem ampliar seu próprio mundo ou mitologia. Em outras palavras, enquanto Crash estiver visitando todas essas épocas interessantes, seu mundo continuará o mesmo. É um pônei de um truque só.

Um dos melhores exemplos de jogo que amplia a mitologia da série é Super Mario Bros. 3 que mostrou reinos vizinhos ao Reino dos Cogumelos. Era incrível ter um reino de deserto, um reino de gigantes e um reino nas nuvens, locais que Mario nunca mais visitou naquele mesmo formato. O mesmo acontecerá com Crash ao criar mundos que nunca mais poderá visitar.


A jogabilidade em si é como o clássico Crash, porém com alguns problemas novos. Só o fato de ser a jogabilidade clássica não seria um problema, pois há muitos anos não temos um Crash novo, porém é uma pena que não vejamos alguma evolução. Isso acontece principalmente porque a empresa que está fazendo o jogo não é a mesma que criou a série, eles não têm o DNA inicial que permitiria uma evolução natural. É possível entender as origens de uma franquia e evolui-la, porém é mais difícil.

A grande novidade aqui são power-ups, como antigravidade e desacelerar o tempo. O único problema é que esses power-ups são usados de maneira errada. Simplesmente há momentos no jogo em que você precisa deles para passar por algum desafio. Isso não é um "aumento de poder", se você não pode realizar o que precisa sem o power-up, ele é meramente uma ferramenta.

Novamente tomando Super Mario Bros. como exemplo, completar as fases de Mario com power-ups é mais fácil e a experiência de cruzar as fases com cada um deles é diferente. Como Mario pequeno você é cuidadoso e procura por um cogumelo. Como Super Mario você já tem uma garantia de poder e de ser atingido sem morrer, mas quer mais, uma flor de fogo, por exemplo. Quando está com a Flor de Fogo, foca-se em confrontar inimigos, algo que não faria se precisasse pular na cabeça deles.


Acredito que a Activision como publisher também vai interferir no nível de dificuldade do jogo, mostrando que algumas das maiores reclamações são sobre o jogo ser muito difícil e como provavelmente Spyro teve mais sucesso com o público infantil do que Crash. Posso estar errado e eles estarem convencidos que a dificuldade faz parte do que torna o jogo essencial, mas o normal é a publisher querer abaixar a barra para aumentar o público.

Crash Bandicoot 4: It's About Time até tira uma página do manual da Nintendo de coadjuvantes irritantes com uma nova máscara no lugar de Aku Aku, então seria bom se eles tivessem tirado um pouco mais de coisas legais para deixar a jogabilidade melhor. Simplesmente fazer Crash como na época do PlayStation One mas com tecnologia melhor só nos levará para algo semelhante a Crash Bandicoot: Wrath of Cortex, algo que não parecia uma evolução real e que com o tempo matou o fogo da franquia.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Review de Summer in Mara


Summer in Mara é um game independente criado através de uma campanha coletiva no site Kickstarter e que foi lançado recentemente para Nintendo Switch e PC, com versões para PlayStation 4 e Xbox One a caminho em uma data ainda não definida. O jogo traz uma aventura tranquila e divertida sobre ajudar pessoas, conquistá-las pelo seu estômago e cuidar do meio-ambiente, porém também se perde em alguns momentos com missões repetitivas e vazias.


A história começa com Koa, uma menina que é criada por sua avó Haku em uma ilha misteriosa e que nunca viu o resto de seu mundo, chamado aqui de Mara. Após o tutorial dá pra notar que se passou algum tempo, já que o barco que sua avó usava está largado quebrado e não se vê mais a velhinha em lugar algum. Inicialmente não fica claro o que aconteceu e ninguém menciona o fato, mas com certeza a avó de Koa faleceu em algum momento e ela está vivendo em sua ilha sozinha há um tempo.

Tudo muda quando ela encontra Napopo, uma criaturinha anfíbia que foi parar em sua ilha, não fala seu idioma e precisa de ajuda. Este é o estopim para Koa consertar o barco de sua avó e conectar-se pela primeira vez com a civilização, levando consigo sua ingenuidade e vontade de ajudar os outros. Durante sua jornada ela encontra antigos amigos de sua avó e faz também novos amigos.

Lá pela metade do jogo surgem os antagonistas Elits, alienígenas que querem destruir o planeta em nome do progresso e adicionam um pouco mais de ritmo e motivação à história. Ainda assim, eles demoram tanto para serem apresentados no jogo que quando surgem parecem um pouco deslocados com o resto da temática.


Inicialmente a jogabilidade envolve cuidar da sua ilha, plantando sementes, molhando-as e colhendo-os quando chegar a hora. Você pode também extrair minérios, plantar mais árvores usando seus frutos e erguer novas construções como poços. Com o tempo mais opções ficam disponíveis como cuidar de animais e outras coisas a mais. Apesar de esta parecer a jogabilidade principal do jogo, ela é apenas uma parte, nem mesmo tão grande.

Os alimentos obtidos servem também para Koa poder comer, já que precisa regularmente recobrar sua energia para não desmaiar de cansaço. Felizmente não é nada exagerado como em Stranded Sails, há energia o suficiente para fazer várias coisas durante o dia, porém você precisa voltar para sua ilha ou barco à noite para dormir.

Assim que você consertar seu barco no início do jogo irá então zarpar para a ilha adjacente Qualis, onde há uma grande e simpática cidade repleta de personagens interessantes. Uma vez lá eis que surge a principal forma de jogabilidade de Summer in Mara: realizar tarefas para os outros. Não há como eu reiterar o suficiente o quanto do jogo é simplesmente andar de um lado para o outro fazendo favores para os outros, mas eu vou tentar.

Os personagens na cidade são relativamente interessantes, possuem suas próprias histórias, jeitos de ser e desejos. Aos poucos você se envolve na vida deles, porém suas missões são sempre muito vazias. Leve um item para aquela pessoa, plante algo para aquela outra, conserte este item pra mim, cobre de alguém algo que me deve. Koa se torna meramente uma garota de recados sob o pretexto de "gostar de ajudar".


Há um pouco de Crafting no jogo também, porém apenas em sua própria ilha Koa pode fabricar itens, plantar suas sementes ou cozinhar. Isso significa que sempre que um personagem precisa de algo fabricado, plantado ou cozido, você terá que voltar a sua ilha. Percebeu que faltou um ingrediente? Volte para Qualis, suba dois lances de escada até o mercado, compre o ingrediente, volte para sua ilha, cozinhe, volte para Qualis, entregue a comida e provavelmente uma nova missão igual surgirá.

