sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Review: Death Stranding é um dos jogos mais originais da década


Death Stranding é o mais novo jogo do produtor Hideo Kojima, criador da série Metal Gear e atualmente um desenvolvedor independente após uma saída um pouco conturbada de sua antiga produtora, a Konami. Agora como fundador da Kojima Productions o famoso designer nos apresenta seu primeiro jogo, inicialmente exclusivo para o PlayStation 4 e com estimativa de lançamento para 2020 no PC (e acredito que chegue ao Xbox One um pouco depois). Death Stranding é também o jogo mais original e profundo que eu joguei nos últimos anos.

História

O mundo de Death Stranding é marcado pelo evento que dá nome ao jogo, uma invasão de criaturas invisíveis chamadas B.T.s (Beached Things) que dizimaram quase toda a população. O acontecimento na verdade foi fruto de uma conexão entre o mundo dos vivos e o dos mortos, de forma que os B.T.s são como fantasmas. Estranhamente quando eles absorvem algo vivo há uma explosão gigantesca, quase como se fosse matéria encontrando antimatéria.

Os poucos sobreviventes da catástrofe vivem agora em abrigos isolados e o mundo está praticamente abandonado pois essa conexão com o mundo dos mortos também introduziu uma terrível chuva temporal, cujas gotas são capazes de envelhecer tudo que tocam. Rapidamente toda a vida animal pereceu, grandes construções ficaram em frangalhos e a natureza retomou boa parte do mundo. Não é um lugar agradável para passar suas férias.

Esse mundo dos mortos é chamado em Death Stranding de "A Praia" e nem tudo sobre ela é negativo. Dentro da praia o tempo passa lentamente, então é desenvolvida uma tecnologia computacional que possa se aproveitar disso, a rede quiral, na qual simulações e dados passam pela praia e saem quase instantaneamente em outro lugar (pense numa internet ainda mais potente porém com menos gatos). No papel de Sam Bridges, interpretado pelo ator Norman Reedus (The Walking Dead), você tem que conectar esses abrigos à rede quiral para formar uma sociedade novamente.


O próprio Sam não é tão fã da ideia, mas é arrastado para essa jornada. Sua mãe é a presidente da coisa mais próxima de uma país que sobrou, a CUA, "Cidades Unidas da América", e morre devido a um câncer logo no início do jogo. Sua irmã tentou a mesma viagem anteriormente e acabou capturada por uma facção terrorista chamada Homo Demens que não quer ver o mundo reconectado. Agora Sam precisa conectar a rede e resgatar sua irmã para que ela assuma como nova presidente.

Além do protagonista, sua irmã e das Cidades Unidas da América há um personagem a mais cuja história se torna bem relevante: B.B., o Bridge Baby. Para permitir que entregadores como Sam enxerguem os B.T.s foi desenvolvida uma tecnologia na qual bebês retirados do útero são convertidos em ferramentas graças a sua natureza bem no meio entre o mundo dos vivos e dos mortos.

Sempre que Sam conecta-se a B.B. após uma noite de descanso vemos estranhos flashbacks com um personagem interpretado pelo ator Mads Mikkelsen (da série Hannibal) que se tornam sua própria história paralela. Mads por sua vez está em uma performance avassaladora que facilmente poderia carregar o jogo todo nas costas.


No inicio o enredo demora para engrenar, com mais cenas cinematográficas no início do jogo para estabelecer esse mundo. Uma vez que essas explicações iniciais acabam, no entanto, há uma proporção extremamente maior de jogo do que de cenas para assistir. Apesar de ter muitos atores este não é um "jogo-filme" como costumam atribuir ao estilo de Hideo Kojima.

A história é sempre oferecida como um extra para agradar ao jogador após suas tarefas árduas e contada através de vários fragmentos que ora se juntam ora são desconexos até finalmente reunirem-se todos no final do jogo e fazerem sentido.

Jogabilidade

É justamente ao começar a jogar que as coisas ficam muito complexas. Em teoria a jogabilidade básica de Death Stranding é um simulador de entregas da Amazon ou Sedex como todas as piadas antes do jogo ser lançado sugeriam. Seu objetivo é pegar encomendas e levar de um lugar a outro do mapa com complexos subsistemas que mantêm a experiência sempre muito dinâmica.

