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segunda-feira, 30 de março de 2020

Apresentação técnica do PlayStation 5 para a GDC 2020


Para jogadores de videogame acho que o novo coronavírus (COVID-19) começou a parecer tenso mesmo quando vimos eventos de jogos cancelados como a E3 e a GDC, eventos que víamos todos os anos e de repente não haveria mais. Isso afetou bastante todas as empresas e por isso uma apresentação que a Sony faria na GDC para desenvolvedores acabou sendo transmitida na internet.

A transmissão chamada "Road to PS5" era extremamente técnica e falaria sobre o hardware do PlayStation 5 e desenvolvimento para o console. Eu fiquei bastante interessado, mas a reação da maioria das pessoas foi de cochilar com "ZZZZZZzzzzz". A GDC é uma feira de desenvolvedores afinal, não é estranho ter uma conversa mais técnica. Foi muito mais digno de tédio quando Ken Kutaragi fez uma apresentação semelhante sobre o PlayStation 3 na E3, explicando como a luz atravessava a pele da orelha de um modelo 3D porque a pele era fina.


O erro da apresentação não foi apenas de direcionamento, de uma apresentação técnica ter caído no hype para o público comum, mas também de tato pela Sony. A empresa não percebeu que seu público está ansioso por informações do PS5 e tomarão qualquer apresentação como um grande evento e depois repercutirão uma imagem negativa.

Apesar disso houve algo de extremamente excitante nessa apresentação do PlayStation 5, falarei apenas sobre esses dois pontos que foram interessantes, pois o resto foi ainda mais técnico. Até agora eu estava extremamente pessimista com o PS5 porque praticamente toda a equipe que fez do PS4 um sucesso acabou saindo. Kaz Hirai saiu de sua posição de chefia, Shuhei Yoshida a mesma coisa, essa não é uma Sony que eu acho competente para guiar o PS5 para ser um bom console.

Um nome porém ainda está lá, Mark Cerny (que atualmente parece o Dana Carvey), arquiteto-chefe do PlayStation 4 e desenvolvedor raiz da indústria dos jogos que já passou pela Sega, Crystal Dynamics, Naughty Dog e Insomniac Games. Sozinho ele não pode fazer muito pelo sucesso do videogame, mas ainda pode entregar um console impressionante independente disso, e foi o que ele fez.


Organizando um pouco os pensamentos, vamos analisar o que era a "próxima geração" até essa apresentação. O próximo Xbox, Xbox Series X, já teve seu hardware revelado e ele é praticamente todo mais potente que o PS5, apesar de não sabermos preços de ambos. A Microsoft não deve ter gostado de como a vantagem em hardware do PS4 a chutou a geração passada inteira e vem compensando desde o Xbox One X.

Até então a ideia de uma "próxima geração" estava só em potência de hardware. Videogames mais potentes, mais teraflops na placa de vídeo, processadores mais rápidos, mais memória RAM e armazenamento em SSD para loadings mais rápidos. Era tudo simplesmente "mais e melhor", extremamente entediante, fazendo os videogames parecerem PCs.

O único ponto de hardware que me parecia um salto de geração, o qual é na verdade um misto entre hardware e software, é a nova tecnologia de iluminação "Ray Tracing". Provavelmente essa tecnologia vai mostrar uma nova geração nos visuais para fotorrealismo, apesar de eu achar que ela não fica tão boa para visuais não realistas.


Então veio a coisa mais excitante da nova geração até agora. Mark Cerny começou a falar sobre o processador e sobre a placa de vídeo e falando "não estamos só pegando uma peça de computador e botando aqui". Cá entre nós, "talk is cheap", qualquer um pode falar e isso não significa que seja verdade ou tenha consequências reais.

Então veio o anúncio do armazenamento SSD do PlayStation 5. Até então sempre que se falava do SSD era como em um computador, loadings mais rápidos, simples assim. Então Cerny revelou que a velocidade de banda do SSD era acima do normal, até 5,5 GB por segundo, enquanto o do Xbox Series X é de apenas 2,4 GB por segundo. Bom, o que importa isso? Não é só mais uma configuração maior e melhor?

Assim que esse dado foi apresentado, quem entende de hardware e consoles sentiu um arrepio. Um SSD com tamanha velocidade, não faz mais loading, faz stream. Você não precisa mais carregar uma cena para usá-la, você pode pegar a informação que precisa a qualquer momento. É ter um SSD na arquitetura do console mas mudar completamente a sua função, torná-lo um cartuchão de Nintendo 64. Usar um hardware de uma maneira extremamente focada para jogos, isso é transformar um PC em videogame.

Foi extremamente prazeroso ver um videogame no meio dessa disputa da próxima geração que pareceria ser entre PCs. O Xbox Series X também tem um SDD, obviamente, mas ele é usado para armazenamento e loadings assim como em um PC, não é uma peça dedicada a jogos como no PS5. Esse SSD personalizado pode alterar a forma como jogos são feitos e ser o salto de geração que faria consoles como PS4, Xbox One e Switch parecerem de uma geração anterior.


Alguns desenvolvedores comentaram em suas redes sociais sobre o SDD, como ele tem a capacidade de revolucionar o game design. Atualmente se você reparar, jogos têm vários momentos de "corte" no qual toda uma área anterior é descarregada e uma nova área é carregada em seu lugar. Isso limita o quanto você pode ver de cada vez e em jogos de mundo aberto outros tipos de sacrifício têm que ser feitos. Porém, com 5,5 GB por segundo, não precisa mais haver essas limitações.

Descendo um pouco dessa deliciosa nuvem, agora vamos pensar na prática. Nada disso importa se as produtoras virem as configurações superiores do Xbox Series X e apoiarem apenas ele. Nada disso importa se a futura "Unreal Engine 5" criar um denominador comum entre os dois consoles. Em outras palavras, nada disso importa se não tivermos jogos que realizem esse potencial e eu gostaria de ter visto isso na apresentação.

Não é impossível vermos um cenário onde apenas os estúdios da própria Sony se aproveitem disso e seria um desperdício incrível. Passaríamos aproximadamente o primeiro ano inteiro vendo o PlayStation 5 apanhando do Xbox Series X e então veríamos um jogo que realmente demonstrasse esse potencial do console, talvez quando já fosse tarde demais. Eu realmente gostaria de ver o potencial dessa arquitetura realizado.

Mudando de assunto, o segundo ponto da apresentação que me interessou, apesar de em um nível menor, foi quando Cerny falou sobre som 3D. Atualmente quando pensamos em imersão não pensamos tanto em como o som pode ser capaz de ajudar nisso e ele falou sobre uma nova tecnologia do PS5 que poderia fazer som parecer que está vindo de diferentes locais para criar uma impressão de imersão em um ambiente 3D.

Você negaria fotos de orelhas para esse homem?

