segunda-feira, 2 de março de 2020

Precificação: Onde Nintendo e Sony estão errando


Um dia desse estava vendo uma discussão sobre jogos da família PlayStation vs jogos da Nintendo e sobre como os preços caem rapidamente no PlayStation mas não na Nintendo, logo isso deveria ser um sinal de valor e qualidade. Um detalhe que não estava na conversa mas incluo também aqui é a questão do Steam e suas promoções com descontos vertiginosos. Uma coisa curiosa é que ambos naquela conversa estavam errados, mas por motivos diferentes.

A questão aqui começa sobre duas coisas: Valor e Preço. Parecem a mesma coisa mas são diferentes. Valor é uma mistura entre o que o seu produto oferece de concreto, e a percepção abstrata que o público tem de quanto ele vale. Já preço é o valor monetário, ou seja, puramente concreto, que você está pedindo pelo seu produto. Se o valor supera o preço, é um bom negócio, se o preço supera o valor, achamos que algo está caro e não vale a pena gastar aquele dinheiro.

Preços na Sony

A Sony, Microsoft e a maioria das Third Parties utiliza um sistema de preço chamado Price Skimming, o qual é basicamente um sistema de camadas de cebola. Inicialmente um jogo é lançado por US$ 60 que é aproximadamente o máximo que o público está disposto a pagar em um lançamento, e desde o seu lançamento seu preço vai baixando, seja natural ou artificialmente, com o intuito de pegar novos consumidores que não pagariam os US$ 60 iniciais, tanto por não verem qualidade quanto por limitações financeiras.

De cara não é difícil perceber o quanto Price Skimming é anti-ético. Se cobra mais de quem dá mais valor ao produto, seus fãs mais fiéis. Os consumidores que veem mais valor no seu jogo são punidos com preços mais altos, enquanto os que acham que seu jogo não vale tudo isso recebem descontos posteriormente. Não é um modelo justo e nem desejável porque nesse molde seus fãs são explorados e muitas vezes se sentem enganados quando veem o quanto o produto caiu de preço depois.


O processo de queda de preço como um todo afeta a percepção de valor do jogo. Se já é esperado que o preço caia logo em seguida nos próximos meses, cada vez mais pessoas esperam para comprá-lo com o desconto. O próprio presidente da Nintendo, Satoru Iwata, falou sobre isso uma vez ao discutir precificação do Wii e DS, sobre a qual falaremos depois.

Mesmo quando é um bom jogo, mas o preço cai, diminui-se a percepção de valor dele e presume-se que ele não é tão bom quanto um jogo cujo preço não caiu. Até mesmo vemos casos em que isso é completamente verdadeiro como no caso de bombas como Anthem e Jump Force. Como não estavam vendendo bem, rapidamente seu preço caiu para tentar não encalhar o estoque. Normalmente quanto mais próximo do lançamento vem o corte de preço, pior é o jogo.

Preços na Nintendo

Então, Price Skimming é ruim porque o preço cai e os consumidores se sentem enganados, certo? Aí temos a Nintendo com jogos que lançam a US$ 60 e... ficam nesse preço quase que permanentemente... e também está errado. Até o GameCube a Nintendo fazia Price Skimming também. Praticamente bastava um jogo vender mais de 1 milhão para ela lançar uma versão de baixo custo em sua linha "Player's Choice" que custava apenas US$ 20. Era muito mais fácil comprar jogos da Nintendo naquela época e o GameCube era uma boa opção como segundo console.

Então veio o Nintendo Wii e o Nintendo DS liderados por Satoru Iwata e "A Estratégia do Oceano Azul", sobre a qual já falamos extensivamente aqui no blog em diversas ocasiões. Existem alguns pontos simples nessa estratégia que falam sobre "Valor excepcional", encontrar algo que gere uma percepção de valor incrivelmente alta, e não abaixar seus preços nunca pois queda de preço equivale a perda de valor.

Preço de banana, sacou?

Os jogos do Nintendo Wii e Nintendo DS não caíam de preço, eles ficavam no mesmo preço durante praticamente toda a sua vida. Havia uma percepção de valor alta sobre eles, então as pessoas não se incomodavam tanto de pagar muito. Este modelo é desejável e rentável, porém apenas se você estiver seguindo à risca "A Estratégia do Oceano Azul", algo que a Nintendo parou de seguir um pouco depois da metade da vida do Wii.

Por exemplo, como em um produto de "Valor Excepcional" a relação entre valor e preço pende mais pelo abstrato e o preço não será reduzido após o lançamento, você precisa pensar melhor no preço de lançamento. Um jogo como Arms que não tem o mesmo nível de produção de um The Legend of Zelda não deveria ser vendido pelos mesmos US$ 60.