O jogo tem uma enorme dose de repetição que só adiciona mais água ao feijão de Summer in Mara. No início chega a ser divertido conhecer esses personagens novos e como eles interagem com o carisma de Koa. No final as missões também ficam mais íntimas e relevantes para os personagens e nós já os conhecemos o bastante para talvez nos importar. É tudo o que acontece essas duas pontas que é completamente insosso.

Assim que você tem acesso a um mapa e percebe que sua ilha e Qualis são apenas dois quadradinhos em um mapa de 6x6 blocos, parece que haverá mais exploração, ao estilo The Legend of Zelda: Wind Waker, porém a única ilha grande e com uma cidade é Qualis. Todas as outras são apenas pequenas curiosidades, locais com um ou outro item incomum, uma nova fruta para levar para sua ilha, sem realmente adicionar muito à história, personagens ou jogabilidade.


Dá pra ver que muito trabalho foi investido para tornar Qualis interessante, mas apesar de visualmente terem tido sucesso, a cidade não tem vida e nem exerce bem sua função para a jogabilidade. Os NPCs que habitam a cidade são totalmente estáticos e têm falas inúteis, nem mesmo uma pequena dica do jogo escapa por eles.

Os locais da cidade por sua vez são muito isolados, com grandes pedaços onde tudo que você faz é ficar correndo sem parar de um lado para o outro visando chegar onde quer. Há ainda um sistema de dia e noite que não adiciona à jogabilidade de maneira alguma, mas faz certos locais só serem acessíveis em um certo horário. O que poderia ser algo interessante, na prática só significa que além das viagens pela cidade serem cansativas, algumas são perdidas.

O visual é o ponto alto de Summer in Mara com cores vibrantes que trazem alegria por conta própria até que seja o momento de passar mais tensão com tons mais escuros. O mesmo pode ser dito da música do jogo que é relaxante e tranquila na maior parte do tempo, até que precise ser um pouco mais séria. Não há vozes infelizmente, os personagens falam apenas com pequenos sons de fundo, mas os diálogos são adornados com belas artes 2D.


Summer in Mara é uma aventura de umas 30 horas que poderia facilmente ser condensada em 15 para ser mais concisa, divertida e interessante. todas essas horas a mais tornam o jogo desnecessariamente pesado e acabam por matar o pique do jogador até mesmo quando coisas mais interessantes começam a acontecer perto do final. Apesar do potencial e uma tonelada de charme que carrega o jogo por umas boas horas, Summer in Mara faz de tudo para ser uma esquecível canção de verão.

7/10


segunda-feira, 1 de junho de 2020

Análise do Ano Fiscal de 2019 da Nintendo


Recentemente a Nintendo divulgou os resultados de seu ano fiscal de 2020, o qual inclui o período entre março de 2019 até março de 2020, com alguns detalhes interessantes sobre o futuro da companhia... se ainda houver um futuro para o mundo a longo prazo. Como já mencionei no artigo sobre a pandemia, não dá mais pra saber como as coisas ficarão pela frente e muitas previsões podem sair erradas.

Olhando apenas o relatório fiscal do ano completo, poderia-se imaginar que está tudo bem na Nintendo. Os lucros apenas tem crescido ano a ano e a valorização de suas ações está atingindo os velhos ápices da época do Wii. Estas condições, no entanto, já são reflexo da pandemia e altas vendas do Switch e de jogos como Animal Crossing devido a quarentena.

Se retornarmos até janeiro, quando o mundo ainda estava um pouco mais normal, a Nintendo havia divulgado seu relatório de terceiro trimestre do ano com os seguintes fatos: não havia atingido sua meta de lucros de ¥175 milhões de Yens, ficando em ¥168,7 milhões, as ações da companhia caíram 4% devido a investidores insatisfeitos com esse resultado e o novo modelo do Nintendo Switch Lite teve vendas abaixo do esperado.


Apesar de tantas más notícias, este não é um cenário apocalíptico como costumávamos ter na época do Wii U e 3DS. Aquelas duas pedras puxavam muito a Nintendo pra baixo, a ponto da companhia mal ficar no azul. O que são ¥168,7 milhões comparados a uma época em que eles geravam ¥70 a ¥50 milhões. Isso para não mencionar o ano em que a Nintendo teve apenas ¥6 milhões e o fatídico ano de prejuízo causado pelo 3DS.

No entanto, também não é tudo céu azul para o Switch como os fãs da Nintendo gostam de imaginar. Quando fiz minha previsão inicial sobre o Nintendo Switch falei com certeza que ele não era um portátil e que veríamos a Nintendo lançar um portátil de verdade, o que aconteceu com o Switch Lite. O fato de que ambas as plataformas dividem nome e ecossistema, porém, complica muito para analisá-las.

Na minha previsão, o Switch estaria com no máximo 40 milhões de unidades vendidas quando a Nintendo lançasse seu novo portátil e foi isso que aconteceu, com vendas de 36,87 milhões em junho de 2019 e 41,67 em setembro de 2019, já com 1,95 milhões de unidades do Switch Lite. Onde as coisas começam a ficar complexas é que quando previ isso em 2017, estava certo de que uma vez que tivéssemos o portátil de verdade, não haveria mais motivos para comprar o modelo padrão.

Aconteceram no entanto duas coisas complicadas: primeiro, falava que a bateria fraca do Switch era um dos motivos de ele não poder ser tão portátil, mas logo após lançar o Lite a Nintendo lançou um novo modelo padrão do Switch com bateria melhor, sem mudar de nome. Ele é mais capaz de ser portátil que o Switch que tínhamos antes, porém ele ainda tem o mesmo nome do que era menos capaz, o que causa problemas de medição.


E segundo, algo que eu não costumo esperar da Nintendo, o Switch Lite não é bom o bastante. O Switch Lite deveria ser uma porta de entrada de custo menor para o mundo do Switch, na qual você pudesse se comprometer aos poucos. Comprar basicamente o mesmo aparelho, porém sem controles de movimento, sem o dock para conectar na TV e assim por diante.

Você deveria, no entanto, poder aos poucos comprar essas coisas e se comprometer cada vez mais com a plataforma. Você pode comprar Joycons para o Switch Lite, porém ele jamais poderá se conectar à TV pois a Nintendo não deu essa funcionalidade ao videogame. Esse foi um erro extremamente amador da empresa que não é algo que eu costumo esperar dela e acho que eles ainda nem perceberam que cometeram. Vou explicar a seguir qual o grande problema disso.

