sexta-feira, 22 de março de 2019

Nintendo e a Realidade Virtual


Recentemente a Nintendo anunciou um visor de realidade virtual de baixo custo que irá vender em 12 de abril na sua linha Nintendo Labo: VR Kit. A ideia tem muito potencial e é algo que eu já estava esperando a Nintendo fazer há um bom tempo, porém é um tremendo erro vendê-lo como um acessório do Nintendo Labo. Vamos falar um pouco sobre o que é o produto, por que ele erra em seu público alvo e os desafios da Realidade Virtual.

VR Kit e crianças

O visor em si se chama Toy-Con VR Googles, é bastante semelhante ao Google Carboard, e vai vir em edições de US$ 40 ou 80 dependendo de quantos jogos/experiências de papelão o acompanham. Trata-se de um acessório de plástico com lentes curvadas que encaixa em uma armação de papelão, na qual também se encaixa o Nintendo Switch. As lentes ficam apontadas para a tela e criam o efeito de realidade virtual.

Uma coisa curiosa é que não tem um headstrap, algo pra prender o visor na cabeça do usuário. É preciso ficar segurando o aparelho o tempo todo, o que dá uma certa aparência de brinquedo à coisa toda. Talvez a ideia seja justamente não invocar a imagem daqueles mundos virtuais imersivos para os quais as pessoas escapam em todos aqueles filmes sobre futuros distópicos.


O kit completo inclui papelão suficiente pra montar seis "Toy-Cons", os brinquedos de papelão do Nintendo Labo que dão acesso aos jogos/experiências. Além do próprio visor haverá o Toy-Con Blaster, a Toy-Con Camera, o Toy-Con Bird, o Toy-Con Wind Pedal e o Toy-Con Elephant. No kit Starter + Blaster mais barato virá apenas o óculos e a Blaster, mas os outros Toy-Cons poderão ser comprados separadamente depois na loja da Nintendo por US$ 20 cada, igualando o valor do kit completo.

Desde que o Switch foi revelado em sua forma de tela com dois joysticks que se separavam nas laterais eu já havia percebido essa possibilidade para um visor de realidade virtual acessível, infinitamente mais barato que um PSVR, Oculus Rift, etc. Como disse alguns anos atrás: "A Nintendo é a rainha do "bom o bastante" e poderia oferecer uma solução para Realidade Virtual boa o bastante e mais barata."

A tecnologia por trás do Toy-Con VR Googles parece ser ótima e excitante, eu sempre confio na Nintendo para entregar uma boa tecnologia em seus acessórios. No entanto ela será totalmente desperdiçada devido à forma que a Nintendo escolheu vendê-la. A linha Nintendo Labo é basicamente uma série de brinquedos educativos de papelão, uma ideia até boa mas que não decolou, voltada principalmente para crianças.


Crianças. A Nintendo repetiu o erro do Virtual Boy e do Nintendo 3DS ao criar um efeito que não é recomendado para crianças quando este é seu maior público. Tudo que mexe com a visão de crianças cria preocupações nos pais, desde a nossa época quando eles ficavam preocupados por estarmos jogando colados na TV sem piscar ou olhando para um GameBoy no escuro ou no carro. Tudo isso torna muito mais difícil vender um visor que ficará na cara delas.

A emoção virtual

Mas esqueçamos um pouco que as crianças podem ficar vesgas ou com dor de cabeça. Por que vender este conceito para elas quando o valor excepcional está justamente em um espectro de emoções fortes que elas não conhecem? Claro que crianças podem achar realidade virtual legal, mas elas cresceram com muita tecnologia impressionante. São as gerações mais velhas que sentem o salto de certas tecnologias atuais como se fossem magia.

Pessoas que hoje têm 20 anos já cresceram em um tempo em que o bug do milênio é só uma piada esquecida e não uma preocupação real de um apocalipse das máquinas. Hoje vemos a tecnologia como algo sob controle que acreditamos compreender em sua maioria. A Apple pode anunciar que veremos Pokémons nas ruas que apesar de acharmos legal não sentimos como nenhum tipo de revolução. Apesar de a tecnologia ser impressionante, ela não desperta emoção. Ver um Pikachu virtual não te desperta emoções.


Quanto mais jovens somos, mais fácil é nos surpreender, isso começa a ficar difícil a medida que crescemos. Basicamente temos uma progressão de "impressionável" para "indiferente" através dos anos. Para sentirmos aquele ponto fora da curva é preciso uma emoção muito forte que nos tire do status de achar que nunca mais vamos ser surpreendidos.

Não sei se preciso dizer que o Wii é um desses pontos fora da curva. Muitas pessoas não ligavam para como os videogames estavam progredindo tecnologicamente até que essa tecnologia permitiu que essas pessoas jogassem tênis ou boliche reproduzindo os movimentos, despertando uma emoção. Vale lembrar que o Wii foi um fenômeno em asilos.

