Várias vezes já mencionei nos comentários do blog que os videogames têm filosofias e que isso os influencia bastante, porém nunca dediquei um artigo inteiro para falar do tema, então aqui estamos. Vou explicar o que é a filosofia dos videogames, como ela os define, influencia seus jogos e principalmente como afeta a nós mesmos.
Desde a revelação do PlayStation 4 e do surgimento do Steam Box, muitas pessoas vêm percebendo que videogames estão se tornando apenas um PC levemente otimizado para jogos. Alguns até estão dizendo que essa será a última geração de videogames, pois não há mais necessidade de se ter uma plataforma dedicada, basta ter um PC mediano.
Este é um pensamento completamente errado, pois o PC possui uma filosofia muito diferente dos videogames, a mesma filosofia desde que os primeiros computadores que rodavam jogos foram lançados: jogos que promovem o isolamento, controles relacionados ao mouse que é um periférico exclusivo, elementos de socialização online, incentivo à competição, entre outros.
Os videogames, por outro lado, sempre trazem novas filosofias, praticamente mudam a cada geração, o que os torna produtos completamente diferentes do PC, mesmo que recebam hoje muitos jogos que vieram dos computadores. Por exemplo, a filosofia por trás dos videogames não é de isolar, isso fazia com que na maioria das casas os PCs ficassem nos quartos, enquanto os videogames iam para as salas.
É fácil imaginar o mais recente GTA ou Assassin's Creed sendo lançado tanto nos PCs quanto nos videogames, virtualmente idênticos. Porém, fica mais difícil imaginar um jogo típico de PC, como League of Legends ou Counter-Strike, sendo lançado para consoles. Assim como não faria nenhum sentido lançar Wii Sports ou Nintendogs para PC.
Provavelmente em algum ponto da sua vida você também já sonhou com o mito do "videogame único", um console que teria todas as características dos videogames de última geração, rodaria todos os jogos, sem que você tivesse que comprar 3 consoles diferentes para jogar exclusivos. Seria "Perfeito". Exceto que não.
Quando pensamos no Xbox 360 e no Playstation 3, não temos dificuldade em imaginar um videogame híbrido produto da fusão dos dois, o qual seria superior a ambos como produtos individuais. Até se pensarmos na época do Playstation One, Saturno e Nintendo 64, não parece difícil juntar todas as suas qualidades em uma única máquina superior, sem nenhum de seus defeitos.
Porém, esses videogames são algo mais do que uma mera pilha de circuitos, mais do que um produto com uma mensagem, eles têm uma filosofia, um conjunto de ideias e princípios. A filosofia desses videogames, por sua vez, pode levar a indústria como um todo para frente, para trás, ou deixá-la estagnada.
Por exemplo, o PlayStation acreditava que deveria conquistar um público mais velho e que o mercado deveria crescer nessa direção. Eles acreditavam que o próximo passo na evolução dos jogos, seria torná-los mais maduros. O marketing da Sony e seus jogos eram direcionados a esse público adulto.
Quanto mais a Sony investia nessa direção, mais jogos eram feitos com essa filosofia. O ponto interessante é que não era apenas a própria Sony que produzia esses jogos, mas também empresas terceirizadas, como Capcom, Konami, Square Enix, entre outras. Mas por que? A Sony não as obrigava a isso, por que faziam?
Há duas possibilidades: A primeira, você acredita na filosofia que aquele videogame está pregando, é a mais desejável e saudável. A segunda, você acredita que as pessoas que vão comprar esse videogame, acreditam nessa filosofia, então se você quer captar o interesse delas, precisa dar o que elas esperam.
Após alguns anos com o PlayStation líder, e também o PlayStation 2, essa "maturização instantânea" da indústria negligenciou jogadoras mulheres, que se afastaram do mercado, negligenciou o público infantil que não encontrava jogos para sua idade na plataforma. A filosofia do líder, moldou o mercado todo para um lado, homens jovens adultos, e os jogos eram feitos em maioria para esse público.
Já o Nintendo DS achava que deveria conquistar essas jogadoras mulheres, investindo em jogos diferenciados, como Nintendogs. Mas não só de jogos se faz uma filosofia. O Nintendo Wii acreditava que para conquistar jogadores que achavam videogame complicado, precisavam de uma nova forma de controle mais acessível, o Wii Remote.
Veja que essas decisões que permitiram ao Nintendo DS e Nintendo Wii atingir novos públicos, não poderiam ser tomadas em um console único ou em um PC. Se o Wii acompanhasse um joystick comum em sua caixa, as empresas não explorariam seu controle de movimento, continuariam fazendo as coisas do jeito que sempre fizeram, pois é naquilo que eles acreditam. Apenas quando o Wii as forçou, elas mudaram.
Não víamos jogos para mulheres serem lançados no PlayStation 2, nem víamos jogos com controles mais simples saírem para o Xbox 360, assim como GTA não sai nos consoles Nintendo. A filosofia de cada um dos videogames atraía um estilo diferente de jogo, guiados pelo conceito original apresentado pela dona do console e pelo quanto o público abraçava essa filosofia.