O Switch não é um portátil, o que significa que seu alcance de vendas é limitado. Mesmo que supostamente ele vendesse como um híbrido, estamos falando de 70% das vendas de um portátil de verdade. O lançamento de um portátil de verdade deveria ser capaz de pegar as vendas limitadas do Switch e levá-las além dos 120 milhões.

Como o Switch é uma plataforma unificada da Nintendo, presume-se que ela não lançará mais um console e um portátil por geração. Porém para que isso faça sentido para ela, essa plataforma única precisa ser bem lucrativa. No pior cenário da Nintendo, a geração do Wii U e do 3DS, console e portátil tinham vendas conjuntas de 75,77 milhões + 13,56 milhões. Isso significa que 90 milhões de Switch + Switch Lite, enquanto pode parecer um número alto, seria equivalente à pior época da Nintendo.


Em algum momento a Nintendo terá que considerar se valeu a pena ter apenas uma única plataforma. Em sua fase de ouro, a empresa vendeu 150 milhões de Nintendo DS + 100 milhões de Nintendo Wii. Seria possível uma plataforma unificada chegar a 250 milhões de unidades? Se não for, por que não lançar duas plataformas separadas e tentar alcançar novamente o topo com ambas? Qual o tamanho do risco de ter apenas uma plataforma caso ela falhe?

O fato do Switch Lite não ser bom o bastante vai criar uma dissonância bizarra nos números, pois vendas que deveriam ser do Switch Lite se converterão em vendas do modelo padrão do Switch. Ambas as plataformas irão se canibalizar e se prejudicar ao invés de ampliar o alcance da forma que um portátil de verdade deveria fazer.

Como o Switch Lite não pode aos poucos ser transformado na experiência padrão do Switch, com conexão à TV, significa que aqueles que escolherem pelo Lite estão abrindo mão dessa função ao comprá-lo. Um "Portátil de verdade" que deveria ser sucesso com os Tiers 2 e 3 do mercado, não tanto com o Tier 1 hardcore que preferirá o "console", acaba por deixar grande parte do seu público para trás porque eles não irão querer abrir mão disso.

Acidentalmente o Nintendo Switch Lite criou uma âncora de valor que faz as pessoas pensarem que gostariam de tê-lo, mas que é melhor pegar o Switch padrão. O Switch padrão, no entanto, exige um compromisso financeiro maior e nem todos irão se converter, muitos ficarão no meio do caminho entre não querer abrir mão das funções do modelo padrão e não terem o dinheiro extra para completarem.


Nos últimos anos quando uma plataforma Nintendo era lançada teria vendas de quase 18 milhões de unidades no ano, mas o Switch Lite teve vendas de apenas 6 milhões. Enquanto o Switch padrão vendeu mais que o Lite, 14 milhões. Ao invés de substituir o modelo padrão, o Lite está fazendo o Switch padrão parecer um negócio melhor e vender mais para algo em torno de 12 milhões de pessoas.

Bom, mas o que importa? Se for tudo Switch, não importa qual modelo fica com as vendas, certo? Não é bem assim. Um "portátil de verdade" teria como função expandir o mercado para jogadores que não são de console. Jogadores que não querem jogos grandes de console para jogar em qualquer lugar, mas querem jogos pequenos para sacar em momentos oportunos. Sem o apelo do Lite, a Nintendo perde essa capacidade de expansão.

Um analista famoso da Niko Partners, o Daniel Ahmad, comentou que a Nintendo atualmente é "completamente dependente do Switch" e que precisaria "focar em como expandir sua plataforma para 2021 e além", algo bastante semelhante ao que eu estou dizendo agora.

A Nintendo ainda não se encontrou nos projetos portáteis. O remake de The Legend of Zelda: Link's Awakening ficou caro demais para o consumidor, lado a lado com The Legend of Zelda: Breath of the Wild como se tivessem o mesmo valor. Pokémon que era um jogo de baixo custo para produzir teve que pular o equivalente a duas gerações e teve um desenvolvimento conturbado com resultados abaixo do nível de qualidade da franquia. No momento não há novos jogos portáteis anunciados para o console, mas isso pode mudar.


Fosse este um ano normal eu continuaria escrevendo sobre mais coisas, mas o que acontecerá com os videogames nos próximos meses tem bem pouca relação com sua qualidade e tudo a ver com coisas mais importantes no resto do mundo.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Review de Dead or School


Eu gosto de jogar jogos ruins. Não jogos ruins ruins, mas aqueles jogos que são ruins em alguns setores para se sobressaírem em outros. A indústria de jogos é permeada por jogos pretensiosos com visuais fotorrealistas e narrativas supostamente profundas que acreditam que isso garante enaltecimento automático, então constantemente eu me vejo procurando a antítese deles, jogos ruins que não têm bons gráficos, não têm boa história mas garantem que você vai se divertir.

Dito isso, uma jornada por jogos ruins que acabam sendo bons traz também muitos jogos ruins... ruins. Jogos ruins que não têm as qualidades redentoras que você esperava que os tornaria bons, então ficam sendo apenas.. ruins. Dead or School tenta ser um jogo ruim bom e falha, mas não chega a ser um jogo ruim ruim, o que o coloca em uma categoria que também não é tão interessante, o medíocre.

A história do jogo se passa em um futuro não tão distante no qual criaturas mutantes forçaram a humanidade a fugir para o subsolo, onde viveram por duas gerações. O jogador controla Hisako, uma menina da terceira geração criada no subterrâneo que possui grande força e começa a ter o desejo de retornar à superfície.


A principal motivação dela, no entanto, é bem ridícula. Hisako quer ser uma estudante e frequentar uma escola com amigos porque isso parece muito divertido, tudo graças a um uniforme de colegial guardado pela avó dela. A história ridícula quase funciona pra mim, mas ela me deu mais cringe do que eu gostaria. Ainda assim eu vou dar o benefício da dúvida de que ela é um ruim do tipo bom.

No quesito jogabilidade, no entanto, dá pra ver um certo amadorismo. Dead or School é um jogo independente, do tipo que a jogabilidade parece ter sido feita por uma única pessoa em qualidade e por muitas pessoas na falta de foco. A ação se desenrola lateralmente em fases com gráficos 3D, vulgarmente, 2.5D.

Você tem três tipos diferentes de ataque, com espada, com uma arma de fogo de médio porte e com uma arma de fogo de grande porte. Todos os ataques usam seu fôlego e você não pode simplesmente atacar sem parar ou a personagem fica cansada. Os golpes não parecem que encaixam e mesmo os tiros não têm peso, naquele estilo RPG onde só causam dano, sem real impacto.