Aqui eu sou bastante cético, tenho que ver pra crer, na verdade, ouvir. O potencial dessa tecnologia é enorme, mas se ela de fato será isso tudo, não temos como saber até experimentarmos pessoalmente. A questão que me fez prestar atenção redobrada no que Cerny está falando é que eu já ouvi falar sobre as tecnologias que estão sendo estudadas nesse setor.

Então quando ele falou algo extremamente bizarro como "talvez vocês nos mandem fotos de suas orelhas", eu sabia exatamente do que ele estava falando. Nossas orelhas são únicas e nosso cérebro constrói uma espécie de algoritmo de som para determinar qual o ponto de origem de um som que bate nelas. Esse algoritmo é único para cada pessoa e se deformássemos nossa orelha ele iria falhar. Mas e se pudéssemos hackear esse algoritmo para fazer o som parecer vir de outro ponto?

Eu já acompanho o canal de YouTube "SmarterEveryDay" há algum tempo, talvez vocês já conheçam ele por vídeos como a bicicleta invertida e como uma galinha faz head tracking. Há uns dois anos ele falou sobre audição direcional nesse vídeo que vou deixar abaixo. Ele explica sobre como funciona nosso algoritmo de audição, como a falta desse algoritmo é o motivo pelo qual cachorros inclinam a cabeça e como apenas um pouco de massinha nas orelhas pode desnortear esse algoritmo.


Gosto de onde essa tecnologia de som pode chegar e de toda ambição por trás de um videogame querer dominar psicoacústica. Na modelagem 3D hoje em dia você pode simplesmente pegar um modelo como um cubo e atribuir materiais a ele, transformando-o. Coloque um material de madeira e ele reflete como madeira, o mesmo para metal e até mesmo para objetos como fogo ou fumaça. Graças a isso temos visto modelagens 3D impressionantes mesmo feitas por uma pessoa só.

Se o que entendi da apresentação do Mark Cerny for isso, significa que você poderia inserir um local aproximado onde seu som é emitido, junto com uma informação sobre o tipo de ambiente, como um armazém, um campo aberto ou uma caverna, e automaticamente a tecnologia iria distorcer o som para que você o ouvisse como se ele estivesse em locais diferentes ao seu redor.

É uma tecnologia impressionante se funcionar do jeito que é proposto e que pode se tornar o padrão no futuro, sem contar o potencial para realidade virtual.

Encerrando, esta apresentação me deu pelo menos uma coisa pra ficar muito animado com o PlayStation 5, console que até pouco tempo não tinha interesse nenhum. Ainda faltam muitas informações sobre os videogames para podermos definir como será a batalha da próxima geração, mas por ora a Sony saiu de uma posição de desvantagem e agora está emparelhada com a Microsoft novamente.

terça-feira, 25 de junho de 2019

Por que Final Fantasy 7 vai falhar


Final Fantasy 7... o jogo mais empolgante da E3 2019... pode falhar. Não é uma previsão concreta de que vai dar errado, mas uma preocupação de que possa. Mas como? A demo apresentada pela Square Enix na E3 desse ano foi tão impressionante. Parece uma reimaginação perfeita de um dos maiores clássicos dos videogames. Por este motivo mesmo, está perfeito.

Perfeição custa caro, custa tempo de produção e a Square Enix não parece ciente do que significa isso para um jogo da dimensão de Final Fantasy 7. Quando foi anunciado que o jogo viria em capítulos é porque fazer um remake dessas proporções de FF7 significa literalmente que cada trecho do jogo original terá a complexidade de um jogo inteiro atual.

As coisas começam a ficar preocupantes quando um jornalista do site Kotaku pergunta em uma entrevista ao produtor do jogo, Yoshinori Kitase, quantos capítulos serão no jogo completo e ele responde: "Infelizmente não podemos dizer nada sobre os jogos futuros, porque nós mesmos não sabemos". Isso não soa muito bem planejado.

Isso me trouxe flashbacks da época da criação de jogos amadores e fangames, quando víamos projetos começar, mas nunca serem terminados. Um dos maiores problemas era sempre esse, a escala do projeto. Acabava se tornando uma piada recorrente porque montar um "demo" em alguns meses e receber elogios era fácil, realizar toda a obra sem receber um apoio moral constante era extremamente difícil.


Eu mesmo tenho um projeto de larga escala que nunca terminei, o jogo Pokémon Jumper. Minha ideia era relativamente simples, um jogo sobre os 84 episódios da primeira temporada de Pokémon. O problema é que eu levava meses para criar os gráficos e a jogabilidade de cada episódio e em muitos anos apenas consegui terminar 14 deles.

Em algum momento você faz as contas sobre o tempo de produção e chega a conclusões que inviabilizam o projeto: "Se eu levei 3 meses para adicionar 1 episódio e são 84 episódios no total... multiplica por três... sobe o um... corta o zero... move a vírgula... noves fora... eu levaria mais de 20 anos para terminar! D=". Contas essas que deveriam ter sido feitas bem antes, mas não foram devido à empolgação.

Agora voltemos para Final Fantasy 7 e pensemos. Levará entre dois a três anos para a Square Enix terminar apenas a parte de Midgard do jogo, a qual é de longe a mais simples e linear em todo o game. Final Fantasy 7 é um jogo de mais de 40 horas, se considerarmos que Midgard equivale a aproximadamente 5 horas de jogo ou mais, quantos anos a Square levaria para refazer todo o jogo?

Meu maior problema é a "perfeição" apresentada. Observem o gameplay da E3 2019, ele está perfeito. Essa é a questão, como poderiam fazer o resto do jogo com esse nível de perfeição? Não estou falando apenas de visual, mas de design, a complexidade da luta. Conseguem imaginar quanto tempo se leva para atingir esse nível de qualidade em um simples trecho de jogo que levará menos de uma hora para ser completado? São meses.


Tudo bem, a Square Enix é uma empresa grande. Se ela quiser dedicar, sei lá, 10 anos da agenda dela para publicar vários capítulos do remake de Final Fantasy 7, ela pode, não é mesmo? Eu comecei o Pokémon Jumper muito cedo, ainda no meu IBM 486 de 100 mhz com 8 MB de RAM e 256 cores, se contássemos desde aquela época até hoje eu poderia tê-lo terminado mesmo com a requisição de 20 anos de desenvolvimento.

Porém sabe o que também acontece em um período de tempo tão longo? As coisas mudam. O estilo de jogo que eu queria fazer com 15 anos é diferente do que eu queria fazer com 25, prioridades mudam, o jeito de fazer as coisas muda, a vida acontece. Eu ainda faço o jogo por hobby a propósito, mas como isso se aplica a Final Fantasy 7?

Uma agenda longa de desenvolvimento e lançamento significa que os capítulos poderão ser afetados pela época em que serão desenvolvidos, pelas pessoas que estarão tabalhando neles, pelo estado do mercado no momento, pela performance dos capítulos anteriores, entre outros. Se o Capítulo 2 vender abaixo do esperado o planejamento e orçamento do 3 permaneceria o mesmo? Provavelmente não.