Na época do Wii e DS a Nintendo entendia isso, mesmo que aplicasse pouco. Alguns jogos saíam mais baratos como Endless Ocean e Brain Age, mas a maioria ainda mantinha o preço de lançamento. Vale lembrar que na época esse preço de lançamento no Wii ainda era US$ 50 enquanto todas as outras empresas já haviam subido seu preço para US$ 60.

Este modelo de preços que não caem é muito lucrativo para a empresa, porém ele exige necessariamente que você meça os seus preços de lançamento ou então começará a rumar para um caminho elitista onde as pessoas se esforçam para pagar em troca da suposta alta qualidade, pela marca atrelada ao produto, não tão diferente da Apple.


Dá pra ver exatamente quando a Nintendo abandonou a Estratégia do Oceano Azul no Wii pois foi quando eles lançaram a linha "Nintendo Selects", jogos de Wii mais baratos. Porém não foi uma boa ideia manter a política de não baixar preços em produtos de oceano vermelho como o Wii U, 3DS e Switch, pois isso está deixando os jogos da Nintendo muito caros. Muitos fãs da Nintendo atualmente reproduzem o mesmo discurso que fãs da Apple e têm uma lealdade quase elitista à marca.

Preços na Microsoft e Game Pass

Assim como a Sony, a Microsoft e as Third Parties no seu console praticam Price Skimming e já falei tudo sobre isso acima. No entanto, há um outro modelo de preços no Xbox em alta e que precisamos muito falar sobre, o Xbox Game Pass. Por uma assinatura mensal jogadores podem jogar mais de 200 jogos em uma espécie de Netflix de games.

A assinatura custa US$ 9,99, por mais de 200 jogos que nas lojas são vendidos por US$ 60 quando são lançamentos e US$ 30 e US$ 20 quando são remakes ou jogos independentes. Essa conta simplesmente não fecha. Não se sabe exatamente quanto a Microsoft está pagando aos desenvolvedores, está tudo bem escondido.

Alguns desenvolvedores já comentaram que é feito um pagamento adiantado baseado no que a Microsoft acha que o jogo vale, semelhante aos acordos de exclusividade da Epic Games Store. Não sabemos se é de fato o caso, mas parece ser o mais provável. A questão é, como a Microsoft está fazendo dinheiro vendendo uma coleção que valeria mais de US$ 200 a US$ 2 mil a US$ 10 por mês? A resposta é que talvez não esteja.


Como sabemos, a Microsoft tem dinheiro para queimar e o Xbox One foi um grande fracasso pra ela. Faria sentido antes de lançar uma próxima geração de produtos tentar limpar sua barra com um serviço excepcional, algo que pode não continuar na próxima geração. A Sony fez o mesmo com a PlayStation Plus que quando foi lançada no final da vida do PlayStation 3 só trazia jogos bons e depois passou a trazer jogos fracos no PlayStation 4.

Para desenvolvedores isso pode parecer bom, afinal eles têm mais estabilidade e não recrimino quem nunca fechou uma parceria de grande porte ficar satisfeito com milhares de dólares. Porém o Game Pass rouba os indies de seu momento "sink or swim", quando lançam seu jogo e descobrem se ele vai sobreviver ou afundar.

A longo prazo o Game Pass também significa curadoria, o que por um lado é bom pois o usuário leigo pode experimentar mais e ter algo mais voltado para seu gosto, porém por outro lado temos grandes companhias ditando o que está na moda, o que você vai ver com mais frequência, quais jogos têm mais chance de se tornarem seus jogos favoritos.

Preços no Steam

O Steam foi a loja que começou com promoções de descontos vertiginosos e isso agradou muito aos usuários do PC. Criou-se hype nas Steam Sales e desde esse princípio eu já vi um risco muito grande de desvalorização dos jogos. O que de fato aconteceu, já que hoje Flash Sales e descontos enormes são comuns também entre a Sony, Microsoft e Third Parties.


No entanto, muito se pode perdoar do Steam já que o mercado de PC era um faroeste antes dele. Se a opção for entre vender jogos muito barato e pirateá-los, ainda é mais vantajoso para a produtora que o jogador pague um pouco. Pirataria não existe atualmente nos consoles, no entanto, então emular essas super promoções prejudicou mais ainda a noção de valor em troca de mais compras compulsivas, pessoas que compram jogos porque estão baratos e muitas vezes nem mesmo os jogam.