O jogo tem vários sistemas e subsistemas, um em cima do outro, como se quantidade fosse torná-lo profundo. Cada arma pode ser melhorada, pode receber upgrades, têm uma árvore de habilidades própria, desviar de golpes no momento certo pode causar um momento de câmera lenta, se a personagem sofrer dano demais suas roupas se rasgam e seu poder de ataque aumenta em troca de baixa defesa e mais.


São tantas coisas acontecendo que você não consegue dominar nenhum desses sistemas e nem sentir o suficiente a influência de cada um deles na jogabilidade para se importar com algum deles. A jogabilidade parece uma colcha de retalhos, um amontoado de coisas incoerentes que acaba atrapalhando e deixando o jogo mais devagar porque você precisa investir muito mais tempo para entendê-lo.

Visualmente a aparência do jogo não é muito inspirada, parece um amontoado de recursos comprados em lojas da Unreal ou Unity. A personagem principal até é bacana e os inimigos têm um efeito legal de saltarem da frente da tela para a ação, porém os cenários são muito genéricos e de má qualidade. Se o resto do jogo fosse bom eles poderiam ser mais toleráveis como um conjunto consciente de sua própria baixa qualidade. A música foi onde senti que estava um pouco acima do resto do jogo e é até agradável.

Eu não gostei muito de Dead or School, mas apesar de tudo ele não é ruim. Seu preço atualmente é um pouco caro, mas em uma promoção dá pra se arriscar e ver se ele bate naquele exato ponto de equilíbrio de jogo ruim que é bom pra você individualmente, pois ele é um jogo popular com algumas pessoas. Eu esperava algo mais próximo da série Senran Kagura mas acabei com algo que se assemelha aos jogos independentes de Touhou.

Nota: 6/10

Review de Hidden Through Time


Hidden Through Time é um jogo de encontrar objetos, um pouco no estilo de "Onde está o Wally?", porém com várias coisas ao invés do famoso personagem. Não é um jogo muito ambicioso, ele se propõe a algo e realiza essa tarefa perfeitamente, o que me dá um certo dilema para analisá-lo já que o mesmo tempo ele faz tão bem seu trabalho mas não apresenta muita profundidade além disso. O jogo está disponível para PlayStation 4, Xbox One, Switch, PC, Mac e Android. A versão analisada foi a do PS4.

A parte "Through Time", "através do tempo" em português, é a grande sacada do jogo. O tema de cada fase é uma parte da história da raça humana, desde os tempos das cavernas até eras mais modernas. É divertido ver o mundo evoluindo ao seu redor e o conteúdo de épocas como Antigo Egito e revolução industrial são conteúdos fantásticos.


Ao início de cada fase você recebe uma lista de itens e cada um deles tem uma dica, próximo de uma charada, que indica onde você poderá encontrá-lo. Não é preciso encontrar todos os itens em uma fase para passar adiante, apenas alguns, porém para desbloquear fases futuras é preciso ter um certo número de itens. Caso o jogador não encontre todos os itens de primeira, pode voltar à fase posteriormente. O jogo também salva seu progresso o tempo todo, então é fácil parar de jogar e voltar depois.

Os cenários e animação são extremamente parecidos com os livros do Wally e isso significa também aquela dose de carisma que inclui ver várias situações engraçadas espalhadas pelo campo de busca que não tem necessariamente a ver com o que você está procurando. É possível também olhar dentro de construções com um clique que faz as paredes sumirem.

O visual é simpático, com personagens 2D estilo vetorial e com animações básicas. Houve alguns momentos em que senti lentidão, o que não é muito perdoável para um jogo 2D simples em um PlayStation 4, apesar de não atrapalhar muito. A música é tranquila e relaxante, algo necessário se você demorar muito em uma fase.


O jogo acaba rápido, mas é interessante para jogadores que gostam de troféus / conquistas já que dá pra se guiar por eles para ter algum conteúdo extra. Também há um modo de criação de mapas no qual você pode criar suas próprias fases com facilidade e também baixar fases de outros jogadores para jogar. Em teoria isso deveria estender muito a vida útil do jogo, mas não há muitos mapas bons para experimentar.

Eu me diverti bastante com Hidden Through Time, toda sua execução do que se propõe a fazer é perfeita, porém senti falta de um algo mais, mesmo que irrisório. Algo que talvez desse uma sensação de progressão, construção, algo que permitisse você sentir que além de vencer as fases estivesse fazendo algo mais como reconstruindo uma cidade ou criando um museu. Ainda assim só posso elogiá-lo e recomendá-lo para jogadores que gostam desse estilo.

Nota: 8,5/10

sábado, 7 de março de 2020

Kratos e o Navio de Teseu


Quando joguei o novo God of War de 2018 me lembrei como já falei aqui no blog que não o considero God of War. Isso porque tudo que tornava God of War um God of War foi removido e apenas usaram o nome do protagonista e o título em algo novo. Normalmente eu falo muito isso de franquias da Nintendo como "Super Mario Odyssey não é Mario" ou "Skyward Sword não é The Legend of Zelda", mas God of War é um exemplo ainda melhor. Me fez pensar como era um bom momento para explorar um exercício de filosofia: o Navio de Teseu.

Existe na filosofia esse exercício de pensamento sugerido pelo filósofo Plutarco na Grécia Antiga, com diversas variantes: Imagine o herói mitológico Teseu, conhecido por ter derrotado o minotauro, e que ele tem um navio. Então o Kratos o mata e rouba seu navio. Tá, isso não acontece no exercício original, mas a gente sabe que o Kratos faria isso. Após sua aventura, Teseu retorna para casa e é recebido com entusiasmo pelo povo. Eles ficam tão animados com sua história que decidem exibir o seu navio em um museu.

Há apenas um problema, uma das tábuas estava quebrada da aventura. Eles decidem então trocá-la por outra e exibir o navio normalmente. O navio permanece em exibição por anos e aos poucos as outras tábuas de madeira começam a apodrecer. Conforme é necessário elas vão sendo substituídas, aproximadamente uma por ano, até que depois de muitos anos nenhuma parte original do navio permaneceu. Resta então a pergunta: "Este ainda é o Navio de Teseu?" (ou do Kratos?). Normalmente a maioria concorda que não, então vem outra questão: "Quando deixou de ser?".

Essa pergunta levanta vários dilemas em torno do Navio, como um objeto, mas também sobre o conceito de identidade como um todo, inclusive de pessoas. Nós não somos a mesma pessoa durante toda a nossa vida. Nossas células morrem, são substituídas e de tempos em tempos não resta nada do nosso eu anterior. Então como nossa identidade se mantém através do tempo?