Por alguns desses motivos eu estou preocupado que Final Fantasy 7 acabe virando outra coisa no meio do projeto. Ao invés de um remake do jogo completo, um revival de melhores momentos, uma reimaginação profunda que não tenha mais como objetivo trazer a mesma experiência jogável do original, apenas relembrar alguns de seus melhores momentos com partes jogáveis.


Algo semelhante aconteceu com Final Fantasy Versus XIII que de tantos atrasos e reviravoltas virou Final Fantasy 15. Apesar de eu ter adorado o jogo, dá pra ver que o projeto original tinha muito mais coisa originalmente planejada e que não teve tempo, ou orçamento, para ser produzido, levando a história a ser conectada através de capítulos.

A ideia de capítulos interligados de maneira mais solta funciona completamente em FF15 porque a história que eles querem contar ainda é contada e não vimos o que foi cortado. O mesmo acontece no segundo CD de Xenogears, no qual a história é contada através de narração para interligar partes de jogabilidade soltas. Agora imaginem se cortassem pedaços de FF7, se partes inteiras fossem substituídas por narração.

Meu estado de preocupação no momento é maior que meu estado de esperança, mas como sempre, espero estar errado. Seria ótimo se a Square Enix conseguisse entregar um remake fantástico de Final Fantasy 7, porque cá pra nós, é um jogo que merece como Resident Evil 2. Se não der, a gente joga logo o Cloud fora e revisita Crisis Core para fazer justiça pelo Zack.

sexta-feira, 22 de março de 2019

Vídeo sobre a produção de Devil May Cry 5


Esses dias a Capcom divulgou um vídeo que é basicamente um diário de produção com alguns dos desenvolvedores de Devil May Cry 5 como o diretor Hideaki Itsuno, o game designer Yoichiro Ikeda e mais. O vídeo é chamado de "Devil May Cry - Filosofia de Design" mas não vou dizer que vi muita filosofia ali.

Ainda assim tem umas histórias interessantes, como o ator que fez a captura de movimento de Nero que caiu no meio das filmagens e a queda ficou tão boa que acabou parando no jogo ou o fato que Nico originalmente seria uma personagem bem mais séria (os designs iniciais me lembram uma Tron Bonne mais realista) mas que a atriz acabou inserindo um pouco de humor nela.


É também um pouco assustador ver quanto a Capcom está investindo em captura de rostos como em Resident Evil 2 e Devil May Cry 5 com resultados fantásticos. Por ora é algo que apenas as grandes empresas podem bancar. Se isso se tornar o padrão nos próximos anos os jogos de maior valor de produção começarão a se destacar bastante dos outros graficamente.


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segunda-feira, 18 de março de 2019

No Man's Sky Beyond, Online, Superstar Soccer Deluxe 98 Final Ver.


Já tem algum tempo que eu queria falar sobre No Man's Sky e os mais recentes anúncios parecem uma oportunidade perfeita. Após várias atualizações que mudaram severamente o jogo, ele receberá mais uma chamada No Man's Sky Beyond, a qual será dividida em três partes. A primeira delas é "No Man's Sky Online" que vai introduzir elementos de MMO ao jogo.

Eu sou um grande fã de No Man's Sky... ou ao menos eu era quando ele foi lançado em 2016, antes de ele virar outros jogos. Eu comprei o jogo na pré-venda e apesar de toda a polêmica gostei muito do que ele entregava (com exceção dos crashes). Porém cada atualização para satisfazer o público o transformava em algo diferente, engessado, Tudo que havia de ambicioso no original foi sendo destruído aos poucos. Vamos falar um pouco sobre como foram esses últimos anos.

O Céu de Homem Nenhum

Se você chegou agora e está meio perdido, No Man's Sky é um jogo de exploração espacial com um universo quase infinito gerado proceduralmente. Ele ficou em desenvolvimento por muito tempo, uns três anos, e durante esse período o criador do jogo, Sean Murray, fez muitas promessas sobre o que seria possível fazer no jogo e acabou não entregando.

A questão é que a única promessa que realmente não foi entregue no lançamento é que você poderia ver outros jogadores no universo. É estranho, porque Sean sempre falava que você poderia vê-los mas que seria incrivelmente raro, já que é um universo quase infinito. Então logo nas primeiras semanas jogadores se encontraram online e não se viram, o que gerou muitos comentários negativos.


Claro, era um elemento grande do jogo que estava fora, porém qualquer um que tivesse pensado que No Man's Sky era um jogo multiplayer pra jogar com amigos já estava esperando algo completamente errado do jogo desde o começo. Por fim, o que causou a grande repercussão negativa não era tanto o que o jogo não tinha, mas que aquilo que ele tinha não era tão legal assim para a maioria.

Basicamente, No Man's Sky é um livro de ficção científica de Isaac Asimov em movimento e foi vendido para um público que esperava encontrar Star Wars. Muita coisa no jogo era sobre mistério, sobre reflexão, contemplação, imaginação, não sobre mostrar explicitamente um monstro e deixar que você o matasse para obter loot.

Eu gostava de como No Man's Sky era simples e minimalista, que parecesse ao mesmo tempo um universo vazio mas também cheio de coisas a fazer. Acho que falei bem sobre isso na review que fiz do jogo. Cheguei a ganhar o troféu de Platina nele, marco quando você ganha todos os outros troféus. Porém agora a minha review é totalmente inútil, pois aquele não é mais o jogo.


Nenhum Homem no Céu

As reclamações acabaram com o jogo em seu lançamento, Sean Murray entrou para o hall dos desenvolvedores mentirosos ao lado de Peter Molyneux e ninguém mais queria saber da Hello Games, que estava totalmente calada em suas redes sociais. No final daquele mesmo ano então começaram as atualizações, a começar pelo "Foundation Update" que adicionou a possibilidade de criar bases. Alguns meses depois tivemos o "Path Finder Update" que adicionou veículos.

Além das adições toda a forma de jogar também foi reformulada. Elementos mudaram, a forma de obtê-los mudou, criaram problemas que não existiam antes para que soluções fossem consideradas conteúdo. Ainda parecia o mesmo jogo, um pouco diferente, difícil de se acostumar. A sensação de solidão e contemplação deram lugar a uma casa bonita na praia e um carrão... nada sutil.


Ok, foram boas adições para quem não gostava do jogo como estava antes, mas estragou um pouco para quem gostava. Pior ainda, as pessoas que a Hello Games estava querendo agradar, não queriam gostar de No Man's Sky, sequer estava olhando para o jogo desde toda a polêmica do lançamento. Por que olhariam? Havia outros jogos para se interessar.

Mais alguns meses e então tivemos a atualização "The Atlas Rises" no mês de aniversário do jogo em agosto de 2017. Agora além de coisas para fazer, No Man's Sky tinha também uma campanha de 30 horas com eventos lineares e quests geradas aleatoriamente que transformavam o jogador em um garoto de tarefas glorificado. Aqui foi onde realmente deu pra sentir a perda da alma do jogo.