O principal inimigo de Sam é o relevo acidentado que ele precisa atravessar até seu destino: rios, montanhas, abismos, todo tipo de obstáculo estará em seu caminho e você tem ferramentas para atravessá-los como escadas, cordas e itens que criam estruturas como pontes e geradores. Aqui entra a fase de planejamento do jogo. Cada item que você leva tem peso e torna mais lento e difícil chegar ao seu objetivo. O ideal é viajar o mais leve possível, mas mesmo analisando bem o mapa é provável que você seja pego despreparado por alguma situação.


Inicialmente equilibrar as coisas é um grande desafio. Não só a quantidade de peso, mas também o seu posicionamento afetam o equilíbrio de Sam. Uma pilha de cargas leves com uma pesa no topo irá sempre tombar ao mudar de direção, cargas pesadas sempre devem ficar mais embaixo. É possível até prender algumas cargas no próprio traje para diminuir essa torre de itens. Felizmente o jogo tem uma função de arrumação automática que poupa seu tempo.

Ao andar com a carga a inclinação do solo também afeta o equilíbrio. Os gatilhos L2 e R2 são usados para equilibrar a carga ao puxá-la pelas alças da mochila pela esquerda ou direita. Segurar os dois gatilhos por sua vez firma bem a carga e permite se reequilibrar, ao custo de fôlego. No início boa parte do jogo é andar enquanto se equilibra, tropeça e tenta chegar inteiro no seu objetivo.

Após muitas horas de jogo a mecânica de equilíbrio se torna um pouco menos importante pois são introduzidos vários tipos de auxílio. Há exoesqueletos que permitem se mover mais rápido, carregar mais peso ou andar melhor em terrenos acidentados, há veículos como motos e caminhões para levar a carga quando não há muitos obstáculos pelo caminho e é possível até mesmo instalar um estabilizar na mochila.

Ocasionalmente seu caminho é interrompido também por inimigos de verdade. Os B.T.s são os mais problemáticos pois ao encontrá-los é preciso entrar no modo stealth e tentar passar sem ser detectado. Mesmo com a ajuda do BB eles só ficam visíveis quando você está parado, mas dá pra planejar seu movimento para não encostar neles. Se chegar muito perto é possível até prender a respiração de Sam para que eles não o ouçam, passando a sensação de um jogo de terror.


Com o tempo você ganha formas de lutar com eles, graças a armas feitas a partir do sangue de Sam, mas não é muito fácil. Caso um B.T. te pegue e você não consiga fugir ele te arrasta para uma luta contra um grande chefe que caso vencido libera a área pra você. O problema é que como a arma usa o próprio sangue de Sam, é possível drená-lo demais durante o combate. Por sorte caso fique sem armas surgirá uma ajuda inesperada.

Os outros inimigos são humanos. Os Mules são pessoas que um dia já foram entregadores como Sam mas enlouqueceram e hoje procuram pacotes por compulsão e perseguirão o jogador para pegar sua carga. No começo você quer passar pelo território dos Mules o mais rápido possível para evitar problemas, mas no fim do jogo eles viram bons acampamentos para saquear em busca de recursos.

Não é muito difícil enfrentar Mules com socos, chutes e armas não-letais, mas eles podem causar problemas com suas lanças elétricas que podem até parar veículos. Há também os Terrorists, que são à primeira vista como os Mules porém mais difíceis por estarem armados e atrás de você ao invés da sua carga.


Há vários outros pequenos subsistemas em ação o tempo todo. É possível subir de nível para ganhar cada vez mais equilíbrio, fôlego e outros atributos, há um sistema de estresse de B.B. que fica irritado quando você cai ou e golpeado e precisa ser ninado com movimentos no DualShock 4 e obviamente a chuva temporal é capaz de danificar sua carga, então você precisa ficar esperto quando chove.

Depois de explicar como tudo funciona então vem um problema: Nada disso é divertido.

Strand System

A grande novidade de Death Stranding, que fez com que Kojima dissesse que o jogo pertence a um novo gênero chamado "Strand", é o seu "Strand System". Este sistema permite interação indireta entre os jogadores como itens e construções aparecerem no seu mundo quando na verdade foram colocados por outra pessoa em seus próprios mundos.

A primeira vez que você explora uma nova região em busca de um novo ponto para conectar a rede quiral, você está basicamente sozinho, isolado, "stranded". Ocasionalmente aparece uma escada ou corda deixados por outro jogador e você pode utilizá-los para facilitar sua jornada e também seguir o mesmo caminho que outra pessoa antes de você seguiu. Aqui a jogabilidade não é muito diferente do que já descrevi antes, basicamente ir de A a B para completar seu objetivo.