Se por um lado é uma pergunta antiquíssima, por outra é um dilema moderno que teremos que resolver se um dia quisermos ensinar a inteligências artificiais como determinar por conta própria o que são as coisas, como nomeá-las e diferenciá-las. Nós temos um certo conhecimento abstrato que não conseguimos explicar que nos diz quando uma coisa é uma coisa e quais características a definem, mas mesmo esse conhecimento nos falha às vezes. Por exemplo, cariocas e paulistas não conseguem chegar a um consenso sobre o que são bolachas e biscoitos.

Ao repararmos no cerne do dilema veremos que ela está em alta também na indústria de entretenimento como um todo com reboots de filmes clássicos, desenhos animados e filmes/séries de super-herói. Quando os personagens não são fiéis aos originais, eles ainda mantêm sua identidade? Sabemos que o Batman é o Batman, mas se ele vestisse um uniforme verde limão em um filme, o aceitaríamos como Batman? Temos um julgamento automático e abstrato de senso comum que nos faz saber o que é ou não o Batman.

Isso se estende a recente polêmica por inclusividade em Hollywood. Um personagem mantém sua identidade se tiver sua raça alterada? Seu gênero? Sua orientação sexual? Provavelmente há pessoas preconceituosas de verdade levantando a voz contra a diversidade, mas muitas reclamações sobre esse assunto são na verdade sobre "Transitividade de Identidade". Uma mudança, não diferente das tábuas de madeira do navio de Teseu, impede que a identidade de A seja transmitida para B.

Essa sensação estranha que sentimos quando a identidade de algo não passa por completo é o que Freud descreveu como "Unheimlich", uma palavra sem tradução mas que significa basicamente "estranheza", ou "uncanny" em inglês. É o mesmo conceito por trás do "Vale da estranheza" / "Uncanny Valley" que nos faz sentir aversão a coisas que parecem muito com humanos mas não chegam a ser humanos, como robôs ou modelos 3D de pessoas. O conceito está por trás também de Doppelgänger que se assemelham a alguém conhecido como no filme "Nós".


O "familiar porém estranho" causa essa sensação devido a uma dissonância cognitiva, quando recebemos ao mesmo tempo duas informações opostas de nossa mente, positiva e negativa, de que algo "É" e "Não é" ao mesmo tempo. Nosso cérebro recebesse uma mensagem de que "A é uma certa coisa" (ou está em um certo estado como "vivo" ou "morto", como na estranheza por robôs e zumbis) e ao mesmo tempo recebesse a mensagem que "A não é essa coisa". Então um God of War que não é God of War causa certa estranheza e até repulsa.

Vale ressaltar que não há uma resposta certa para o paradoxo do Navio de Teseu e provavelmente não vamos resolver os mistérios da alma humana hoje, mas os pensamentos desenvolvidos para esse exercício podem nos ser úteis para desvendar coisas mais simples. Por exemplo: "Quando jogos mudam toda a sua essência, ainda são o mesmo jogo?". Eu acredito que não.

Pequenas mudanças

A interpretação mais radical seria a dos fãs mais hardcore de jogos, filmes e outros produtos de entretenimento: "O Navio de Teseu deixa de ser o Navio de Teseu assim que a primeira placa de madeira é removida". Neste caso apenas a reprodução mais perfeita da identidade mais primordial de algo seria aceito. O próprio Plutarco no entanto rebate essa ideia.

O Navio de Teseu não deixa de ser o navio se apenas uma placa for substituída, assim como uma camisa não deixa de ser aquela camisa porque perdeu um botão. Um novo botão pode ser costurado nela sem alterar em nada sua identidade. Podemos perder uma parte do nosso corpo, colocar uma prótese e ainda sermos a mesma pessoa. Plutarco concluiu: "Objetos sobrevivem a pequenas mudanças".


Há um problema aqui no que se refere a "pequeno", pois é um termo abstrato. O botão não é "pequeno" porque representa apenas 1% da camisa ou porque mede 1 cm. Se esta fosse uma famosa camisa de botões de marfim, perder um botão afetaria sua identidade. Tem algo a ver com a relevância da mudança. Novamente, relevância é algo abstrato.

Nós sentimos relevância, mas cada um sente de uma maneira diferente. Acredito que todos concordariam que se Robert Downney Jr. tivesse sido trocado em Homem de Ferro 2, seria uma mudança relevante. Porém se eu tentasse dizer que trocar o ator que fazia o Máquina de Combate por Don Cheadle estragou o filme, duvido que alguém me daria atenção. Até porque a maioria das pessoas pensava que era o Cuba Gooding Jr. no primeiro filme. Não é, o ator se chama Terrence Howard, pode pesquisar.

Em outras palavras, o que é "pequeno" para uma pessoa, pode não ser pequeno para outra. Eu gosto dos meus personagens bem fiéis aos seus conceitos primordiais para que transpareçam suas nuances, algo que muitas vezes se perde em adaptações. No entanto focar apenas no que eu gosto ou o que eu quero, serve apenas pra mim. Só podemos descobrir o que é de fato relevante se descobrirmos o que é relevante para muitas pessoas. Filmes da Marvel são um bom exemplo onde várias concessões são feitas mas muitas vezes a identidade dos personagens originais ainda está lá.


Eu não acredito que The Legend of Zelda perdeu sua identidade quando Link deixou de ser canhoto em The Legend of Zelda: Twilight Princess para o Nintendo Wii, era uma mudança pequena. Eu acho no entanto que ele perdeu sua identidade quando seus jogos pararam de ser sobre se aventurar e começaram a ser sobre side quests, ficar falando com pessoas e tentando descobrir como resolver seus problemas mundanos.

Todos ficaram satisfeitos quando a série voltou as suas raízes com Breath of the Wild, isso significa que essas mudanças eram relevantes para um grande grupo de jogadores. Acredito que nesse pensamento tenhamos uma das chaves para resolver o problema do navio em relação a mudanças nos jogos. Guarde-o para mais tarde.

Dois navios

Digamos que todas as tábuas foram substituídas. Neste caso acho que a maioria concorda que este não é mais o Navio de Teseu. Mas quando isso aconteceu? Quando ele deixou de ser? No exato momento quando a última tábua foi substituída? Porém quando a última tábua é substituída ele não é tão diferente de como estava uma tábua atrás. Sua identidade se agarrou a uma única tábua? Quando mais da metade das tábuas foram trocadas?  Quando trocaram um terço? Entre duas a quatro? Trinta e sete? Não há uma resposta concreta para isso.

Então o filósofo inglês Thomas Hobbes decidiu complicar ainda mais o paradoxo. Imagine que as placas de madeira do Navio de Teseu não estavam apodrecendo, elas apenas estavam sendo substituídas ano a ano. Todos os anos uma tábua do navio era removida e uma nova tábua era colocada em seu lugar. Enquanto isso as tábuas velhas eram passadas para uma outra armação e lentamente formavam outra embarcação igual à original.

