terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Por que o Ouya vai falhar



Tanto tempo se passou e já estamos naquela época de novo, um novo console está para ser lançado em junho de 2013, o Ouya. Para quem não sabe, ele se trata de um produto criado por amadores através do Kickstarter (uma espécie de vaquinha virtual) e é um "videogame" de US$ 99 que conecta-se na sua TV e roda jogos do sistema Android 4.0. Vamos analisá-lo um pouco e entender por que ele provavelmente não dará certo.

Algumas pessoas talvez digam "É óbvio que o Ouya não vai dar certo" por sua falta de histórico, mas não é tão óbvio assim, pois ele tem uma grande força em seu conceito. A maioria dos produtos disruptores, aqueles que mudam as regras do mercado, parecem inofensivos à primeira vista, pois inicialmente não parecem fortes para os padrões da indústria atual.

E vejam bem que esta é uma das poucas vezes em que eu disse "provavelmente" vai falhar. Eu afirmei com certeza no Nintendo 3DS e Wii U que os videogames não dariam certo, mas o Ouya é uma besta mais enigmática que os aparelhos da Nintendo. No Ouya, reside uma possibilidade de ser um sucesso, ela só é pequena e fácil de ser perdida.

O que o Ouya faz certo? O preço de entrada de US$ 99 é ótimo, não custa muito para experimentar o videogame e o próprio tamanho dele reforça a imagem de que "é só uma coisinha à toa", algo que os videogames hoje em dia não compreendem, cada vez ficando maiores e exigindo um compromisso maior.

Ele está captando a cultura de jogos mobile, provenientes dos smartphones, tirada diretamente do Android. Isso é uma coisa boa, pois são jogos baratos, que já têm um grande público interessado neles e pode alcançar um novo bolsão de usuários, talvez até mesmo hardcores, por ser uma forma convencional, um videogame, de jogar títulos mobile.

Jogos mobile hoje estão mais perto de serem o que um videogame deveria ser do que consoles como Xbox 360, PlayStation 3 ou Wii U. Porém, com a morte de Steve Jobs, o próprio modelo mobile da Apple, que vinha carregando o mercado nas costas, está pronto para ruir nos próximos anos, e isso irá sabotar o possível sucesso do Ouya, assim como as mudanças internas na Nintendo sabotaram os últimos anos do Wii.


O sistema Android, produzido pelo Google, é um concorrente do iOS da Apple, e diferente deste último, aparece em vários aparelhos. Alguns até dizem que o Android faz mais sucesso que o iOS por conta disso, mas em matéria de tablets e smartphones, o iOS continua sendo a melhor opção, algo que está mudando desde que a Apple perdeu Jobs.

o iPhone era um produto de oceano azul (ver o livro A Estratégia do Oceano Azul de W. Chan Kim e Renée Mauborgne), assim como o Wii. Isso significa que o seu sucesso estava em oferecer um "valor excepcional".

No caso do iPhone, ele era muito caro no início porque sua filosofia ia contra o movimento de mercado de lançar um novo telefone anualmente, algo que os usuários não gostavam, então um telefone que não precisava ser trocado por algum tempo, oferecia um "valor excepcional" em relação aos outros, assim sendo um grande sucesso.

Dizem as noções básicas do capitalismo que um produto menos durável é melhor, pois assim as pessoas comprarão outro, mas o cliente quer ter o melhor produto possível pelo que ele pagou, com a maior durabilidade possível. Quando logo após comprar uma versão, a empresa rapidamente anuncia outra, o cliente se sente enganado e começa a boicotar os produtos da empresa (exceto pelos fãs hardcores, sempre fáceis de enrolar).

Durante o período em que o iOS mantinha esse conceito de durabilidade, com um único iPhone você sabia que teria acesso a todos os aplicativos da App Store e isso garantiu um forte público para jogos na loja. Não era necessário ficar se preocupando com qual sua versão do sistema e se o seu aparelho poderia ser atualizado para a próxima versão.

Essa é uma preocupação que as pessoas têm com o Android, começaram a ter com o excesso de aparelhos iOS e não vão querer ter com o Ouya. Imagine um videogame onde durante sua vida útil, você não sabe se ele vai rodar os próximos jogos que saírem. E os criadores do Ouya até já afirmaram que vão lançar versões anuais, assim como em um telefone. Minaram aí praticamente toda sua chance de sucesso.

Outra coisa que pode ocorrer é caso o processo de converter jogos dos smartphones para o console seja menos do que instantâneo e sem dificuldades. É preciso que as companhias não tenham necessidade de pensar se querem seus títulos no console, mas sim que o processo seja tão simples que elas o façam automaticamente. Apenas assim ele poderá garantir apoio suficiente para não ficar parado após seu primeiro ano.


O que realmente falta no Ouya é uma mensagem clara, a qual nem mesmo é culpa dele, mas de problemas atuais do mercado de smartphones. Um "Videogame Android" ou "Videogame do Google" não passa uma mensagem clara, porque as pessoas não associam o nome Google a jogos e não sabem direito o que é Android, mas sabem que precisam atualizar e que nem todos os aparelhos rodam seus Apps, não inspirando confiança.

Porém, o próprio iOS está assim também. Um "Videogame iOS", na verdade um "Videogame da Apple", que passasse a mensagem "temos os jogos que você joga no seu iPhone e iPad", faria sucesso, pois as pessoas associam a imagem da Apple a esses jogos. No entanto, mesmo um "Videogame da Apple" apenas usufruiria do valor excepcional do próprio iPhone, valor este que já vem sendo corroído pelas estratégias recentes da empresa.

Apesar de o Ouya ter conceitos interessantes e até mesmo uma chance de sucesso, ele é um sistema dependente do sucesso do setor mobile, o qual está prestes a entrar em uma crise. O Ouya está entrando no meio de uma tempestade e é pouco provável que consiga se sair bem dela.

O Ouya é apenas o primeiro de uma geração de consoles-Messias, pois a indústria está tão saturada que está forçando a criação de alternativas. Eventualmente é possível que um desses consoles seja um sucesso, agindo como uma válvula de escape para toda a pressão que os consoles atuais estão fazendo.

Mas esse sucesso seria imprevisível, inesperado, uma escolha caótica. Poderia ser o Ouya, poderia ser o Shield da Nvidia ou mesmo o Steam Box. Independente de suas qualidades ou defeitos individuais, um movimento de escape da indústria poderia levar qualquer um deles ao topo.

Assim como pode acontecer de o Messias nunca vir e vivermos uma era das trevas nos videogames, com grande desinteresse e cada vez mais empresas falindo.