Ao conectar a rede quiral no entanto, você se conecta também aos outros jogadores e subitamente seu mundo se transforma. De repente aquele mundo desolado é invadido por trilhas, criadas pelo desgaste de vários jogadores que passaram pelo mesmo local em seus mundos. Você nunca os vê, mas vê o reflexo de suas ações. Há pontes que outras pessoas construíram, estradas, abrigos, torres de vigia, geradores, tirolesas, cargas perdidas por outros. E assim como eles construíram eles verão as coisas que você construir também.

A união de todos os jogadores torna mais fácil se locomover pelo mundo graças aos caminhos construídos por eles. Eu cheguei a criar uma estrada e quando terminei havia várias outras criadas por outras pessoas. O mistério de como o sistema funciona ajuda para que você não fique parado esperando que os outros façam as coisas, já que nunca se sabe quando elas vão acontecer. Sempre que você precisar explorar uma nova área estará sozinho de novo e isso sempre me deixava ansioso para conectar o próximo abrigo na rede quiral e ver o que os outros estavam fazendo e.

Eu disse que a jogabilidade de Death Stranding não era divertida, mas há um porém... ela não está tentando ser. Death Stranding não está tentando ser divertido. Os jogos de Hideo Kojima sempre têm algum tipo de mensagem, normalmente despejada sem muita sutileza em cenas com diálogos exposicionais, mas agora que ele tem total controle criativo aparentemente a mensagem está diretamente na jogabilidade.

O mundo de Death Stranding quando você está sozinho é vazio, desolado, depressivo, frio, hostil, repleto de morte, pessoas sem esperança e com músicas melancólicas. Ele não está tentando fazer você se divertir ou se sentir bem. O jogo parece querer evocar emoções, provocar desconforto, desespero e solidão, enquanto ao mesmo tempo te convida a procurar um raio de luz no meio desse céu nublado com um arco-íris de cabeça para baixo.


O Strand System cria uma questão sobre qual é a jogabilidade principal de Death Stranding, se é a que você joga diretamente ou a que você não joga. Se é o simulador de entregas ou a interação indireta com outros jogadores. Talvez uma combinação equilibrada de ambos. Se a jogabilidade fosse repleta de ação provavelmente o Strand System seria irrelevante apenas como um elemento a mais.

Imagine como seria fácil dar uma arma na mão de Sam, colocar alguns postos inimigos no mundo e transformá-lo em um jogo de ação tradicional. E esse jogo já existe, é Metal Gear Solid 5. Se Death Stranding fizesse exatamente isso seria aclamado com ótimas notas porque seria algo fácil de entender e divertido, até mesmo eu gostaria mais dele. Porém seria um jogo totalmente diferente do que é atualmente e não teria instigado essa conversa se um jogo precisa ser divertido para ser bom.

Há uma forte mensagem anti-violência em Death Stranding. Apesar de haver combate, você não pode matar ninguém, pois mortes significam mais B.T.s. Perto do final do jogo um personagem diz: "Uma arma não vai ajudar você aqui. Mas ela ainda tem um papel a desempenhar", que pode ser interpretado literalmente ou como uma metáfora. Death Stranding tem armas e combates mas às vezes isso parece fora do lugar em meio ao resto do jogo que não é focado em confronto.

É como se Death Stranding fosse baseado em dois pilares, o do jogo de entregas e o do Strand System, uma jogabilidade se alimentando da outra em perfeita simbiose. Talvez adicionasse um terceiro pilar com a história, pois ambas as jogabilidades são mais prazerosas enquanto se persegue a jornada da história, com missões mais elaboradas, cenas como recompensas e mistérios para desvendar.


Ainda assim o jogo se sustenta mesmo após a campanha acabar pois há mais áreas extras para conectar e muito para construir no mundo. As estruturas colocadas por você e outros jogadores apodrecem com o tempo devido à chuva temporal, então é preciso cuidar delas, porém ao mesmo tempo há estruturas demais para uma pessoa sozinha cuidar. Se eu não cuidasse daquele mundo, ele estragaria, mas eu também não poderia cuidar do mundo inteiro sozinho por mais que quisesse.

Particularmente eu gastei horas recuperando cargas perdidas por outros jogadores em áreas perigosas repletas de B.T.s e Mules para devolvê-las, consertando estruturas e melhorando as condições de locomoção. De certa forma aquele mundo se tornou algo confortável, algo "meu" que na verdade era "nosso" entre um grupo de pessoas que nunca sequer interagiu.