Então este novo barco que recebeu todas as tábuas do Navio de Teseu é o Navio de Teseu? Quando se tornou? Os dois são o Navio de Teseu? Nenhum deles? Essa vertente sobre a troca de tábuas entre dois navios nos ajuda a entender que não dá pra dizer por exemplo que o navio de Teseu deixa de sê-lo ao perder metade das tábuas, pois em dado momento ficaríamos ilogicamente com dois navios, quando ambos tivessem metade das tábuas.


Essa segunda interpretação criada por Hobbes diz: "Um objeto vai para onde suas partes vão". Porém essa interpretação também não soa correta já que identidade parece vir de algo mais do que apenas uma soma de todas as partes. Normalmente videogames mantêm seus títulos e personagens, como é o caso de God of War e Kratos, mas não necessariamente suas identidades.

Quando uma franquia de jogos deixa de parecer aquela franquia específica? Para algumas pessoas se o personagem e o nome estão lá, está valendo. Afinal o jogo é daquela companhia, ela faz o que quiser com ele. No entanto, a Nintendo poderia colocar Mario em um FPS com uma pistola e chamar de Super Mario World 3? Ele não seria reconhecido como um jogo de Mario apesar do título e do personagem. Assim como Super Mario World 2: Yoshi's Island não é lembrado como a sequência de Super Mario World mas como um jogo do Yoshi.

Sabemos que o novo God of War tem Kratos, mas há tantas outras coisas que não foram passadas dos antigos God of War para o novo que ele parece apenas uma única tábua de madeira que restou. Sua personalidade não é a mesma, a jogabilidade não é a mesma, seu estilo de jogo não é o mesmo e assim por diante. Qual God of War é realmente God of War? Os originais de ação ou este novo de aventura? Assim como o navio, não podem haver dois God of War atrelados ao mesmo título.

Se pegarmos toda a jogabilidade de um jogo e colocarmos em outro título e personagem, como em sucessores espirituais, ele é o mesmo jogo? Bloodstained parece Castlevania. Mighty No. 9 não parece Mega Man. Yooka-Laylee não parece Banjo-Kazooie... mas Banjo-Kazooie: Nus & Bolts também não. Bomberman Act Zero definitivamente não parece Bomberman. Wreckfest é praticamente FlatOut sem o título, talvez porque carros não são personagens?


Não temos uma resposta para isso e acredito que muitas vezes nos iludiríamos a julgar pela qualidade. Bloodstained poderia ser Castlevania porque é bom, mas Mighty No. 9 não poderia ser Mega Man porque não é tão bom. Porém tanto Castlevania quanto Mega Man já tiveram jogos ruins e isso nunca fez ninguém questionar sua identidade a ponto de serem excluídos da série.

Dizemos que é um "jogo ruim de Castlevania" ou um "jogo ruim de Mega Man", mas nunca "não é Castlevania" ou "não é Mega Man" para jogos ruins. A perda de identidade não tem a ver com a qualidade como âncora e temos que resistir a usá-la como tal.


Já te contei a definição de identidade?

Uma coisa que eu sempre falo é que Mario não era Mario antes de ser Mario. O personagem apareceu em jogos como Donkey Kong, Mario Bros. e Wrecking Crew, mas nada daquilo ainda era Mario. Mario passou a ser "Mario" quando Super Mario Bros. fez um sucesso estrondoso. Aquilo passou a ser Mario porque foi como a grande maioria do público conheceu o personagem. Ninguém diria que Mario perdeu sua identidade em Super Mario Bros. porque não tinha a marreta de Donkey Kong ou porque agora pulava em cima das tartarugas ao invés de bater no chão embaixo delas.


Então a Nintendo nos propõe um desafio com Super Mario Bros. 2 nos Estados Unidos, uma versão editada do jogo japonês Doki Doki Panic com Mario inserido no lugar do protagonista, pulando mal e tirando legumes do chão para matar inimigos. Aceitamos Super Mario Bros. 2 como Mario? Apesar de tecnicamente não o ser em seu cerne?

The Legend of Zelda 2: Adventure of Link é totalmente diferente do primeiro jogo, o aceitamos como The Legend of Zelda? Talvez esse último seja o caso que mais se assemelha a God of War, uma mudança completa da jogabilidade. Porém a identidade de explorar e se aventurar parece ter sido mantida em The Legend of Zelda 2 enquanto eu acredito que a identidade de God of War se perdeu.

Saber se um jogo, ou qualquer outra coisa, mantém sua identidade parece passar por como definimos a identidade em primeiro lugar. A identidade não está diretamente atrelada ao personagem ou título. Em jogos uma boa parte para estar relacionada à jogabilidade, mas arrisco dizer que o elemento principal é: a identidade de um jogo é o que a maior parte de seu público considera como sua identidade. Essa interpretação por sua vez passa necessariamente por como o jogo ficou popular.

Quando Super Mario Bros. ficou popular ele era um jogo sobre andar por fases para chegar ao final, comer cogumelos e salvar a princesa. Não era como Donkey Kong, Mario Bros. ou Wrecking Crew. Mario continuou fazendo basicamente as mesmas coisas até Super Mario World com pequenas mudanças e sem ter sua identidade questionada. Em Super Mario 64 porém de repente seu objetivo não era mais atravessar fases nem comer cogumelos. O desafio agora era resolver quebra-cabeças para ganhar estrelas.


Muitas pessoas sentiram que aquele não era o mesmo Mario que elas conheciam, quem conseguia jogar ele em 2D muitas vezes não conseguia jogá-lo em 3D, não entendia os objetivos, não se adaptava aos seus controles, não sentia prazer na sua jogabilidade. Para essas pessoas a identidade de Mario não passou para o jogo. Esse problema nunca aconteceu com Mario Kart que sempre foi o mesmo desde o Super Nintendo e nunca teve um momento em que as pessoas disseram "Isso não é Mario Kart".

Enquanto Mario Kart cada vez vendia mais em cada plataforma, a série Super Mario principal caiu em vendas. Jogadores pediam pelo retorno de Mario em 2D e quando isso aconteceu, com New Super Mario Bros para Nintendo DS e New Super Mario Bros. Wii para o Nintendo Wii, eles venderam muito mais do que Mario em 3D. Foram 30 milhões de unidades cada, enquanto Super Mario Odyssey chegou à metade disso. Há 15 milhões de pessoas que compraram um desses jogos e que não compram o outro.