Tínhamos algo especial com No Man's Sky, algo que estava sendo destruído por completo até que só sobrasse a mesma estrutura cansada de outros jogos, porém aceita. "Vá naquele planeta pegar 3 itens", "Vá naquele outro matar 10 criaturas", "Me traga 100 desse elemento". Não coincidentemente foi aqui que as pessoas começaram a olhar para o jogo e dizer que agora havia coisas para fazer nele, mesmo que no fundo não quisessem fazê-las.


Novamente No Man's Sky mudou, virou algo que não era para agradar quem não lhe dava valor. Todos que reclamavam da falta de uma história linear ou de quests não podiam mais reclamar disso, então qual seria a desculpa deles para não comprar o jogo, simplesmente porque nunca pretenderam comprar? "Onde está o multiplayer?".

Próximo Céu, Nenhum Homem

Até a atualização "The Atlas Rises" eu ainda estava acompanhando No Man's Sky, completando cada novo conteúdo apesar de ele já ter mudado tantas vezes. Então veio outra grande mudança chamada "No Man's Sky Next", a qual coincidiu com o lançamento do jogo também para o Xbox One. Adivinha qual a grande novidade? Multiplayer.

Agora finalmente você podia ver outras pessoas, mas apenas outras três como se fosse Minecraft. Na verdade parecia mesmo Minecraft porque o jogo também recebeu novidades no sistema de construção voltadas justamente para criar construções maiores do que apenas bases. Algumas pessoas até disseram: "Ok, agora vale a pena comprar".


No entanto agora quem não quer jogar sou eu. Não foi apenas adicionado multiplayer ao jogo, toda a estrutura foi remodelada e mais uma vez ficou desnecessariamente complicado. Consegue imaginar como seria se Minecraft um dia atualizasse e você não pegasse mais madeira de árvores? Nem pedras de montanhas? Não criasse gravetos para fazer ferramentas? Esse é o nível da reestruturação de No Man's Sky Next.

Tudo que eu já havia conquistado no jogo até então foi jogado no lixo, marcado como "tecnologia obsoleta" na atualização. Fiquei preso em um planeta porque a Hello Games não pensou que pessoas que já tinham um save não teriam plantas para criar coisas essenciais, como combustível para a nave. Minha base inicialmente foi "apagada" mas semanas depois de muito silêncio foi explicado como resgatá-la.

No Man's Sky conseguiu perder todo o seu charme, todo o seu mistério, pra virar quase um party game. Um jogo que parece querer ser Minecraft no espaço e nem mesmo isso consegue ser porque toda a estrutura por baixo dele não é para um jogo desse tipo. E agora ele me diz que vai fazer isso de novo.


Sem Homem no Céu Além

A expansão No Man's Sky Beyond começará por No Man's Sky Online, atualização que transformará o jogo quase em um MMO, provavelmente será possível ver todas as pessoas no universo e não apenas três. Pode ser uma ótima adição ao jogo e gerar finalmente o estilo de experiência que todos estavam esperando, praticamente uma comunidade online de espaçonaves como no MMO gratuito "EVE Online".

Porém eu duvido muito porque a estrutura básica do No Man's Sky original continua por baixo disso tudo e essa estrutura é marcada por um ponto: uma jogabilidade ruim. Um jogo de ficção científica sobre mistério, reflexão, contemplação, imaginação, não depende tanto de sua jogabilidade, pois a maior parte do trabalho está sendo feito na cabeça do jogador. Agora um jogo de ação, aventura, MMO, significa colocar muito estresse em uma peça que não foi projetada para suportar isso.


Nem mesmo acredito que esse seja o maior problema da coisa. No Man's Sky se tornou insosso porque virou várias coisas e não conseguiu ser apenas uma. No início ele fazia apenas uma coisa muito bem e decepcionava muita gente que não queria essa coisa. Agora ele faz dezenas de coisas de maneira medíocre ou ruim e todos aplaudem essa servitude porém sem se empolgar com o jogo já que ele não tem mais nada de excepcional.

Um produto precisa ter uma mensagem, uma filosofia, querer dizer algo ao jogador. Se a mensagem pode facilmente ser mudada porque o jogo não deu certo quer dizer que ela não era tão importante assim para que merecesse nossa atenção.

No Man's Sky já foi três jogos diferentes e agora promete ser um quarto. Para cada pessoa que gostou dos três jogos anteriores ele pode ter se transformado em algo que logo em seguida não os agrada. Digamos que alguém goste da quarta versão, o que o protegerá da quinta?


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terça-feira, 5 de março de 2019

O método Tezuka de fazer jogos


Recentemente eu comprei um mangá de Osamu Tezuka, criador de Astro Boy e praticamente o pai da animação japonesa, chamado "Faculdade de Mangá". É uma série de histórias/aulas com uma ênfase muito maior em "história" que servia como um tipo de guia para artistas que queriam ser mangakás no Japão após a crise causada pela Segunda Guerra Mundial.

Quando eu costumo falar de Osamu Tezuka é mais sobre a disrupção que seu modelo de negócios trouxe para o Japão e para os Estados Unidos nos anos 80, mas nesse mangá descobri um assunto totalmente diferente no qual tínhamos algo em comum. Havia semelhanças no estilo de Tezuka de ensinar a desenhar com o estilo que eu aprendi ser o melhor para criar jogos.

Como mencionado antes, o mangá tem uma ênfase maior na história. São basicamente três histórias principais com alguns toques de aula no início e no fim. O mangá em si é bem menos didático do que eu esperava que fosse ser e algumas partes específicas só funcionavam mesmo para os desenhistas japoneses da época, instruções passo a passo como marca de tinta barata. Ainda assim algo muito curioso de se ver.

Então vem a parte que eu considero mais essencial do mangá, quando Tezuka fala sobre a progressão da dificuldade dos projetos. Ao ter uma boa noção de desenho o artista deveria começar com tirinhas de quatro quadros como as de jornal, depois criar uma versão própria de uma história já existente como um conto de fadas e só por último começar a fazer seu próprio mangá.

Essa progressão parece um pouco óbvia, mas eu que estou aprendendo a desenhar nunca antes havia pensado em começar por tirinhas. Nunca pensei em recontar uma história já conhecida. Como muitos que aspiram criar sua própria obra eu já estava pensando no resultado final: "como posso desenhar minha própria história em quadrinhos?".

O curioso é que eu já conheço esse método de progressão porém para criação de jogos. Eu o usava para tentar ensinar desenvolvedores mais jovens que constantemente não terminavam seus projetos. Primeiro, crie minigames. Depois desenvolva um clone de um jogo já conhecido que você goste. Por último invista em realizar seu próprio projeto.

A maioria dos desenvolvedores começa diretamente tentando realizar seu próprio projeto e as dificuldades que encontram são tremendas, o suficiente para desistirem ou adiarem indefinidamente. Como aprender a criar jogos exige várias etapas é especialmente importante conseguir completar projetos e se você nunca completa nenhum, é porque está mirando alto demais logo de cara.