Por exemplo, a Nintendo já quis criar consoles para conquistar o público mais adulto, pasmem, com o GameCube. O visual do videogame e de alguns de seus jogos, como The Legend of Zelda: Wind Waker, acabaram o rotulando como uma plataforma para crianças, e o mercado seguiu esse movimento, lançando mais jogos infantis para ele e cortando jogos mais adultos.
De nada adiantou a Nintendo correr atrás da exclusividade de Resident Evil para o GameCube, assim como não adianta hoje comprar a exclusividade de Bayonetta 2 para o Wii U. Jogos que contrariam a filosofia de um videogame, como MadWorld no Nintendo Wii, vendem menos por não estarem de acordo com o que o público está esperando e não conseguem mudar os estigmas já estabelecidos.
A filosofia de um videogame pode ser atrelada a ele pela própria fabricante ou definida pelo público que o abraça. Obviamente isso não se limita a videogames, não sendo difícil, por exemplo, perceber qual a filosofia por trás de jogos gratuitos no iOs e Android. Alguns videogames são lançados sem filosofia alguma, como no caso do PlayStation One, e acabam sendo moldados pela indústria e pelos consumidores.
Quando a Nintendo lançou o Nintendo DS, tinha como objetivo revitalizar o mercado, e o fez com uma proposta de jogos diferenciados para novos tipos de público. A empresa traçou seu objetivo, uma meta. Criou uma proposta de como pretendia atingir essa meta. A filosofia é o conjunto de ideias e princípios que irão reger esse processo.
É um pouco como na teoria da relatividade de Einstein. O espaço é plano, a massa curva o espaço, afetando o que está a sua volta. Uma filosofia curva o pensamento, alterando sua percepção, fazendo todas as suas ideias convergirem naquela direção.
O que isso significa esse rolo na prática? Significa que todos os jogos produzidos para o seu videogame, serão afetados pela sua filosofia, no planejamento ou na realização, de maneira positiva ou negativa, consciente ou inconsciente, e ela também será responsável pelos jogos futuros que seu videogame receberá, empresas procurarão lançar jogos que se encaixem na sua filosofia.
Por exemplo: Halo no primeiro Xbox não seguia filosofia nenhuma e poderia ser lançado para qualquer videogame (inclusive, foi concebido para PlayStation 2). Porém, uma vez lançado, determinou a direção que o Xbox iria seguir, formou uma filosofia para o console e garantiu que mais jogos de tiro seriam lançados para ele, até mais do que para o PlayStation 2, apesar deste ser o líder na época.
Com uma filosofia voltada para um gênero específico, o Xbox conseguiu superar seu concorrente neste gênero. É o mesmo que aconteceu quando a Sega roubou os jogos de esporte da Nintendo na época do Mega Drive e Super Nintendo, eles se encaixam melhor na sua filosofia que na do concorrente, são o que o público está esperando.
o Xbox 360 teve um esboço de filosofia com um foco maior na Xbox LIVE, a qual por sua vez influenciou Gears of War com seu modo cooperativo, o qual depois influenciou Resident Evil 5. Vários jogos passaram a incorporar modos cooperativos online devido à filosofia do Xbox 360.
Mas por que atribuir isso à filosofia do videogame? Não é apenas um reflexo de ter a Xbox LIVE disponível? Se não existisse o Xbox 360 a Capcom poderia fazer Resident Evil 5 cooperativo para PC, certo? Curiosamente, não. Os recursos já existiam antes nos concorrentes, mas apenas o Xbox 360 causou essa influência.
Isso demonstra por que seria impossível para um console único ter uma boa filosofia, pois precisaria atender às demandas de várias empresas e às vezes é preciso focar seus esforços em algum ponto específico, o qual por sua vez irá tirar recursos de outras áreas.
O Wii precisou contrariar muitas empresas para se tornar um fenômeno, desde terceirizadas que não conseguiam converter jogos com custo baixo até estúdios da própria Nintendo que achavam que ela estava errada e se separaram da empresa, como Camelot e Silicon Knights. Ambos se apagaram com o tempo.
Como mencionado, a filosofia é também o solo no qual se planta um videogame. Se ele for fértil e promissor, pessoas comprarão seu produto com base apenas no que ele se propõe a realizar, antes mesmo de mostrar resultados. Isso aconteceu mo início do PlayStation 2, do Nintendo DS, do Nintendo Wii e do PlayStation 4. As pessoas os compraram antes mesmo de terem bons motivos para tal.
Se um videogame tiver uma filosofia ruim, ele está fadado ao fracasso. Uma filosofia ruim é como uma erva daninha, uma doença que se embrenha em cada um dos seus jogos negativamente, negativamente, consciente ou inconscientemente. Isso aconteceu com a obsessão 3D da Nintendo com o Nintendo 3DS e Nintendo 64, todos os jogos ficavam contaminados. Não importa quão longe você vá, é como pilotar um barco furado.
Enquanto isso, consoles sem filosofia são incógnitas, o que os torna interessantes. Tanto PlayStation One quanto PS Vita são exemplos de videogames sem filosofia com finais bem diferentes. Ainda aplicando a metáfora anterior, eles são barcos a vela, seu sucesso depende das condições a sua volta, como o vento e jogos, os quais surgirão independente de suas vontades ou qualidades.