quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Impressões de Cuphead e o dilema da dificuldade


Há muito tempo quando Cuphead foi apresentado pela primeira vez eu vi que se tratava de um título de "estilo sobre substância", algo que chama mais atenção visualmente do que pelo conteúdo que traz. Isso porque quando ele foi anunciado ficou claro que seria um jogo apenas de lutas contra chefões, o que te faz perguntar "Se é tão bom, por que não é um jogo completo?". Lutas contra chefes por si só são apenas um desafio para o final de uma fase, não uma experiência completa de jogo.

Mais tarde anunciaram que o jogo teria também fases de plataforma. Provavelmente a Microsoft percebeu o potencial do título e investiu nele mas também notou que ele não seria bem recebido apenas com batalhas contra chefes. Este deve ter sido o motivo do atraso do jogo, adicionar fases. No entanto em algum momento alguém deve ter explicado que fazer um jogo completo nesse estilo seria trabalhoso e demoraria tempo demais, voltando ao plano original.

Digo isso porque a versão final de Cuphead é um jogo sobre lutas contras chefes apesar do que falaram durante o desenvolvimento. Há apenas seis fases de plataforma no jogo e elas parecem destoar do resto do jogo, não tem realmente propósito, como se tivessem sido jogadas lá de qualquer jeito porque já estavam prontas.

Eu não vou analisar Cuphead. É um jogo que eu gostei e talvez desse algo entre um 7 ou um 8, porém acho mais interessante dar minhas impressões sobre minha experiência e levantar o debate sobre a dificuldade excessiva do jogo que talvez não fosse possível se isso fosse uma review. O que Cuphead tem de conteúdo por baixo de seu visual tão chamativo?


Vamos tirar logo o óbvio da frente para falarmos das partes mais profundas depois. O visual de Cuphead. Meu Deus, esse é um jogo lindo. Toda a animação de Cuphead é feita com dezenas, se não centenas, de quadros de animação desenhados a mão como os clássicos desenhos dos anos 30 e 40. Isso é, antes daquela tal senhora chamada Hanna Barbera revolucionar o mercado com seus custos reduzidos mas animação de menor qualidade.

As animações de Cuphead são lindas e fluem com uma leveza que simplesmente não existe em mais nenhum jogo ou desenho animado de hoje em dia. No entanto seu visual se torna um certo problema a partir do momento em que ele é muito simpático e convidativo. Várias pessoas se interessarão por Cuphead devido aos seus gráficos e serão recebidas por uma bota na cabeça graças a sua dificuldade extrema.

O jogo não é só um deleite para os olhos, mas também os ouvidos. A trilha sonora de Cuphead é uma das melhores entre os jogos recentes graças a um bom jazz inspirado por esses desenhos da década de 30. Não é difícil imaginar as músicas de Cuphead em um desenho da Betty Boop... apesar que seria muito difícil imaginar Betty sobrevivendo a esses chefes.

Como dito, o foco do jogo está em seus chefes, 19 deles. Seu personagem pode atirar em oito direções, pular e rebater ataques cor de rosa, o que às vezes parece ridiculamente específico e não faz tanto sentido assim. Cada chefe tem várias formas e você precisa passar por todas elas com apenas 3 pontos de vida. Ao ser atingido 3 vezes você morre, a menos que use itens que diminuem seu poder de ataque para ganhar 4 ou 5 pontos de vida mas deixam a batalha mais longa.

Em cada chefe seu objetivo é entrar e morrer. Sim, não adianta você entrar confiante em uma batalha, ter reflexos ótimos e ficar atento, você não vai vencê-lo. Depois que morrer essa primeira vez você vai começar a aprender sua estratégia até desenvolver calos nos dedos e finalmente poder derrotá-lo tomando o mínimo de dano possível ou porventura nenhum.


Esse é um problema de Cuphead. Enquanto alguns dos chefes iniciais parecem bem justos e exigem reflexos afiados, outros parecem exigir apenas que você decore seus padrões, recompensando repetição e tempo investido, não necessariamente habilidade.

Vale a pena dizer que o jogo tem um modo cooperativo, porém ele não ajuda realmente. Uma coisa no cooperativo que não existe no Single Player é que um jogador pode ressuscitar o outro ao morrer realizando um contra-ataque preciso bem no coração do fantasma do defunto. Porém qulquer vantagem que você ganha por ter um segundo jogador você perde por essa urgência de ter que tentar sobreviver em dois e ainda ter a responsabiliade de ressuscitar o outro.

Agora se tem uma coisa que faz muita falta em Cuphead é uma barra de energia para os chefes. Você simplesmente não sabe como está indo em uma batalha até morrer, só então o jogo mostra quão longe você foi. A falta de uma barra de HP te rouba aquela sensação de "falta só um pouquinho, vou atacar com tudo" ou "Nossa! Ainda falta tanto? Vou ficar na defensiva".