Desenhar as tiras é também uma forma de prática, assim como desenhar uma história que você já conhece. Prática te permite produzir as partes mais simples de um projeto com maior velocidade. O mesmo vale para minigames e clones de jogos. Um desenvolvedor iniciante que pule direto para um projeto grande perde velocidade tanto nas partes complexas quanto simples, desmotivando-se mais facilmente.

O procedimento para criar um jogo original e para criar um clone de um jogo são muito diferentes. Trabalhar com limitações é um processo de auto-descobrimento para um desenvolvedor no qual ele verá onde estão suas falhas e o que ele não sabe. Se você cria um design, programa uma jogabilidade e o resultado sai ruim, você não sabe se o erro está no design ou na jogabilidade. Se você copia um jogo de sucesso e a jogabilidade sai ruim, você tem certeza sobre onde errou e no que precisa melhorar.


Por exemplo, em um jogo original seu personagem pode pular a altura que você quiser, mas em um clone de Mario é importante manter uma certa altura. No seu próprio jogo os obstáculos podem ser como você quiser e se você errar a altura, basta fazer o personagem pular mais alto, porém isso pode afetar o resultado final sem que você se dê conta. Em um clone de Mario quem definiu as condições que você precisa seguir não foi você, então não dá pra apenas aumentar a altura.

O distanciamento emocional de criar um projeto baseado em algo já existente e não em uma ideia original sua também é importante. Quando temos uma ideia nos tornamos defensivos e menos propensos a alterá-la de acordo com o que o produto final pede. Uma pessoa que tenha vontade de fazer um RPG épico prefere dar início ao projeto e nunca terminá-lo do que começar por algo mais simples.


A ansiedade de desenvolver um jogo próprio também é grande. Às vezes um desenvolvedor fica tão ansioso por colocar aquela ideia pra fora que se apressa e passa por cima do aprendizado. Imagine se ao desenhar um mangá um artista ficasse tão ansioso por uma cena de batalha que deixasse de desenhar os cenários em vários quadros anteriores.

Realizar um projeto próprio é bem difícil e exige um investimento alto de tempo e disciplina para aprender todo o necessário antes de começá-lo para que todo o ânimo inicial não se queime e ele não seja abandonado no meio. Então oferece um certo alívio ver alguém tão importante quanto Osamu Tezuka mostrar o caminho para quem está apenas começando.

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Eu acidentalmente LEGO Battle Royale por toda a internet

Então... talvez eu tenha criado o gênero de LEGO Battle Royale por acidente...

Tudo começou quando o site IGN fez um post na sua conta de Twitter perguntando "Que jogos você gostaria que adicionassem um modo Battle Royale?" com sugestões como The Last of Us 2, Gears of War 5 ou Splatoon 2.

Para quem não sabe, Battle Royale é um novo gênero de tiro que explodiu ano passado com PlayerUnknown's Battlegrounds e desde então deu origem a vários outros como Fortnite, Black Ops 4, Free Fire, Knives Out, entre outros.



Então eu sugeri: LEGO Marvel Super Heroes

E parece que a internet gostou bastante da ideia, porque o tweet teve mais de mil curtidas D=


Foi divertido ver alguns comentários como "Arrumem uma equipe de produção" ou "LEGO, dê um emprego para esse homem", porém os que mais me interessavam eram os que diziam: "eu jogaria isso". Especialmente de pessoas que expressavam que não jogariam outros Battle Royale.

Eu gosto da ideia de LEGO multiplayer, experiências multiplayer simplificadas nesse meio de FPS complicados cheios de habilidades que se anulam, personagens que andam pelas paredes e monetização agressiva em itens cosméticos inseridos num sistema de progressão criado pra te viciar.

Alguns anos atrás tanto a Minecraft quanto LEGO parecem ter sido mal assessorados que o futuro de jogos para crianças seria o multiplayer de minigames, pois ambos foram na mesma direção. Não deu muito certo e hoje as pessoas mal lembram desses modos.

No entanto, eu e meu sobrinho sempre brincávamos com LEGO Marvel Super Heroes, testando os poderes de cada herói e formas de matar um ao outro em um jogo que era puramente cooperativo e que tentava evitar ao máximo que os jogadores se matassem.


Realmente espero ver uma evolução dos jogos de LEGO pois eles andam terrivelmente repetitivos. Não que Battle Royale seja realmente a direção que eu queira que eles vão, mas... se isso acontecer, já sabem de quem é a culpa =x

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Os estúdios secretos que criam os melhores jogos


Aqui no blog eu já mencionei que às vezes alguns jogos surpreendem com uma qualidade que a produtora original não poderia ter, como é o caso de Sonic Colors que eu não acredito que tenha sido feito pela Sonic Team, e muitos dos leitores acharam que eu estava maluco. "Como assim outro estúdio fez o jogo no lugar da Sega? Não faz sentido", então eu resolvi falar um pouco mais sobre esses estúdios secretos que fazem alguns dos melhores jogos da indústria.

Há muitos nomes para esse trabalho como "mercenário", "desenvolvedor fantasma", "equipe secreta", entre outros. A ideia é que por uma quantia em grana, esses caras pegarão o seu jogo ou franquia e irão torná-lo melhor, às vezes até excepcional, sem que ninguém jamais saiba que eles trabalharam no seu jogo. É um pouco anti-ético por parte das empresas, porém alguns estúdios até preferem trabalhar assim.

Vale lembrar que não estamos falando de outsourcing, que é quando uma empresa paga outra pra fazer uma parte do jogo mas esse outro estúdio ainda é creditado por isso. Muitas empresas têm usado recentemente mão-de-obra asiática barata e qualificada, como da China e Coreia, para baratear custos. Por exemplo, em Horizon: Zero Dawn havia uma empresa inteira dedicada apenas a criar e animar alguns dos robôs, outra empresa inteira para rostos e expressões faciais, e assim por diante.

Normalmente os estúdios utilizam outsourcing para trabalho braçal e até um pouco do artístico, mas as empresas secretas não, elas são especializadas em deixarem seu jogo bom. Elas mexem principalmente na jogabilidade e nas fases, às vezes até mesmo na parte conceitual do jogo ou fazendo o projeto inteiro sem que ninguém saiba. Quando apenas fazem pequenas trechos e melhorias em jogos, algumas dessas empresas chegam a trabalhar em até dez projetos durante um ano.


Quando você tem um jogo que não está divertido, quando não tem ideia de como levar uma franquia adiante ou quando até tem todo o seu conceito de jogo em ordem mas não tem tempo ou pessoal qualificado para dispor, é aí que você chama um desses estúdios. Eles farão seus problemas sumirem sem que ninguém fique sabendo que eles sequer existiram em primeiro lugar.