Isso significa que uma franquia de jogos nunca pode mudar? Não é isso que estamos falando. Essa mudança porém precisa vir acompanhada da maioria de seu público já existente ou conquistar um novo público ainda maior, como aconteceu com Fire Emblem. Se uma franquia mudar para formas em que cada vez tem menos público, irá rumar para sua própria auto-destruição.

Qu4tro Causas

Ao trabalhar com a definição de coisas, Aristóteles definiu 4 "causas", que são na verdade como "explicações para o ser", pois não é o mesmo uso tradicional da palavra "causa" em nosso idioma. Elas eram: Formal (Eidos), Material (Hyle), Agente/Eficiente (Kinoun) e Fim/Final/Propósito (Telos). As duas primeiras acredito que não nos servem por serem mais voltadas para objetos físicos.


A Causa Formal significaria que definimos uma coisa pelo seu formato, como as mesmas tábuas de madeira organizadas de uma certa maneira são um navio, mas organizadas de uma maneira diferente podem ser uma casa. Poderíamos tentar esticar esse conceito para significar o design do jogo, a forma do jogo em si.

Se considerássemos a Causa Formal como a forma abstrata que os elementos de um jogo são organizados para formar um jogo de ação, de aventura, de RPG, talvez pudesse haver algum significado. No entanto acho que essa ideia é um tanto quanto frágil para colocarmos muito peso em cima dela. É algo interessante de se pensar, mas não nos levaria onde queremos.

A Causa Material é propriamente a matéria-prima de algo, por exemplo, um objeto que identificamos pelo material do qual ele é feito. Acho que para videogames o "material" significa que a sequência de um jogo de videogame precisa ser necessariamente um jogo de videogame, não poderia ser um jogo de tabuleiro ou qualquer outra coisa. Não é algo que se aplique no que estamos pensando. Agora vamos para as causas que realmente importam.

A causa Agente ou Eficiente seria quem criou o objeto e como. Aqui temos menos uma questão autoral e mais uma questão de transformação. Quem transformou aquela matéria-prima em um objeto? No God of War original foi David Jaffe com a equipe da Sony Santa Monica, enquanto o novo jogo foi Cory Balrog com o mesmo estúdio, porém com algumas pessoas diferentes obviamente. Segundo Aristóteles, duas coisas não poderiam ser a mesma coisa se fossem feitas por pessoas diferentes ou métodos diferentes.


Isso não deixa de ser uma resposta, porém talvez não seja satisfatória para nós. Por essa ideia apenas os desenvolvedores originais de um jogo e uma mesma equipe poderiam de fato passar a identidade dele para outro, mas não é o que vemos na prática. The Legend of Zelda: Breath of the Wild recebe perfeitamente a identidade de The Legend of Zelda sem seu autor, Bloodstained recebe a identidade de Castlevania com o autor mas com outra equipe.

Por mais que seja tentador ver exemplos de pessoas que não são os criadores das séries desvirtuando-as, como Cory Balrog em God of War, Eiji Aonuma assassinando a série com The Legend of Zelda: Skyward Sword ou Kenta Motokura criando algo que não é Mario em Super Mario Odyssey, parece difícil atrelar uma série inteira a apenas um autor.

Isso significaria que os novos Star Wars não são Star Wars porque não tem George Lucas e eu acredito que muitas pessoas sentiriam que isso é verdade, mas provavelmente por pensarem na qualidade do produto final e não realmente na identidade dele. Apenas lembrem-se que os Episódios 1, 2 e 3 também não foram muito bons e foram feitos por George Lucas. Eu não descarto completamente a possibilidade de o autor definir a identidade, mas vamos tentar não nos ater a essa resposta.

Agora a causa realmente interessante para nós: a Causa Final, Fim ou Propósito. Esta causa é simplesmente com que propósito aquela coisa foi feita. Claro que poderíamos presumir que jogos são feitos para divertir e terminar por aqui mesmo em um belo mundo de arco-íris no qual desde que um jogo seja "bom" e "divirta" ele faz parte de uma mesma série. No entanto existe um nível mais profundo de propósito nos jogos.


Cada tipo de jogo diferente exerce um tipo de trabalho diferente e mata uma fome diferente do jogador. Às vezes você quer uma refeição completa, às vezes algo para beliscar, outrora está com vontade de um doce. Cada jogo é feito para preencher uma sensação específica. Por isso muitas vezes jogos que são genéricos, repetitivos e anuais ainda fazem sucesso, pois podem oferecer uma experiência confortável e sem riscos para momentos em que não queremos nada pesado, como um mingau da Ubisoft.

Se pensarmos sobre o propósito dos jogos, de repente fica muito óbvia a diferença entre o God of War original e o novo God of War. Um é um jogo de extrema ação e violência, uma catarse selvagem do dia a dia pacato para despertar instintos primitivos. O outro é uma jornada focada na história, feita para fazer o jogador pensar e sentir-se como os personagens dessa história, com ação inserida apenas como conflito ocasional.

Ambos os jogos têm propósitos completamente diferentes, despertam sensações totalmente distintas, oferecem experiências que são praticamente dois jogos diferentes. O mesmo pode ser dito entre The Legend of Zelda: Breath of the Wild e The Legend of Zelda: Skyward Sword ou Super Mario Odyssey e New Super Mario Bros. Wii ou Super Mario 3D Land.

As analogias constantes com comida ao falar de jogos é porque todos nós sofremos de uma questão muito simples: fome. Quando não temos um certo tipo de jogo para jogar, ficamos com fome daquele jogo. Se uma empresa para de fazer um tipo de jogo ficamos famintos durante anos até outro surgir para tomar seu lugar.


Por mais que tentem dizer que o novo God of War é God of War, ele não mata a fome de quem jogava as versões antigas de God of War. Isso também vale para vários outros jogos que falamos aqui. Acredito que essa é a segunda chave para resolvermos essa questão, a fome deixada por jogos que abandonam seu propósito.

You got the Big Key

Como pudemos ver, em produtos de entretenimento, e especificamente em jogos, há dois pontos essenciais para que ocorra a transitividade de identidade, para que muitas pessoas considerem algo novo como uma nova versão ou novo capítulo de algo já existente. Nos distanciamos aqui da questão filosófica para tentar entender o que o público entende de maneira abstrata como um produto fazendo parte de uma franquia.

Primeiro: Aceitação. É preciso que um público igual ou superior ao da franquia original considere esse novo produto como parte da série original, normalmente atrelado a vendas. O novo God of War vendeu mais do que o primeiro jogo, então por essa lógica God of War agora é isso, um jogo focado na história que explora os sentimentos de paternidade de Kratos e seu filho chamado "Boooy".