Gráficos e Som

No setor técnico Death Stranding não tem falhas. Seus gráficos são alguns dos mais impressionantes no PlayStation 4 com um mundo extremamente vasto e detalhado praticamente sem loadings. As animações também são muito boas, afinal não deve ser nada fácil criar uma animação de alguém quase escorregando várias vezes em solo escorregadio e depois se reequilibrando. Entre alguns dos detalhes gráficos mais impressionantes está a ferrugem que se acumula em veículos e cargas quando eles ficam expostos à chuva temporal.

A reprodução digital dos atores traz os rostos mais realistas e emotivos que eu já vi. Suas expressões surpreendem e eles parecem até mesmo ter músculos por baixo da pele. Aparentemente Hideo Kojima cobrou todos os favores que tinha porque o jogo tem um grande elenco de atores, suficiente para preencher 2 ou 3 filmes.


Temos Norman Reedus e Mads Mikkelsen como já mencionados, Lindsay Wagner (A Mulher Biônica), Margaret Qualley (The Leftovers), Troy Baker (The Last of Us), Léa Seydoux (Bastardos Inglórios), Tommie Earl Jenkins (Jersey Boys) e participações especiais dos diretores Guillermo del Toro e Nicolas Winding Refn e dos apresentadores Geoff Keighley e Conan O'Brien.

Na maior parte do tempo o jogo não tem música e enquanto isso é necessário para criar a atmosfera, não sou um grande fã da ideia. Em momentos específicos tocam algumas canções bem melancólicas que dão o tom do jogo. Há momentos de tirar o fôlego quando você vê áreas abertas realmente gigantescas que não sabe nem como começar a explorar e subitamente uma música começa a tocar ampliando seu isolamento.

Os efeitos sonoros são ótimos, do tipo que se tornam icônicos e passam a representar momentos específicos do jogo, como adentrar uma área perigosa de B.T.s ou a chegada da chuva temporal. Não chegam a ser como o som de "!" em Metal Gear Solid, mas sso seria pedir demais. A dublagem em inglês também está perfeita. O jogo está disponível também com dublagem em português, mas eu joguei com o áudio original e legendado, então não poderei falar sobre.

Conclusão

Death Stranding é um jogo com camadas sobre camadas, tanto em sua história como em suas jogabilidades. Se eu o recomendo? Na verdade, não. Eu não recomendo Death Stranding para ninguém que já não esteja interessado nele. Isso porque o jogo não faz nenhum esforço para mudar sua opinião se você já chegar com uma ideia predeterminada dele. Death Stranding espera que você esteja de braços abertos para experienciar algo diferente do que você conhece.


Seria um erro comparar Death Stranding a jogos comuns como The Legend of Zelda ou Horizon: Zero Dawn, jogos feitos para serem divertidos, com histórias cheias de ação, contos de cavaleiros contra o mal como em Star Wars. Death Stranding não tem muita ação, mas tem uma tonelada de subtexto, como em Star Trek, onde muitas vezes o soco emocional vêm através de palavras e ideias poderosas que reverberam na alma humana.

Como alguém que joga videogame há uns 30 anos acredito que tem um grande peso quando afirmo que eu não entendo totalmente o que Death Stranding é. Hideo Kojima disse que queria criar um novo gênero e eu acho que ele pode muito bem ter chegado perto disso. Um dia talvez olhemos pra esse monstro de Frankenstein como o ponto de partida dele ou apenas como uma breve curiosidade como um dia Shenmue foi.

Nenhuma nota 9 ou 6 irá ajudar você a entender se esse jogo é ou não pra você. Nenhuma análise vai ajudar a responder perguntas como: "Eu vou querer jogá-lo até o final?", "Depois que acabar a história ainda vou querer jogá-lo?", "Eu gostaria de jogá-lo após um longo dia de trabalho?". Ele é um jogo tão único que essas respostas são incógnitas.

Eu tenho mais de 80 horas no jogo, já cheguei a ficar grudado no videogame pensando "Eu não preciso dormir tantas horas, assim posso jogar mais Death Stranding" e ainda assim se alguém me perguntar se eu gostei do jogo eu não sei responder. Qualquer um que gostou de Death Stranding irá entender se você disser que não gostou porque achou chato. É compreensível. Mas ninguém que não gostou de Death Stranding vai conseguir entender a sensação de quem gostou.

Nota: 8,5/10



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