Os motivos tanto para quem os contrata quanto para quem escolhe trabalhar nesse molde são variados. Algumas empresas podem não querer passar uma imagem de incompetência para o público e investidores ao pedirem a ajuda de outros estúdios. Outras podem não querer que vaze a informação que um jogo aguardadíssimo na verdade está virando uma bomba. Algumas podem não querer que as pessoas pensem que o jogo terá menos do charme da empresa porque outra produziu uma parte, etc.

Já para quem aceita ser contratado sem créditos, há algumas vantagens. Alguns estúdios mercenários cobram um extra para realizar o trabalho em sigilo, o que é vantajoso em curto prazo, outros conseguem mais trabalho devido a sua discrição e quanto mais discretos forem, mais serão recomendados entre os círculos internos das grandes empresas como resolvedores de problemas. A maior desvantagem é que às vezes as pessoas não os reconhecem e não sabem da sua qualificação.

Especificamente no caso dos estúdios japoneses há ainda toda uma cultura de ninjas que trabalham através das sombras. Há estúdios inteiros que não só não querem ser creditados que ainda entram em desespero se você disser que irá creditá-los, pois seria o equivalente a um ninja ter o rosto mostrado na televisão, é quase o fim de carreira para eles.


De todos os estúdios secretos, a mais conhecida é a Tose e temos que parar um instante para apreciar a ironia de um estúdio secreto que é bastante conhecido. A Tose foi fundada em 1979 em Kyoto, no Japão e já trabalhou com algumas das maiores empresas de jogos como Nintendo, Capcom, Square Enix, Sega, Konami, Bandai Namco e até mesmo estúdios americanos como a Electronic Arts.

Às vezes tudo que a Tose faz são ports, convertendo jogos antigos para novos videogames. No entanto as empresas confiam tanto na Tose que muitas vezes emprestam franquias para que ela crie seus próprios jogos. Dois títulos excepcionais que eu adoro do Nintendo DS por exemplo são da Tose: Super Princess Peach e Dragon Quest Heroes: Rocket Slime, ambos publicados como jogos da Nintendo e da Square Enix, respectivamente.

A Tose produziu praticamente todos os jogos de Dragon Ball antigos do Super Nintendo, como o RPG Legend of the Super Sayan, a série de luta Super Butouden e provavelmente o Hyper Dimension, mas é difícil saber. Trata-se de uma empresa que já tocou em milhares de jogos, e digo este número literalmente, e mesmo assim quase nunca é creditada e para o público em geral ela mal existe.

O que garante então que a Tose não seja apenas uma lenda urbana? Bom, a maioria dos insiders da indústria sabem sobre ela e ficam sabendo quando é ela que acaba desenvolvendo um jogo, só não é conhecimento público. Às vezes o nome da Tose chega a ser creditado em jogos na área "Special Thanks" dos créditos, sem detalhamento de seu envolvimento e com pseudônimos nos nomes dos envolvidos.


Porém a maior evidência da existência da Tose é justamente em jogos da Nintendo. Eles são coautores ao lado da Nintendo da série The Legendary Starfy, uma franquia de plataforma submarina parecida com Kirby que só teve um dos jogos lançados no ocidente para o DS. A Tose também portou a série de minigames Game & Watch clássicos da Nintendo para o Game Boy.

Como eu disse, a Tose é a mais conhecida, e talvez alguns dos leitores até já tenham ouvido falar dela, talvez alguns pensassem que se tratava apenas de uma lenda urbana. É bem difícil comprovar o envolvimento do maior estúdio secreto que já trabalhou em milhares de jogos que passaram pelas nossas mãos, agora imagine como é difícil encontrar os menos conhecidos.

Entre alguns dos que realmente sabemos: Resident Evil: Code Veronica não foi feito pela Capcom, foi feito por um estúdio chamado NexTech, vários jogos de séries de RPG como Final Fantasy, Persona e Yakuza passaram por uma empresa chamada Hyde, Overwatch teve partes feitas por uma desenvolvedora chamada Supergenius, Street Fighter 5, Final Fantasy 15 e BioShock Infinite tiveram a mão do Streamline Studios.

Há ainda outros desenvolvedores secretos como a Snowed In Studios e Fuel Industries que sabemos que fazem jogos para grandes empresas, mas sequer sabemos algum projeto em que tenham se envolvido. A maioria desses estúdios é antiga, dos anos 2000 e até antes. A Snowed In Studios é a única mais recente, fundada em 2010 e trabalhou primariamente em plataformas atuais como o PlayStation 4 e Xbox One.


Para quem acompanha o mundo dos jogos, talvez essa não seja a primeira vez que ouve falar da Hyde, pois ela esteve envolvida em algo nos últimos anos. Após Keiji Inafune, um dos criadores de Mega Man, deixar a Capcom ele realizou uma campanha de financiamento coletivo para um jogo chamado Mighty No. 9 que seria um sucessor espiritual do robô azul. O projeto atrasou muito e as pessoas ficaram revoltadas, principalmente porque antes do jogo estar sequer pronto, Keiji abriu outra campanha para outro jogo.

Esse segundo jogo chamado Red Ash seria um sucessor espiritual da franquia Mega Man Legends, assim como Mighty No. 9 seria de Mega Man. A principal causa da revolta foi por Inafune já estar pensando em outro jogo quando o primeiro ainda estava atrasado, mas havia uma outra reclamação que surgiu nessa época. A produtora que ele havia escolhido para produzir Red Ash, uma tal de Hyde que ninguém nunca tinha ouvido falar.

Muitos das pessoas que diziam não querer colaborar com a campanha de Red Ash mencionaram a loucura de Inafune de contratar um estúdio que não tinha qualquer histórico de desenvolvimento relevante, no entanto ele provavelmente já os conhecia, o que pode ou não indicar que a Hyde já trabalhou com a Capcom. A Hyde parece ter mexido em muitos RPGs, então talvez ela tenha produzido Mega Man X: Command Mission?

Algum tempo depois que a campanha falhou, o presidente da Hyde deu uma entrevista descontraída na qual revelou que a empresa é um desses estúdios secretos da indústria. E quando as pessoas diziam que eles não tinham experiência para produzir jogos, ele apenas riu e disse que era uma das desvantagens de ser um estúdio secreto.


No caso específico de Sonic Colors, talvez tenha havido mesmo a mão da Dimps, uma empresa que desenvolveu vários jogos de Sonic para portáteis em conjunto com a Sega, como Sonic Advance, Sonic Rush e as versões de Sonic Colors (NDS) e Sonic Generations (3DS). No início eu não achava que a Dimps tinha esse cacife todo para melhorar tanto o jogo, pois os Sonics portáteis eram legais mas não excepcionais, mas depois de Sonic Generations do 3DS e Dragon Ball Xenoverse, realmente dá pra ver que alguém lá sabe o que faz.

Quando a Sega chamou a Dimps para fazer as versões portáteis de Sonic foi justamente por não ter pessoal suficiente para fazê-las ela mesma, o que parece ser o caso de Colors, conteúdo demais para pessoal de menos. Eles também tinham conhecimento prévio do console por terem feito a versão Wii de Sonic Unleashed. É completamente possível, mas foi o que aconteceu? Talvez nunca saibamos.