No entanto faltaria o segundo elemento: Propósito. Para sabermos se uma nova direção foi realmente aceita temos que considerar as pessoas que começarão a ter fome pelo que aquele produto costumava representar e saciar, quantas clamarão por um retorno às origens daquele produto conforme essa fome aumentar. Hoje vemos isso com Star Wars, no qual dois episódios da nova trilogia foram basicamente um retorno aos moldes originais porque o público não aceitou as mudanças feitas como Star Wars.

Se nos próximos anos o novo God of War saciar completamente o público do antigo de forma que essas pessoas nunca mais peçam por um retorno ao que Kratos era antes, ele passa a se tornar o novo God of War. Pessoalmente eu prefiro o Kratos original, assim como prefiro os Fire Emblem clássicos, mas a questão é o que o grande público decidirá como a identidade daquela série.

Existe mais uma interpretação para o Navio de Teseu... mas já está tarde, vamos falar disso em um futuro artigo sobre nostalgia.

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terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Review sem spoilers de Star Wars: A Ascensão Skywalker


Star Wars: A Ascensão Skywalker é o capítulo final da nova trilogia de Star Wars e também da saga como um todo desde o Episódio 1 ou os originais dos anos 70 dependendo de como você conta. Apesar de alguns tropeços pelo caminho a conclusão é incrivelmente sólida e prazerosa e garante que Star Wars não tenha ficado estragado daqui para frente, apesar de também não fazer nada de novo.

Houve um claro problema de planejamento na nova trilogia de Star Wars composta pelos episódios 7, 8 e 9. Deixaram os diretores soltos demais para inventarem o que quisessem e no final não há uma narrativa coesa através dos três filmes. Apesar disso as coisas funcionam surpreendentemente bem e eu tenho que bater palmas pro diretor dos episódios 7 e 9, J.J. Abrams, que conseguiu soluções criativas para manter um final satisfatório.

A história se passa algum tempo após o Episódio 8, quando praticamente toda a Resistência foi destruída no filme anterior, Luke Skywalker está morto e uma das grandes novidades é que o imperador Palpatine, vilão de todos os outros filmes até agora, está vivo. Acredito que alguém poderia considerar isso um spoiler, mas está nos trailers e é a primeira frase do filme.

Isso muda a dinâmica do filme da Resistência contra a Primeira Ordem e Rey contra Kylo Ren para simplesmente Rey contra Palpatine. Assim como o episódio 7 era extremamente baseado no episódio 4 agora o 9 é muito próximo do 6. A Resistência ainda existe e parece que vai ter um papel grande mas no fundo tudo se resume ao duelo entre o mocinho e o vilão.


Um grande problema da nova trilogia é que praticamente nenhum personagem tem um arco satisfatório. Rey não consegue carregar o manto do herói, Poe é empurrado vergonhosamente como um novo Han Solo apesar de não ser e Finn não chega a lugar nenhum enquanto seu romance com Rose no filme anterior e a própria Rose são totalmente ignorados. Apenas Kylo Ren é um personagem realmente interessante através dos filmes e surpreende após parecer apenas uma versão genérica de Darth Vader.

O que segura o filme são os fortes alicerces da trilogia original. Sempre que um dos personagens clássicos está em cena o filme fica melhor. A princesa Leia aparece bastante no filme apesar da morte da atriz Carrie Fisher e não só convence como nos faz acreditar que ela estava presente gravando na maioria das cenas.

Quando o Episódio 9 começou eu tinha um limite bem claro, não podia morrer mais ninguém da trilogia original, porque essa nova trilogia não tinha ganhado o direito de matar esses personagens. Após algum tempo de filme eu estava satisfeito o bastante com os esforços para deixar que um ou outro personagem se fosse caso necessário.

Como muitos críticos já falaram, o filme perde um bom tempo desfazendo o que foi feito no Episódio 8, que ficou como um Homem de Ferro 3 na trilogia, quando Tony Stark destrói todas as suas armaduras e ainda assim volta logo depois como se nada tivesse acontecido. Isso aumenta a duração do filme não de uma forma prazerosa, mas é compensado com um pouco de ação. Há momentos em que há muita ação e eu senti que ela estava cobrindo uma falta de história.


Diferente de muitos, eu gostei do Episódio 8 e acho que ele quebrou expectativas da única forma que se poderia fazer atualmente. Seria impossível puxar um arco como o dos Episódios 5 e 6 com a revelação de que Darth Vader era o pai de Luke e depois ainda ter uma conclusão satisfatória nesses tempos de hiper informação.

Quando no Episódio 5 Han Solo é preso em carbonita, Luke é derrotado por Darth Vader e Leia é revelada sua irmã, não sabemos por qual caminho o Episódio 6 irá. No entanto assim que Vingadores: Guerra Infinita acabou já sabíamos que aqueles personagens teriam que voltar de alguma forma e viagem no tempo parecia a opção mais óbvia. O fato de que o Episódio 8 foi tão diferente nos fez não saber o que esperar do 9.

Dá pra sentir essa segurança extremamente formulaica da Disney no filme que também atinge os filmes da Marvel, uma cerca ao redor do perigo pra ninguém cair e que faz com que poucos riscos sejam tomados com a história e seus personagens. Porém, assim como nos filmes da Marvel, é algo que funciona e entrega um produto sólido de entretenimento. O único problema é que saímos do cinema com a impressão que não vimos nada novo.

Enquanto para a Marvel eu espero que os filmes tragam mais riscos no futuro por estarem no topo, Star Wars não estava tão saudável assim. Eu me lembro de como a trilogia das prequels com os Episódios 1, 2 e 3 foi decepcionante e essa nova trilogia ao menos não foi isso. Mais do que tudo, ela garantiu que Star Wars não estivesse estragado e nem com um gosto amargo intragável. Daqui pra frente poderemos curtir séries baseadas nesse universo sem estar chateados com os filmes.


O único problema realmente grande é a falta de uma narrativa maior, algo que indicasse um caminho evolutivo para a franquia. Star Wars continua com a mesma dinâmica como um todo. O mal surge, então surge também o bem para enfrentá-lo, de uma forma que o universo sempre esteja em equilíbrio. Essa natureza cíclica da Força e dos filmes não é explorada.

Seria muito mais fácil encarar que a nova trilogia é parecida com a clássica por um motivo maior, porque a história é cíclica e então esse ciclo seria quebrado para ir a um lugar novo da próxima vez. Ao invés disso, sem riscos eles apenas nos contam a mesma história que estamos acostumados. Uma boa história, porém sem surpresas.