Hoje o Steam sofre um problema de "discoverability", a capacidade de descobrir novos jogos em meio ao seu mar de novos softwares. Um bom jogo pode ser lançado no Steam e as pessoas simplesmente não saberem sobre ele porque está enterrado no meio de vários outros de baixa qualidade, não jogos subjetivamente ruins, mas jogos ruins de verdade, feitos sem qualquer esforço, que tentam enganar usuários a comprá-los.

O que isso tem a ver com preços? Para serem sequer vistos, muitos jogos se lançam em promoções sem precisarem realmente baixar o seu preço. E então tem jogos ruins que baixam seu preço para aparecerem nas mesmas promoções. É um jogo de gato e rato.

Preços nas Third Parties

Uma das formas que as Thirds Parties, empresas terceirizadas que publicam em várias plataformas, como Elecronic Arts, Activision, Bethesda, Ubisoft e etc, têm tentado se manter lucrando infinitamente é através de novos modelos de monetização. Tudo começou com a venda de DLCs e quando não reclamamos o suficiente disso, o buraco só começou a ficar mais fundo.


Talvez muitos não lembrem dos "Online Pass", um passe normalmente de US$ 10 que permitia jogar um certo game de uma empresa online. Eles vinham com os jogos novos, mas se você os comprasse usados era preciso comprar o Online Pass separadamente. Na época o medo das empresas eram jogos usados, mas logo elas viram que havia formas melhores e mais indiretas.

Ao invés de vender passes para jogar online, passaram a vender passes de conteúdo, os "Season Pass", além de DLCs separados. Hoje ao comprarmos um jogo de luta há temporadas separadas de conteúdo sendo vendido, com personagens diferentes de acordo com a temporada comprada. Vale no entanto lembrar que após um certo tempo costuma ser lançada uma versão com vários dos extras anteriores, normalmente antes de lançar novamente outra temporada, fazendo os consumidores realmente de otários.

Isso para não falar de "Lootboxes", as caixas com conteúdo surpresa, e outras mecânicas que estão puramente imitando jogos de azar. Não precisamos falar sobre, pois aparentemente quem vai acabar tomando essa decisão no lugar das produtoras e jogadores será o governo de cada país. Muitos já proibiram Lootboxes e as equipararam a jogos de azar.

De volta aos blocos primordiais

Todas essas técnicas de precificação estão erradas, simples assim. Elas são excessivamente confusas, mirabolantes, às vezes anti-éticas, tudo porque o mercado de jogos não tem crescido, então só sobrou a alternativa de extrair mais dinheiro das mesmas pessoas. Ninguém quer expandir o mercado mas todo mundo quer mais dinheiro.


Não há maior sinal de que todas essas formas de vender estão erradas do que um simples fato: Minecraft. Um jogo como Minecraft simplesmente nunca surgiria ou não pagaria o suficiente ao seu criador em todas essas formas de vendas. Qual a fórmula tão fantástica de venda de Minecraft? Você compra, o jogo é seu. Não irão cobrar por expansões, nem por conteúdo extra (ao menos na fase pré-Microsoft), afinal você já pagou por ele. E assim Minecraft se tornou um dos jogos mais vendidos de todos os tempos e deixou seu criador rico.

Se o criador de Minecraft não tivesse muita fé no jogo e lançasse ele no Game Pass ainda meio incompleto, talvez ele fosse deixado de lado e nunca recebesse todas as atualizações até a versão 1.8 que o tornaram tão relevante. Como um criador de primeira viagem, ele poderia ter pego alguns milhares de dólares e ido fazer outro jogo para ganhar mais um pouco, sem jamais saber que seu jogo valia 2,5 bilhões.

A pura definição de comércio é muito simples, um substituto para o escambo. Antes duas pessoas trocavam A por B, enquanto hoje duas pessoas trocam A por uma unidade monetária que depois é usado com uma terceira para comprar B. Comércio é simplesmente dar às pessoas o que elas querem em troca de dinheiro com base no que de fato valem. A ideia de lucrar em cima de alguém não é particularmente inerente ao conceito de comércio e São Tomás de Aquino já avisava que lucro excessivo era imoral e um pecado.


Hoje parece que comércio é o que menos acontece, já que todos tentam nos vender o mínimo possível, apenas nos permitindo uso, sem capacidade de revenda. Você não possui praticamente nenhum dos seus jogos digitais no PlayStation, Xbox, Nintendo Switch e PC. Nunca poderá revendê-los por um valor maior do que pagou se ficarem raros, não poderá deixá-los de herança para seus filhos depois que morrer.