A verdade é que a indústria de jogos é excelente em guardar seus segredos, especialmente o setor japonês que é de onde provém boa parte desses estúdios secretos. Se eles não quiserem revelar que eles trabalharam em um jogo, provavelmente jamais ficaremos sabendo, ou então saberemos 10, 20 anos após eles terem sido lançados.

Para um olho treinado no entanto, não é tão difícil captar as oscilações de game design, quando um estúdio simplesmente faz um jogo que não poderia ter feito, cuja filosofia não bate. Um ponto fora da curva. Um sussurro de fantasma na multidão.

sábado, 28 de abril de 2018

Com quantos triângulos se faz uma Triforce


Recentemente The Legend of Zelda voltou a se tornar uma das franquias de maior respeito do mundo dos games em um fenômeno apenas similar ao grandioso lançamento de Ocarina of Time na época do Nintendo 64. O mais novo título, The Legend of Zelda: Breath of the Wild para Nintendo Switch e Wii U, recolocou a franquia no mapa com um primor raramente visto na indústria.

No entanto, se você acompanha o blog, talvez se lembre de dois pontos específicos: Primeiro, da nossa review de The Legend of Zelda: Skyward Sword, na qual demos um 5/10 para o jogo e criticamos muito a direção da série. Segundo, de como The Legend of Zelda: A Link Between Worlds foi bom e como achamos que isso aconteceu, pela ausência de um certo alguém. Vamos entender um pouco quem é Eiji Aonuma e por que achamos que Zelda fica melhor quando ele não está por perto.

Toda a questão gira em torno dele, Eiji Aonuma, diretor e produtor da série The Legend of Zelda atualmente. A franquia foi originalmente criada por Shigeru Miyamoto, responsável por alguns de seus melhores capítulos como A Link to the Past e Ocarina of Time, pai também de Mario e Donkey Kong. Porém, Miyamoto passou o controle da série para Eiji Aonuma a partir de The Legend of Zelda: Majora's Mask. Desde esse fatídico dia a franquia começou a decair.

Com a exceção do capítulo isolado Twilight Princess que praticamente seguiu os passos de Ocarina of Time e foi bem, Aonuma não coincidentemente foi responsável pelos maiores fracassos em vendas da série: Majora's Mask, Wind Waker, Spirit Tracks e Skyward Sword. Apenas recentemente a série começou a se reerguer com A Link Between Worlds que acabou por nos dar esperanças para Breath of The Wild, ambos títulos que eu digo, foram beneficiados por uma grande ausência de Aonuma.


Assim que o jogo foi anunciado eu fiquei com um pé atrás, porque Aonuma sempre pode estragar um jogo que parece promissor. Quando Breath of the Wild deu certo eu afirmei então que Aonuma não teve muita influência direta no jogo, mesma coisa que afirmei para A Link Between Worlds. Então houve reclamações no artigo que questionavam a nossa capacidade de análise.

Reclamações dizendo que não é possível saber se alguém está mais ou menos envolvido no desenvolvimento de um jogo, que não é possível olhar para algo em um jogo e dizer quem fez ou não fez algo, que um produtor não poderia apenas deixar sua equipe livre para fazer algo e depois ser surpreendido com coisas que ele não pediu para serem feitas. São todas reclamações das quais eu discordo.

Me lembro que eu era muito bom em matemática no colégio e minha professora ocasionalmente lançava desafios valendo nota, os quais eram resolvidos em grupo. Dentro desse grupo eu fazia a lógica, resolvia o problema e sem que ninguém dissesse quem resolveu, a professora olhava e dizia "Esse raciocínio é do Monteiro". Eram apenas números, mas ainda assim era possível notar que eu que os tinha pensado, havia um traço involuntário que me identificava fora do meu controle.

A linguística forense flertou com o conceito de uma impressão digital linguística, a hipótese de que cada pessoa usa a linguagem de uma forma tão diferente que seria o suficiente para ser identificável, uma ciência que ainda engatinha. O FBI já foi mais longe e chegou ao termo "assinatura" para definir modus operandis característicos de serial killers de forma que é possível identificar um assassino apenas pelo seu jeito de realizar um crime.

É tão difícil assim imaginar que exista algo semelhante no mundo dos jogos? Uma assinatura que vem de dentro e nos denuncia? Vídeos como "Aonuma Style" captam perfeitamente a essência do que significa um Zelda de Aonuma. Esses elementos de Aonuma são facilmente identificáveis como sua assinatura. Então vem a questão: por que eles não estão em Breath of the Wild?


Por muito tempo ajudei pessoas com criação de jogos e com o passar dos anos via certos arquétipos se repetindo. Há pessoas que se focam na parte técnica, pessoas que só tem várias ideias uma seguida da outra sem nunca desenvolvê-las ao máximo, pessoas que nunca terminam projetos, pessoas que sempre fazem toda a programação da jogabilidade mas desistem na hora de fazer conteúdo, pessoas que sempre terminam projetos apesar de todas as dificuldades, entre outros. Era possível reconhecer cada um pelo estilo do projeto.

As questões mais recorrentes eram sobre ego, pessoas querendo muito passar algo que consideravam brilhante para serem idolatrados como os grandes gênios do videogame, os Miyamotos e Kojimas da nossa geração. Tinham histórias de dezenas de páginas e nenhuma descrição sobre como seria o jogo ou sua jogabilidade, afinal isso era apenas um empecilho, um detalhe, para sua obra-prima.

Quando vejo Aonuma, é uma dessas pessoas que eu vejo, alguém que quer muito passar algo que acha brilhante para o mundo, quer eles queiram ou não. Esse é o foco dele, ter certeza que sua história será contada corretamente, da maneira mais épica possível. Mas então quem faz o jogo, se não Aonuma? O resto da equipe.


Um produtor tem papel de supervisão e direcionamento, ele não fica em cima do jogo o tempo todo. Hideo Kojima pedia para seus desenvolvedores adicionarem coisas aos jogos e voltava uma a duas semanas depois para verificar como havia ficado. Mas não acreditem em mim, leiam de uma entrevista do próprio Aonuma como o desenvolvimento era livre:

"Nós temos essas metas durante o desenvolvimento. Eu jogo o jogo e faço comentários para a minha equipe, dou conselhos em que direção eles devem ir. Em uma das etapas, o jogo estava fantástico, havia tantos elementos ótimos. Mas na próxima etapa eles haviam sumido". 
"Eu fiz muitos comentários sobre o que eles precisavam adicionar, mas eu nunca falei para eles o que estava bom naquela etapa. Então eles adicionaram coisas que eu havia recomendado, mas eles também adicionaram outros elementos que eles acharam que funcionavam bem - e isso acabou quebrando todas as partes boas da etapa anterior. Eu aprendi que, quando está bom, eu tenho que dizer. Se eu administrasse isso bem, talvez o desenvolvimento não teria se estendido tanto."