Durante o jogo você pode comprar tipos de tiros diferentes e isso até ajuda a adicionar um elemento estratégico, mas volta a me chatear a falta de uma barra de HP, pois sem ela não tem como realmente ver qual tiro causa mais dano, qual estratégia está indo melhor. Você precisa chutar, ter uma impressão que está melhor, o que poderia muito bem ser um placebo como apertar Baixo + B para capturar um Pokémon.


Cada batalha de chefe tem um modo simples e um normal. Bom, então acabou-se o debate sobre a dificuldade do jogo, não? Tem um modo Easy. Na verdade o modo simples te dá uma experiência capada. Se vencer os chefes nesse modo você não poderá terminar o jogo e nem mesmo verá todas as formas desses chefes. Em outras palavras, Cuphead não quer que você jogue no Easy e vai te punir se você ajustar a dificuldade para algo que te divirta mais.

Há uma série de momentos em que a dificuldade de Cuphead parece desnecessária e até injusta, a ponto de você se perguntar por que seus criadores acham que aquele nível de frustração seria divertido. Algumas pessoas acham você só precisa ficar melhor no jogo, mas na verdade é só investir mais. Nenhum chefe é impossível, mas a graça de derrotar um chefe ao tentar aprender seus padrões em 1 hora é muito maior do que investir 4 horas. Houve momentos em que eu senti que Cuphead estava desperdiçando meu tempo com sua dificuldade.

Talvez um dos pontos mais controversos sobre essa discussão da dificuldade é se os criadores têm direito ou não de criar um jogo que exclua pessoas que não são boas o bastante. Afinal, isso era comum no Nintendo 8 Bits e em outros videogames daquela geração, nem todos conseguiam terminar um jogo. Porém naquela época o puro ato de jogar era divertido e Cuphead apesar de divertido, tem apenas luta contra chefes. Se você não vence o chefe para seguir adiante, não há mais conteúdo, não há conteúdo para rejogar e se divertir, há apenas uma parede intransponível.


Quando criadores utilizam jogos como uma ferramenta de exclusão, eles se tornam troféus e as pessoas começam a se sentir melhores do que as outras por terem terminado Cuphead, Dark Souls ou Ninja Gaiden. Todos sabemos como as coisas dão errado quando pessoas começam a se sentir superiores a outras por conta de um videogame. *Insira aqui foto da Segunda Guerra Mundial*.

O famoso crítico Jim Sterling defende que Dark Souls poderia ter um Easy Mode sem que isso diminuísse em nada o jogo, apenas aumentaria sua base. Os hardcores ficariam enfurecidos que seu jogo especial não é mais especial, mas por que realmente? Eles não perderiam nada exceto sua satisfação de excluir outros. Não há algo material sobre o qual eles realmente seriam lesados.

Um exemplo de como o dilema da dificuldade de Cuphead não se trata de simplesmente respeitar "a forma como seus desenvolvedores conceberam o jogo" é que se olharmos protótipos mais antigos do jogo veremos que o personagem costumava ter 5 pontos de HP. Por que será que isso foi alterado em versões mais recentes do jogo para apenas 3?

Sinceramente, com 5 de HP eu conseguiria matar praticamente todos os chefes sem maiores dificuldades. Imagine se em Cuphead você pudesse matar cada chefes em apenas 15 minutos e terminá-lo por completo em 5 horas ou menos. Não pegaria bem para um jogo que ficou em produção durante três anos e talvez você deva se perguntar por que justamente ele te dá 3 pontos de HP. Até mesmo os itens que aumentam seus pontos de HP não ficam disponíveis até mais tarde no jogo, como se eles quisessem realmente te atrasar.


Cuphead é um jogo divertido mas que tinha um potencial muito maior se não embarcasse nessa onda de dificuldade exagerada. Ao terminá-lo tudo que eu queria era engavetá-lo como um desafio cumprido e não jogá-lo nunca mais. Se Cuphead tivesse jogado suas cartas direito poderia ser uma aventura para a qual eu voltaria com frequência para me divertir. É um jogo que infelizmente você nunca verá um pai e um filho jogando em cooperativo, mas com certeza verá um fanático no YouTube que vai terminá-lo com um controle de guitarra ou tambores sem tomar nenhum dano.

4 comentários:

  1. Isso me lembrou dos fãs fanáticos de Fire Emblem que ficaram putos com o Phoenix Mode do Awakening e do Fates. Não é obrigatorio, a pessoa ativa se quiser; claro que isso não os impediu de falar que pessoas que jogam assim não deveriam se declarar fãs da franquia.

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    1. Correção. Phoenix Onde é só no Fates.

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    2. Fire Emblem perdeu muita coisa nos jogos mais recentes e virou algum pouco menos puro do que realmente era antes, porém poucas pessoas perceberam que a série quase acabou e foram essas mudanças que fizeram ela permanecer.

      Uma sequência mesmo ruim é melhor do que não ter mais uma série.

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  2. "Todos sabemos como as coisas dão errado quando pessoas começam a se sentir superiores a outras por conta de um videogame."
    Perfeito! Indireta para alguns que exigem gamertags?

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