Por que pagamos tanto para empresas que nos dão tão poucos direitos? Simplesmente porque não temos alternativa quando queremos jogar. Minecraft foi um modelo extremamente honesto de venda e isso se refletiu em seu incrível sucesso. Porém, cada vez é mais raro que nos ofereçam uma venda honesta. Isso nos leva a essas terríveis conversas sobre precificação onde simplesmente ninguém está certo.


4 comentários:

  1. Excelente postagem Raphael, segue também um comentário sobre percepção de valor dos serviços de fidelidade: Jogos indies vendem muito mais na plataforma Nintendo que as demais, já que indie virou sinonimo de jogo dado por assinatura (Live Gold e Ps Plus), talvez por isso a Nintendo está lançando a conta gotas jogos antigos, para não minar a venda de indies pro seu sistema. Mas isso tambem muda a percepcao de valor que se tem de um jogo de virtual console de Wii U e 3DS por exemplo.
    Até mesmo no publico da nintendo pessoas compram mario e zelda e deixam outras series secundarias (Splatoon, Kid Icarus, Donkey Kong) para sempre compradas na época do Nintendo Selects. Isso é tão perigoso que gera inconsistencias, como você ter DK Tropical Freeze na linha selects por 20 dolares e querer vender a versão de Switch por 60.

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    1. Quando a Nintendo lançou muitos jogos clássicos no Wii Virtual Console as thirds reclamavam que as pessoas preferiam comprar os clássicos que jogos menores no Wii Ware. A ganância da Nintendo às vezes cria esses abismos onde ela mesma acaba caindo, porque as thirds não querem competir por público com ela.

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  2. Achei o seu texto muito interessante, porém, me incomoda um pouco que você esteja apontando para essas empresas e dizendo que elas são nefastas porque elas são capitalistas, mas, ao mesmo tempo, os posts do seu blog só analisam os jogos pelo potencial que eles têm de vender, um ponto de vista mais de negócios do que artístico.

    - Você: "Mario 2D vende mais, então Mario 3D é inferior"
    - Alguém: "Ué, mas por quê?"
    - Você: "Porque o que faz um jogo ser melhor ou pior e quanto as massas gostam mais dele"

    Nesse seu texto agora, você fica falando que o mercado de games não cresce mais. E isso é uma lógica bem capitalista. Essa ideia de que o mercado tem que crescer e quebrar recordes ano a ano. Já parou para pensar que chega um momento que não existe onde crescer?

    Seria interessante analisar os jogos pelo ponto de vista artístico, não trazer esse monte de dados de marketing e negócios para apontar o que faz um jogo bom ou ruim.

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    1. Interessante seu post anon, até poderia falar mais dele no futuro, mas por ora vou explicar por alto.

      Nossa abordagem aqui no blog não é exatamente capitalista, não estamos comemorando vendas e lucros por si só, por serem o objetivo de uma empresa no capitalismo, mas pelo que eles representam como uma forma de medir público, que é o verdadeiro rei da equação.

      Acreditamos que uma venda é um voto com a carteira de um consumidor. Cada vez que alguém decide gastar seu suado dinheiro em jogos, essa pessoa merece receber entretenimento em troca do que gastou. Não apenas por ser justo, mas porque quanto mais pessoas sentirem que gastaram um dinheiro que não valeu a pena, menor o mercado de jogos fica.

      O mercado de jogos precisa crescer, não para obter mais lucro, mas para entreter mais pessoas. O Wii é um ótimo exemplo de produto que entreteve pessoas que antes o mercado de jogos ignorava. É importante também que essas empreitadas deem lucro para que as empresas permaneçam interessadas em perpetuá-las, sem lucro elas acabam.

      Muitas vezes a palavra "arte" é usada como um escudo do ego do artista para evitar críticas. Como se ser arte significasse que não se pode julgar qualidade. Dizer que algo é bom não torna arte e nem dizer que algo é ruim faz com que deixe de ser arte. O status como arte e a qualidade como arte são coisas diferentes e separadas.

      Jogos são produtos de entretenimento cuja principal função é entreter, o que não é necessariamente um sinônimo de divertir, você pode se entreter com coisas profundas que te fazem pensar.

      Alguns jogos que usam um escudo de serem "arte" muitas vezes não entretém e quando você reclama disso, os criadores são pretensiosos de dizer que você que não entendeu o jogo.

      Não é uma cruzada para acabar com jogos como Journey, mas para que jogos como Jouney, que não entretém todo mundo que o compra, não sejam considerados o ápice da indústria de jogos.

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