Dos 20 aos 40 anos praticamente não nos assustamos mais com jogos de terror, já vimos vários deles e já temos uma noção do que esperar. Um jogo de terror em realidade virtual no entanto faz você se sentir em perigo, é uma emoção que provavelmente só poderia ser equiparada com a primeira vez que você jogou um jogo de terror.


Ao direcionar o Toy-Con VR Googles às crianças a Nintendo transforma a realidade virtual em um brinquedo, uma curiosidade, aparentemente sem um plano para longo prazo. Quase parece que ela está testando as águas virtuais antes de decidir se navega por elas, mas não pode ser isso devido ao público que ela escolheu visar.

No meio do caminho havia uma pedra virtual

Vale a pena dizer que apesar de toda essa conversa sobre realidade virtual e como eu me empolgo com ela, essa não é a evolução correta para os videogames. Como já falo há alguns anos, a direção saudável não é a imersão, um visor que te coloca dentro do jogo, mas a emersão, algo que faz o jogo sair da tela para a sua vida. Porém não temos qualquer empreitada real nesse sentido de emersão, o que cria um vácuo que pode sim ser preenchido pela realidade virtual como tecnologia disruptora até que a evolução correta surja.

Nesse vácuo ninguém tem mais chance de dar certo do que a Nintendo. Ela é a única empresa excepcional o bastante que conseguiria aliar um visor "bom o bastante" para realidade virtual com experiências realmente divertidas que criassem emoções prazerosas e guiassem o mercado como um todo em uma direção que o público gostaria de acompanhar.


Atualmente há poucos jogos de realidade virtual realmente bons, dá pra ver como o momento mais desconfortável para os idosos do React Channel é ao jogar. Praticamente os únicos que funcionam bem são galerias de tiro ao alvo, simuladores cômicos de alguma coisa, playgrounds de franquias famosas, experiências psicodélicas e jogos de terror. Isso significa que não temos atualmente um "Mario" da realidade virtual, nem um Minecraft, nem um Angry Birds, nem um Wii Sports. A tecnologia ainda não tem uma mensagem clara o bastante para que um software consiga transmiti-la para o usuário.

Dá pra ver com o Nintendo Labo: VR Kit que a Nintendo está estudando formas de trabalhar com a realidade virtual, quais jogabilidades talvez possam funcionar, porém ainda muito primitivamente. A última vez que vimos a Nintendo experimentando com tecnologia, focando-se nas diferentes formas de dizer algo ao invés da mensagem, ela acabou com projetos como o Wii U ou mesmo o Wii Remote Plus.

Veja como o Wii Remote Plus era uma versão melhorada do Wii Remote. Ele era capaz de fazer muito mais coisa ao oferecer posicionamento real do controle na tela, enquanto o Wii Remote apenas avisava ao videogame que o controle havia sido movido, sem transpor sua posição na tela. Ainda assim ninguém ligou para ele, porque não tinha o principal, a filosofia por trás do Wii, do Wii Remote e de Wii Sports.


Wii Sports era brilhante em passar a mensagem do Wii, enquanto Wii Sports Resort era só um conjunto de minigames como este do Nintendo Labo, ou como Nintendo Land do Wii U. Apenas demonstrações de como os controles podem ser usados. Repito, várias formas de dizer algo quando no fundo não havia uma mensagem para ser passada.

Conclusão

Eu fiquei muito animado com o Toy-Con VR Googles, a tecnologia, pois há muito tempo eu esperava que alguém fizesse isso e mais do que qualquer um eu esperava que fosse a Nintendo. Então me desapontou bastante que ele chegue com o Nintendo Labo e não com um Mario ou uma franquia inteira original como seria antigamente.

A Nintendo tem todas as cartas na mão para dominar o mercado de realidade virtual, mas desconfio que ela apenas não queira. Vale lembrar que Shigeru Miyamoto já experimentou visores de RV e não parece ter gostado tanto. Ele chegou a dar uma declaração um pouco em cima do muro na época do Wii U:

"Quando você pensa em realidade virtual, é meio que uma pessoa colocando um óculos e jogando sozinho em um canto ou talvez em um quarto separado e ela passa todo seu tempo sozinha jogando nessa realidade virtual, isso está em contraste direto com o que esperamos realizar com o Wii U. Eu tenho um pouco de desconforto sobre esse ser o melhor jeito das pessoas jogarem"


Não o culpo, acho até que ele está certo em achar que eles não são bons atualmente. Porém a conclusão que ele tirou disso é que provavelmente a Nintendo não deveria investir em realidade virtual, enquanto a minha conclusão é que eles deveriam conquistá-la.

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