Cada parte da equipe trabalhava em diferentes áreas do mapa e em diferentes sistemas, com metas a serem alcançadas. Muitas vezes uma parte nem sabia no que a outra estava trabalhando. Como Aonuma disse, várias coisas eram adicionadas e retiradas sem ordem direta dele, apenas porque a equipe achava que estava bom, pensava que estava ruim ou trocou por outra alternativa.


Ao mesmo tempo que não vemos Aonuma no jogo, é possível ver várias outras influências. Por exemplo, a do diretor Hidemaro Fujibayashi que disse que se inspirou em jogos como Minecraft e Terraria, coisas que podem ser vistas extensamente no sistema de crafting, cozinhar, desgaste das armas. Ele disse: "Eu pude aprender pelo gameplay e as possibilidades que eu encontrei. Eu pude aprender sobre o senso de aventura, exploração e como inspirava curiosidade". Isso é algo que podemos ver de fato no jogo.

Mas como alguém da equipe iria colocar algo sem autorização do produtor? Soa absurdo. No entanto é exatamente o que Aonuma faz, ele engana Shigeru Miyamoto com frequência e faz coisas pelas suas costas. The Legend of Zelda: Majora's Mask deveria ser um mero pacote de expansão para Ocarina of Time, mas Aonuma o transformou em um jogo próprio. The Legend of Zelda: A Link Between Worlds seria um remake de A Link to the Past, mas ele também transformou em um jogo novo. Sempre pelas costas de Miyamoto, sem sua autorização.

Em outras palavras, sempre que Miyamoto pede para Aonuma fazer algo, ele até diz que vai fazer... mas então faz algo diferente de acordo com seus próprios planos. Tudo dá certo pra ele, ele sempre sai do desenvolvimento com o que ele quer. Seria tão estranho assim que seu comportamento passasse adiante para seus empregados? Que eles também fizessem coisas pelas suas costas e ele acabasse deixando por não saber que foi feito ou mesmo aceitando porque o resultado final foi bom?

Uma das maiores reclamações é sobre a existência de um "agente infiltrado" que sugeri que poderia existir na equipe de Aonuma, alguém que realmente sabe sobre o que The Legend of Zelda deveria ser e carrega a série nessa direção quando possível. Isso é algo que muitos consideram ridículo, assim como a possibilidade de um estúdio mercenário ter ajudado o Sonic Team em Sonic Colors. Eu mencionei esse agente no artigo: "Qual o segredo de The Legend of Zelda: A Link Between Worlds?", no qual eu fiz uma crítica ao jeito de Aonuma de fazer Zeldas e como A Link Between Worlds apenas ficou bom porque ele estava ausente ou distraído, com essas citações:

"Quem vem estragando a franquia The Legend of Zelda ultimamente é o diretor Eiji Aonuma (...) e qual o principal problema de Aonuma? Ele caiu na armadilha de ego, é obcecado por controle, pela sua visão, e nós que reclamamos que os jogos estão ruins estamos atrapalhando sua genialidade"
"Se Eiji Aonuma tivesse participado ativamente da produção de A Link Between Worlds, seria possível prever que o jogo seria ruim, como de costume."
"(...) outra pessoa estava tocando o projeto de A Link Between Worlds. Essa pessoa, bem mais competente, é praticamente um herói e transformou o jogo no que ele virou hoje"
"The Legend of Zelda: A Link Between Worlds foi um acidente incrivelmente feliz nessa era de trevas sob o comando de Eiji Aonuma (...)"

Reclamaram que é absurdo imaginar que Aonuma não participou ativamente de The Legend of Zelda: A Link Between Worlds e que era mais absurdo ainda achar que tem alguém infiltrado lá que tem uma boa noção do que é Zelda. Então eu investiguei mais a fundo e descobri exatamente isso.

Em uma das entrevistas "Iwata Asks" do site da Nintendo, um dos desenvolvedores de The Legend of Zelda: A Link Between Worlds, o diretor Hiromasa Shikata, esclarece que após o término do desenvolvimento de The Legend of Zelda: Spirit Tracks, a vasta maioria da equipe foi deslocada para The Legend of Zelda: Skyward Sword.


Como podem se lembrar, The Legend of Zelda: Skyward Sword foi bem criticado aqui no blog e completamente reconhecido como um jogo de Aonuma. Então Aonuma definitivamente teve sua presença sentida em Skyward Sword. Enquanto isso quem estava fazendo A Link Between Worlds? Apenas três pessoas: Shiro Mouri, Hiromasa Shikata e... você adivinhou? Um desenvolvedor desconhecido.

Lembram-se dessa trupe? Talvez se lembre porque eu já os mencionei em outro artigo. Foram eles que criaram também o demo do The Legend of Zelda original com física que viria a se tornar a base para a criação de The Legend of Zelda: Breath of the Wild. Novamente identificados apenas como: Shiro Mouri, Hiromasa Shikata e um desenvolver desconhecido.

Por duas vezes esse grupo foi citado e esse desenvolvedor desconhecido teve sua identidade ocultada sem um motivo revelado. Na própria entrevista do Iwata Asks temos a presença de Shiro Mouri e Hiromasa Shikata porém essa terceira pessoa é mencionada apenas como "um outro programador". Por que ele não está na entrevista? Por que ele não é creditado como os outros dois? Eles não sabiam o nome dele? Porque em um grupo de três pessoas desenvolvendo um jogo não tem como a parte dele ter sido ignorável.

Vejam bem, Aonuma não gosta do The Legend of Zelda original, ele nunca o conseguiu jogar, é o grande motivo pelo qual ele sempre tentou transformar a franquia em outra coisa. Aonuma nunca faria uma demo que se baseasse no primeiro The Legend of Zelda. Eu não consigo acreditar que os dois melhores Zeldas dos últimos anos tenham tido sua origem em uma equipe de três pessoas das quais uma delas é um programador misterioso apenas por coincidência.

Miyamoto constantemente discute com Aonuma sobre o fato de que ele não entende o que significa o cerne da franquia Zelda. Miyamoto conseguiu convencê-lo recentemente, em março de 2017 após o lançamento de Breath o the Wild a chegar na seguinte definição: "A essência de The Legend of Zelda é um ambiente onde Link evolui e ganha poder, no qual o jogador diretamente irá senti-lo através das ações que ele pode realizar conforme a história progride". Quer dizer que Aonuma nem mesmo tinha essa noção enquanto estava fazendo Breath of the Wild.

Aonuma disse uma vez que Miyamoto costuma fazer uma analogia sobre o teatro japonês Kabuki com ele. "Um mestre Kabuki diria: "para quebrar o molde, você precisa conhecer o molde"", segundo ele. Constantemente quando Aonuma fala com Miyamoto sobre algo em The Legend of Zelda, o criador da série responde: "Você não entende o molde".