No artigo "Por que o Ouya vai falhar", mencionei um fenômeno que batizei de surgimento de Consoles-Messias, aparelhos que as pessoas estão escolhendo como salvadores da indústria de jogos, como o próprio Ouya, o Steam Box, o Shield, e assim por diante, pois já sentem que estamos à beira de um colapso.
Porém, esse fenômeno não está se limitando apenas a consoles. Jogadores hardcore estão se agarrando a tudo que podem como se fosse sua salvação, inclusive jogos. Isso por sua vez está criando uma nova tendência na indústria, os Jogos-Messias, que tão perigosos quanto um falso profeta, não garantirão salvação pra ninguém.
Muitos dos jogos lançados hoje são ruins e o público hardcore está começando a admitir isso, porém com ressalvas. Não é difícil ouvir em uma conversa: "É verdade, a maioria dos jogos atuais é ruim. Mas você jogou o novo Tomb Raider?", o mesmo poderia ser dito de títulos como Dishonored, Far Cry 3, Bioshock Infinite, entre outros.
Isso levanta uma questão. Esses jogos são verdadeiramente bons ou os jogadores estão apenas se apegando a eles pois são tudo que têm? A resposta infelizmente é a mais pessimista e apesar de serem jogos até bacanas é preciso admitir que eles não podem salvar a indústria, e no fundo, nem estão tentando.
2 anos atrás, o maior fenômeno do mundo dos jogos era o lançamento de um novo Call of Duty, porém Black Ops 2 foi um dos mais criticados nesse último ano (com razão), se saindo pior que seu antecessor. Isso deixou um vácuo, não para a ascensão de um concorrente, mas para uma sensação de medo, uma possibilidade de declínio no mercado.
Que a indústria está em crise nós já sabemos faz tempo, mas muitas produtoras não acreditavam e arrotavam números de vendas. Foi necessário que elas vissem um de seus maiores termômetros de mercado indicando queda, precisaram ter medo de que elas sejam as próximas. Se mais um Call of Duty for lançado e mostrar declínio, haverá pânico.
Porque isso significa que eles não podem mais seguir o exemplo de Call of Duty, pois está parando de dar certo. Esse medo poderia ser uma coisa boa se levasse empresas a repensarem seus métodos, mas naquela velha preguiça, tomam a seguinte decisão: "Vamos procurar outra coisa que esteja dando certo e seguir atrás".
Para cada jogo lançado que fizer sucesso, no ano seguinte surgirão títulos semelhantes para se aproveitar desse público. Normalmente inspirar clones é bom, uma indústria saudável tem clones pois desperta interesse, é um sinal muito pior quando não há clones e não há interesse.
No entanto, o que estamos vendo aqui é uma praga de gafanhotos, insaciavelmente se movendo de plantação em plantação. The Elder Scrolls V: Skyrim, foi uma das coisas mais certas que a indústria produziu nos últimos anos e ao inspirar clones, ele semeia a possibilidade de novos bons jogos, aumenta o interesse do público, gera uma infinidade de efeitos positivos, como bons jogos sempre fazem.
Mas isso não quer dizer que Skyrim seja perfeito, quando muito é uma vela na escuridão de quem há muito esqueceu o que é o Sol. O design de Skyrim é superior ao de The Legend of Zelda: Skyward Sword? Sim, infinitamente superior. Mas esse mesmo design é superior ao The Legend of Zelda original do Nintendo 8 bits? Não, tem algo faltando (ou tem algo demais), assim como sempre houve algo faltando nos jogos ocidentais em relação aos orientais durante os anos 80~90.
Na ausência desse algo especial, títulos como Skyrim emulam o que sentíamos antigamente, mas ainda não é o que os jogos deveriam ser. Enquanto Skyrim é realmente bom e as pessoas continuam falando dele mesmo um ano e meio após seu lançamento, um Jogo-Messias tem prazo de validade de poucas semanas.
Quando Batman: Arkham City foi lançado, recebeu notas altíssimas, foi extremamente aclamado pelo público e pela crítica como vastamente superior a seu antecessor, Batman: Arkham Asylum. Ele era aclamado como se fosse um jogo incrível, perfeito, que negava as previsões pessimistas de declínio da indústria, pois havia aumentado o interesse dos jogadores.
Um mês depois, ninguém falava mais de Arkham City. Quando isso aconteceu, achei estranho, pois pensei que o jogo realmente estivesse bom. Joguei por conta própria e vi que muita coisa não estava legal. Porém, o curioso foi quando esse evento começou a se repetir.
No lançamento de Dishonored, as pessoas aclamaram as inúmeras possibilidades de como realizar seus objetivos e começaram a dizer como o jogo era incrível por isso. Dishonored levou notas altíssimas e até ganhou alguns prêmios. Um mês depois? Nada mais se falava dele. Far Cry 3? A mesma coisa.
Isso lembra muito o que ocorreu no início da geração, quando Grand Theft Auto 4 levou muitas notas perfeitas, porém os jogadores não acharam que o título realmente havia dado um grande salto de qualidade em relação a seus antecessores, mas pareciam até mesmo envergonhados de falar, pois o nível de produção do título era altíssimo.
Por que isso ocorre? Porque ao começar um Jogo-Messias os jogadores ficam encantados por um único elemento bem feito, uma única fagulha de valores clássicos em títulos que não têm qualquer interesse em resgatarem esses valores. Em Dishonored por exemplo, era a grande liberdade de escolha.
Porém, logo essa fagulha é apagada, soterrada pelos mesmos problemas de sempre que estão assolando os jogos nessas últimas gerações. O que os jogadores hardcore fazem? Eles comentam que os jogos os decepcionaram? Não, eles param naturalmente de falar sobre os jogos, os abandonam sem terminar e então procuram o próximo Jogo-Messias.
Como esses jogos fazem algo certo, um pensamento positivo poderia imaginar que eles se tratam do começo de uma revitalização da indústria, afinal é só ir melhorando pouco a pouco, subindo uma escada. Mas os Jogos-Messias não têm interesse realmente em melhorar, pois para eles já basta ser apenas um clone de algo que funciona.
Esses jogos precisam de apenas um único elemento de seu design feito certo, um chamariz (a Nintendo vem tentando fazer isso com elementos nostálgicos em seus jogos). Ao invés de cada jogo providenciar um degrau acima na escada de evolução, ele apenas coloca um degrau do lado do outro, cada vez utilizando um novo chamariz, nos fazendo andar em círculos.
O maior problema é que Jogos-Messias, mesmo com toda sua aclamação inicial de crítica e público, continuam com os mesmos problemas que os jogos enfrentaram antes. Estão dando prejuízo, pois são muito caros e não vendem a longo prazo.
Como dito antes, na época de GTA 4 já havia uma tendência pela aclamação de Jogos-Messias, porém, ela foi repelida pela ascensão do Nintendo Wii, que mostrou uma versão diferente de salvação, com jogos de baixo custo e alto sucesso com o público casual. E agora, não coincidentemente, com o abandono do Wii, eles estão de volta.
Os jogos do Nintendo Wii, que os jogadores hardcore classificavam como lixo, faziam grande sucesso, vendiam bem e vendiam por longos períodos de tempo. Ou seja, esta sim era a real salvação da indústria: Repensar, mudar seu jeito de fazer as coisas, resgatar valores antigos.
Ironicamente, quando surgiu o verdadeiro Messias da indústria de jogos, ele acabou sendo crucificado.