terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Quem paga a conta dos casuais?

Algumas formas da indústria ganhar dinheiro não são misteriosas, são na verdade princípios básicos do capitalismo, muito bem documentados em livros de economia e administração. No entanto, jogadores de videogame não costumam ler esses livros.

Nessa última geração surgiram termos como Hardcore e Casual, dividindo jogadores que jogam muito, jogos "sérios" e jogadores que jogam menos, jogos "bobos". A indústria quer fazer você acreditar que jogadores casuais são pessoas idiotas que compram qualquer porcaria e que não são "jogadores de verdade", aka, hardcore.

O que a indústria fez de verdade foi criar uma caixa de segurança chamada "Casual" e colocar tudo que ela não gosta nessa caixa, trancar bem e afastar dela. Por que a indústria tem tanto medo do que está guardado nessa caixa?

Pensemos da seguinte forma. É mais fácil extrair leite de uma vaca que já está na sua fazenda ou de uma que está passeando no meio da rua? A indústria vê você, jogador hardcore, como uma vaca a ser ordenhada, enquanto vê o jogador casual como uma vaca a ser conquistada. Você é o bobo da equação.

Como sabemos que estamos falando com o jogador hardcore aqui? Porque é o jogador hardcore que lê artigos sobre jogos em sites. O jogador casual não tem tempo pra isso, a vida dela é agitada, jogos são só um complemento para ele. Para o jogador hardcore, jogos são uma grande parte do dia dele.

Calma, você não é bobo por jogar muito videogame. Você é bobo por deixar alguém se aproveitar de você por isso. Não diferente das indústrias de cigarro, tem um empresário no topo disso tudo rindo de como está explorando você.

Como eles fazem isso? Fazendo você se sentir especial. A indústria faz você acreditar que ser hardcore é ser especial. Você é mais inteligente que os casuais, você tem bom gosto, você não se engana por essas porcarias de jogos de celular, você é superior, você é especial, se destaca nessa multidão de pessoas comuns.


Isso me lembra do Rei Theoden em O Senhor dos Anéis, que tinha seu ajudante, Grima, que ganhou o apelido de "Língua de Cobra". Ele ficava ao ombro do Rei lhe dizendo como tudo que ele fazia estava perfeito, direcionando o pensamento do mesmo.

E talvez você se lembre dessa parte em Matrix, clara referência a Caverna de Platão, você não está só inserido no sistema, você é tão parte dele que estará disposto a defendê-lo para garantir sua continuidade.

Comece a se questionar, por você gostar de jogos, você é superior à sua mãe que gosta de novelas? Comparando jogos e novelas, você automaticamente classifica jogos como uma fonte de entretenimento superior e se coloca como uma pessoa superior por isso.

Quando jovens é muito comum desvalorizarmos nossos pais, mas será que somos mesmo superiores a eles? Pessoas que viveram uma vida inteira, tiveram um trabalho, constituíram família, automaticamente desvalorizadas pois tem outros valores de entretenimento? Será mesmo que um guri que vence um cirurgião no Street Fighter pode se considerar superior a ele?

Infelizmente é assim que a indústria pinta essas pessoas, como bobos que não sabem o que são jogos bons de verdade. No fundo, elas tem valores de entretenimento diferentes dos nossos e só jogam o que acham bom de verdade. Essas pessoas não vêem valor em certas coisas, como a história de Final Fantasy ou os gráficos de Crysis e portanto os rejeitam.

Os jogadores hardcore no entanto, muitas vezes jogam o que não gostam e até se convencem de que gostam ou não gostam de algo baseado nas opiniões da indústria. Muitas pessoas abominaram Okami por seu ritmo lento, enquanto muitos o endeusam por sua beleza artística. Um jogador "casual" nunca aguentaria um jogo que começa com meia hora de história, mas o "hardcore" sim, quem realmente leva vantagem nessa situação?


Enquanto existirem jogadores "hardcore" os criadores de jogos não precisam se esforçar para consertar falhas de design ou tornar os jogos mais interessantes, eles só precisam convencer o jogador de que se ele é especial, ele tem que jogar aquilo. Jogando adjetivos a torto e a direito como inovador, artístico, hardcore. E não estranhe quando esses mesmos jogos, apesar de terem vendas baixíssimas, pois encaram rejeição do público, tirarem notas altas nas análises.

Não. Bobagem. Tudo isso é bobagem. Você é especial e a indústria trata você como um rei, fazendo os jogos que você quer jogar. Você, jogador refinado, hardcore, jogador de verdade. A indústria não liga pra esses casuais como liga pra você, eles não são especiais como você. Então... por que você paga a conta deles?

Sim, voltamos à economia. Ensinemos agora uma coisa chamada "Price Skimming". Um produto é lançado a um preço alto, mais do que ele efetivamente vale, para pegar os primeiros consumidores ansioso por ele. Os jogadores hardcore são os que acompanham cada novo vídeo, cada nova imagem, cada Preview lançada, são eles que ficam na expectativa para comprar um jogo no lançamento.

Logo depois que passa a onda dos primeiros meses, o jogo cai de preço imensamente para tentar atingir um público maior e maximizar suas vendas. O casual paga menos da metade do preço que você paga, porque no fundo, você pagou a conta dele. Quem é o bobo agora?

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